Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Regula os requisitos de tratamento de dados pessoais para constituição de ficheiros de âmbito nacional, contendo dados de saúde, com recurso a tecnologias de informação e no quadro do Serviço Nacional de Saúde

(proposta de lei n.º 23/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A presente proposta de lei suscita-nos dúvidas de duas ordens de razões.
A primeira dúvida é em relação ao uso de mecanismos que têm a ver com a invasão da vida privada das pessoas, sobre os quais deve haver a máxima cautela e uma utilização muito parcimoniosa, porque o uso destes mecanismos, ainda por cima numa área especialmente delicada como é a da saúde, tem exigências que impõem que a sua utilização seja feita quando não há outro mecanismo para atingir um determinado fim e quando esse fim justifica a utilização destes meios.
Ora, aquilo que o Governo apresenta nesta proposta de lei tem alguma gravidade, porque se trata de um enorme risco. Trata-se de constituir bases nacionais com informação de saúde, que tanto quanto parece serão permanentes — facto que é assinalado no último parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que não é exactamente aquilo que o Sr. Secretário de Estado da Saúde disse em relação à proposta de lei. Isso leva a que possa ser constituída uma base com toda esta informação, que, em determinadas circunstâncias, poderá ser apropriada na sua informação por entidades externas, que a usarão de forma muito perversa e
perniciosa.
Basta pensarmos em seguradoras, em entidades empregadoras, e tudo o mais.
Quando legislamos sobre bases de dados desta gravidade, temos que o fazer não em função do que se deseja seja o funcionamento normal, em que evidentemente se supõe que nenhuma entidade externa vai ter acesso a estes dados, mas pensando que as coisas podem correr mal.
Em matéria de protecção de dados, o princípio tem que ser de precaução acrescida e tem que se olhar para as situações em concreto presumindo que podem correr mal, porque isso é que garante a protecção das pessoas. E a existência de uma base de dados nacional com informação de saúde é um risco muito grande para a privacidade dos cidadãos portugueses numa matéria tão delicada como esta.
Há, depois, todos os outros riscos, que são evidenciados em vários pareceres, como os riscos para a saúde pública, o temor que algumas pessoas poderão ter de declarar as situações de saúde e o facto de se poderem afastar dos serviços públicos para evitarem serem «fichadas» numa lista deste tipo. Há ainda questões relativas a quem tem acesso a estes registos.
Mas é preciso dizer que a nossa discordância também vai noutro sentido: é que os fins para que o Governo quer estas bases de dados não são positivos. Evidencia-se pela proposta de lei que a intenção é a de «preparar o terreno» para encontrar formas eficazes de cobrar mais dinheiro aos utentes do SNS. E, se não estamos de acordo com esta proposta porque é arriscada, muito menos estamos de acordo com ela tendo em conta os fins que visa prosseguir e que estão mal disfarçados no texto da proposta de lei que nos é apresentada.

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