Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Rejeitamos a autorização para declarar o Estado de Emergência

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Senhor Presidente,
Senhoras e senhores Deputados,
Senhoras e senhores membros do Governo,

O recurso ao Estado de Emergência não corresponde nem se afigura proporcional ou adequado às medidas de que o País precisa para enfrentar a difícil situação que atravessa.

A declaração do Estado de Emergência proposta pelo Presidente da República que hoje é discutida e votada deve ser rejeitada por quatro motivos essenciais.

Primeiro porque desconsidera em absoluto a primeira e principal questão que está colocada ao País que é a da definição das condições de segurança sanitária que é necessário criar em cada área e sector para que a vida nacional possa prosseguir com a normalidade possível nas circunstâncias que vivemos.

Segundo porque acentua a desresponsabilização dos poderes públicos em favor das soluções fáceis da responsabilização individual e da limitação de direitos, liberdades e garantias num contexto em que fracassam as opções políticas.

Terceiro porque cavalga a onda de medo e pânico que tem sido promovida à escala de massas, contribuindo para que se multipliquem as limitações ao exercício de direitos individuais ou colectivos que têm ocorrido nos últimos meses sustentadas na ideia errada de que é aí que está a solução para os problemas que enfrentamos.

Quarto porque, em matérias tão relevantes quanto a do acesso a cuidados de saúde, esta declaração do Estado de Emergência não constitui o balizamento que a Constituição exige para defesa dos direitos constitucionais numa situação de estado de excepção mas sim um roteiro para fazer o negócio privado com dinheiros públicos a pretexto da epidemia.

A comprovação de cada um destes quatro elementos é feita pela evolução da situação nacional. A começar pela saúde.

A proposta de declaração do Estado de Emergência não aponta um único verdadeiro impulso para o reforço do SNS mas faz sem pudor apologia do negócio da doença. Até a possibilidade legal – que já existia e continuará a existir – de requisição pelo Estado dos meios privados é habilidosamente reconvertida num apelo a contratos que firmem esse negócio para engrossar os lucros dos grupos económicos privados que operam nesta área.

O que devíamos estar a discutir era o reforço do SNS e da sua capacidade de resposta. Não apenas na interrupção das cadeias de contágio mas também no internamento dos doentes agudos. Não apenas na resposta aos doentes da Covid mas também aos outros doentes de outras patologias que não estão a ser diagnosticadas ou tratadas a tempo. Não apenas no investimento em hospitais, centros de saúde, equipamentos e outros meios mas também na contratação de profissionais de saúde.

Em vez disso, estamos a discutir mais uma autorização do Estado de Emergência que possa dar cobertura a restrições ao exercício de direitos.

Ao longo dos últimos meses verificaram-se situações de áreas, sectores e eventos, públicos ou privados, em que se constatou ter sido feito um esforço de organização e adaptação para que tudo decorresse com condições de segurança sanitária.

Devíamos estar a discutir precisamente o alargamento desses exemplos.

As perguntas que deviam estar a ser feitas pelos responsáveis políticos, incluindo o Presidente da República, eram as de saber, em cada área e sector, que condições de segurança sanitária é preciso criar para que a vida nacional prossiga? Que medidas é preciso tomar numa escola, num lar, nos transportes públicos, num teatro ou num cinema, num restaurante ou num café, num estádio ou num pavilhão desportivo para que toda essa actividade essencial à vida económica, social, cultural e desportiva possa prosseguir? Que medidas têm de ser tomadas para adaptar espaços para receber adequadamente alunos, espectadores ou clientes? Que medidas de reforço do número de autocarros e comboios têm de ser tomadas para reduzir o número de passageiros sem deixar ninguém sem transporte? E também saber que investimento é preciso fazer nos serviços públicos e de que apoios precisam as pequenas empresas, as colectividades, os pequenos agricultores, produtores e feirantes para desenvolverem a sua actividade nessas novas condições?

Em vez disso o Presidente da República, por solicitação do Governo, pergunta à Assembleia da República se pode declarar o Estado de Emergência…

Pode ser mais fácil e mais cómodo passar ao lado da discussão sobre as condições sanitárias necessárias para que a vida nacional prossiga. Pode fazer-se de conta de que não há proibições de eleições em escolas e universidades, fingir que não há estudantes suspensos por partilharem o lanche com colegas, encolher os ombros quando se ouve um relato de trabalhadores coagidos a trabalhar mais horas por menos salário. Pode até considerar-se que “queima menos as mãos” discutir a segurança sanitária empurrando para a responsabilidade individual com a política do Proíba-se, Limite-se e Suspenda-se.

A verdade, senhoras e senhores Deputados e sobretudo senhores membros do Governo, é que depois de cada dose de Proíba-se, Limite-se e Suspenda-se virá sempre a pergunta: então e agora, como é que vai ser, como é que se pode fazer?

É essa a discussão que importa fazer, com a tomada de medidas necessárias à protecção sanitária e é por tudo isto que deve ser rejeitada a autorização para declarar o Estado de Emergência.

Disse.

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