Projecto de Lei N.º 153/XV/1.ª

Regulação dos horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição

Exposição de Motivos

A história do debate sobre o horário de abertura do comércio e distribuição em Portugal é bem ilustrativa dos interesses que têm guiado a política de direita praticada pelos sucessivos governos do PS, PSD e CDS. É bem demonstrativo da forma de atuação desses interesses económicos e sociais, encabeçados pelos Grupos Monopolistas reconstituídos ao longo das últimas décadas. Eles capturaram o Poder Político violando a Constituição da República e asseguraram que os «seus governos» fossem legislando e regulamentando a atividade do comércio e distribuição, nomeadamente do licenciamento de novas áreas comerciais e dos horários de abertura, à medida das suas necessidades de expansão e acumulação capitalistas, com total subestimação dos interesses e direitos dos trabalhadores e do comércio tradicional e de proximidade.

O PCP, não negando a complexidade da questão pelas suas múltiplas dimensões e interesses contraditórios, no plano económico, social e até cultural, coloca como pontos de partida três princípios:

  1. O direito ao descanso semanal de todos os trabalhadores. O dia de descanso semanal está consagrado na Lei e, em princípio todos os membros da mesma família devem poder fazê-lo em conjunto. Só o descanso semanal garante o direito de trabalhadores e pequenos empresários do comércio à conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.
  2. A regulação do horário de abertura dos estabelecimentos comerciais é uma regulação do mercado de bens de consumo. A regulação inadequada, ou a sua total liberalização significou e significa permitir que prevaleçam os interesses dos grandes grupos e cadeias de distribuição, violando, de facto, a dita “livre concorrência”, pela impossibilidade de as micro e pequenas empresas comerciais acederem ao mercado em condições de efetiva igualdade.
  3. O ordenamento do comércio exige a regulação dos horários como um elemento fundamental. Se por um lado é necessário que os horários comerciais tenham em conta, de forma adequada, as necessidades das populações, por outro, devem possibilitar o equilíbrio entre as unidades das grandes empresas de distribuição e o conjunto das micro e pequenas empresas que configuram o comércio de proximidade. Esse equilíbrio entre os diferentes formatos de comércio é necessário para travar a desertificação dos centros urbanos e de outros territórios e uma alteração significativa, qualitativa e quantitativa, do emprego no comércio.

As consequências do processo de total liberalização provocadas pela sucessiva legislação produzida ao longo de décadas de política de direita, que culminou na publicação do Decreto-Lei n.º 111/2010, de 15 de outubro e posteriormente no Decreto-Lei n.º 10/2015 de 16 de janeiro, tornam ainda mais necessária uma regulação dos horários do comércio. Este último diploma veio impor alterações “de regime” para o acesso e exercício de atividade, com impactos profundos nas áreas do comércio e serviços– ou seja, para uma grande maioria das empresas do tecido económico português, e para a vida dos trabalhadores destes sectores.

Todavia, e como o PCP oportunamente alertou, este diploma promove o favorecimento dos grupos económicos mais poderosos, em detrimento das micro, pequenas e médias empresas, liberalizando e violando regras de uma leal concorrência, deixando à “lei do mais forte” aspetos cruciais da atividade económica. O resultado dessas opções políticas está à vista, com uma prática que corresponde às velhas reivindicações dos grupos da Grande Distribuição.

A necessidade de uma regulação diferente e equilibrada do horário de abertura das unidades de comércio, continua a ser hoje, incontornável. Não para «fechar tudo», como falsificam os adversários da regulação, mas para fazer do encerramento ao domingo a regra, com todas as exceções necessárias à vida da sociedade hoje. Ao mesmo tempo, há que ter em conta situações de «facto consumado» pelas políticas comerciais nos últimos anos, como aconteceu com a instalação de milhares de pequenas empresas nos centros comerciais sujeitas a imposições de condições draconianas e «rendas» altíssimas pelos promotores dos mesmos - situação que a epidemia de COVID-19 revelou de forma ainda mais evidente.

Por outro lado, a questão da regulação dos horários de funcionamento destas atividades integra-se de forma indissociável na discussão sobre as políticas para a adequação da organização do tempo de trabalho ao exercício de responsabilidades parentais. Com efeito, o aumento e a desregulação dos horários de trabalho dificultam ou impossibilitam mesmo a conciliação entre vida familiar e profissional e são, conjuntamente com os baixos salários e os custos com a habitação, desmotivadoras da decisão de ter filhos.

Neste sentido, e na continuidade do vasto património de intervenção do PCP e da luta dos trabalhadores e pequenos comerciantes, o PCP reapresenta novamente a sua proposta de uma nova «Regulação dos horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição».

O Grupo Parlamentar do PCP considera que é necessário e possível responder, com equilíbrio e flexibilidade, aos seguintes objetivos:

  • Estabelecer uma regra genérica de abertura e encerramento dos estabelecimentos, independente do formato comercial;
  • Fixar a obrigatoriedade de os regulamentos estabelecerem regras comuns para os vários formatos e tipos de comércio, independentemente da sua localização ou integração;
  • Introduzir a diferenciação de horários em função das condições concretas – zonas balneares, festas tradicionais, culturais, entre outras ‒ que permita responder às características e condicionamentos locais específicos;
  • Prever expressamente regras diferenciadas para o comércio e serviços instalados no interior de centros (estações e terminais) de transportes, aeroportos, postos de abastecimento de combustíveis, hotéis e similares;
  • Equilibrar a concorrência entre o comércio independente de rua, de micro e pequenas empresas, com o instalado nos chamados centros comerciais, procurando atender-se à situação de inúmeras pequenas lojas sob as quais pesam as imposições e exigências dos promotores dos conjuntos comerciais.

Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 156.º da Constituição da República e do Artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei regula os horários de funcionamento das unidades de comércio e distribuição.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

  1. Sem prejuízo de regimes especiais em vigor para atividades não especificadas na presente lei, os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços podem estar abertos num período de tempo semanal com o limite mínimo de 40 horas semanais e com o limite máximo de 72 horas semanais.
  2. Os cafés, cervejarias, casas de chá, restaurantes, snack-bars e self-services podem estar abertos até às 2 horas de todos os dias da semana.
  3. As lojas de conveniência podem estar abertas até às 2 horas de todos os dias da semana.
  4. Os estabelecimentos de diversão noturna e estabelecimentos análogos podem estar abertos até às 4 horas de todos os dias da semana.
  5. Os estabelecimentos de venda ao público situados em estações e terminais rodoviários, ferroviários, aéreos ou marítimos, bem como em postos abastecedores de combustível de funcionamento permanente podem estar abertos durante as 24 horas, nos sete dias da semana.
  6. Os estabelecimentos situados em centros comerciais observam os períodos de abertura acima referidos, em função da categoria a que pertencem, com respeito pela norma transitória estabelecida pelo artigo 10.º.

Artigo 3.º

Duração do período de trabalho

A duração semanal e diária do trabalho estabelecida na lei, em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou no contrato individual de trabalho é observada, sem prejuízo do período de abertura dos estabelecimentos.

Artigo 4.º

Competência para fixação dos horários de abertura

  1. A fixação dos períodos de abertura ao público dos estabelecimentos de venda e de prestação de serviços é da competência dos municípios com exceção das unidades sujeitas a obrigatoriedade de autorização de licenciamento em que cabe às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, adiante designadas por CCDR.
  2. Os estabelecimentos e conjuntos comerciais sujeitos a obrigatoriedade de autorização de licenciamento pelas CCDR são:
    1. Estabelecimentos de comércio a retalho, isoladamente considerados ou inseridos em conjuntos comerciais, que tenham uma área de venda igual ou superior a 2000 m2;
    2. Estabelecimentos de comércio a retalho, isoladamente considerados ou inseridos em conjuntos comerciais, independentemente da respetiva área de venda, que pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias ou estejam integrados num grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 30 000 m2;
    3. Conjuntos comerciais que tenham uma área bruta locável igual ou superior a 8000 m2;
    4. Estabelecimentos e conjuntos comerciais referidos nas alíneas anteriores e que se encontrem desativados há mais de 12 meses, caso os respetivos titulares pretendam reiniciar o seu funcionamento.
  3. Devem os municípios ou as CCDR ouvir os sindicatos, associações patronais e associações de consumidores no processo de fixação dos períodos de abertura.
  4. As CCDR nos casos em que lhe cabe proceder à fixação dos horários, devem ainda ouvir os municípios onde se localizam as unidades comerciais referidas no nº 1.
  5. Devem os municípios e as CCDR, ouvidos os sindicatos, as associações patronais e as associações de consumidores, estabelecer o período de abertura dos estabelecimentos de venda ao público e prestação de serviços.
  6. A fixação dos períodos de abertura referida no número anterior pode ter por objeto apenas parte dos estabelecimentos da área do município ou da CCDR, sempre que, nessa matéria, se justifique estabelecer diferenciação positiva, como poderá ocorrer, designadamente em praias, feiras, zonas de vilegiatura e zonas turísticas.

Artigo 5.º

Dias de encerramento

Os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços encerram em regra aos domingos e feriados

Artigo 6.º

Revisão dos regulamentos

No prazo máximo de 180 dias, contados da data de entrada em vigor da presente lei, devem os municípios ou as CCDR proceder à revisão dos respetivos regulamentos sobre os horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, de acordo com os critérios definidos.

Artigo 7.º

Violação dos horários de abertura

  1. O horário de abertura de cada estabelecimento deve ser afixado em lugar bem visível do exterior.
  2. O funcionamento fora do horário estabelecido, se verificado repetidamente, pode fundar, sem prejuízo da coima aplicável, a aplicação da sanção acessória de encerramento por período não inferior a um mês e não superior a um ano, a graduar em função dos critérios gerais, face ao grau de ilicitude e de culpabilidade da pessoa, singular ou coletiva, titular do estabelecimento.
  3. A aplicação das coimas e sanção acessória referidas nos números anteriores compete ao presidente da câmara municipal da área em que se situar o estabelecimento, revertendo para o município as receitas correspondentes.

Artigo 8.º

Loja de conveniência

O conceito de loja de conveniência, referido nos artigos anteriores, é o definido por portaria do Ministro da Economia.

Artigo 9.º

Regulamentação

No prazo de 120 dias o Governo regulamenta a presente lei.

Artigo 10.º

Norma Transitória

  1. Enquanto não for estabelecida a regulamentação prevista no artigo anterior, as lojas dos centros comerciais de reduzida dimensão, com uma superfície útil de exposição e venda ao público inferior a 300 metros quadrados, excluindo os pertencentes a empresas ou grupos de distribuição que não sejam micro ou pequenas empresas, de acordo com as normas nacionais e comunitárias em vigor, ou que operem sob o mesmo nome ou insígnia dos ditos grupos ou empresas, podem continuar a praticar os horários atuais.
  2. Após a publicação da referida regulamentação, as referidas lojas ficam obrigadas ao horário geral, após um período de transição não superior a 12 meses, com exceção das lojas que apenas recorrem a trabalho predominantemente familiar.

Artigo 11.º

Norma revogatória

São revogados, sem prejuízo do estabelecido no artigo anterior, os seguintes diplomas:

  1. O Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 126/96, de 10 de agosto, n.º 216/96, de 20 de novembro e n.º 111/2010, de 15 de outubro;
  2. O Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, que "aprova o regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração".

Artigo 11.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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