Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Regime legal da prescrição de medicamentos

Altera o regime legal da prescrição de medicamentos, no sentido de generalizar a prescrição por Denominação Comum Internacional (DCI), nos termos do artigo 21.º do Compromisso com a Saúde
Estabelece mecanismos de redução do desperdício em medicamentos, através da dispensa, no ambulatório, de medicamentos em dose unitária
(projecto de lei n.º 432/XI/2.ª e projecto de resolução n.º 281/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
O Sr. Deputado Rui Prudêncio referiu-se, em vários pontos da sua intervenção, a um decreto-lei recentemente publicado, do Ministério da Saúde, mencionando diversos mecanismos que aí estão previstos para, no futuro, no futuro, um dia, um dia, serem postas em prática algumas destas questões que hoje estão em debate com os projectos do CDS.
Gostava de perguntar ao Sr. Deputado Rui Prudêncio se não viu nesse decreto-lei um conjunto de outras questões — que não é para aplicar no futuro, mas, sim, para já — que tem a ver com o corte nas comparticipações dos medicamentos. Designadamente: se não viu lá que os medicamentos para os idosos com reformas inferiores ao salário mínimo, que até aqui tinham um apoio de 100%, passam agora a ter um apoio de apenas 95%, ficando 5 milhões de euros (contas da Sr.ª Ministra da Saúde) a serem pagos pelo bolso destes utentes, em particular; se não viu lá que baixar o escalão A de comparticipação de 95 para 90% significa transferir para os utentes cerca de 13 milhões de euros/ano; se não viu lá que alterar os medicamentos antiulcerosos e antiácidos e os anti-inflamatórios do escalão B para o escalão C significa
passar para os utentes mais de 100 milhões de euros/ano nestes dois conjuntos de medicamentos que são dos mais vendidos; se não viu lá, por exemplo, que o facto de se proibir o recurso a uma portaria que ainda estava em vigor, que permitia que as pessoas em tratamento de doenças mentais, que tinham acesso ao escalão C em determinadas condições e podiam, por isso, ter os seus anti-depressivos (que não são só para as depressões, são para muitas outras doenças) comparticipados pelo escalão B, vai fazer com que dezenas de milhares de pessoas passem a ter uma extrema dificuldade em aceder a estes medicamentos, com consequências para as suas vidas, em particular, e para a produtividade do País, com mais custos para o Serviço Nacional de Saúde e um conjunto de outras complicações; se o Sr. Deputado não
viu lá que, mais uma vez, vai ser alterado o sistema de preço de referência, baixando ainda mais a referência e fazendo com que o utente pague cada vez mais.
Sr. Deputado, nós já sabemos que, em matéria de medidas que afrontem os interesses da indústria farmacêutica, dos sectores económicos que intervêm nesta área, o Governo tem sempre muito para estudar e muito tempo até que tudo possa ser posto em prática, mas quando se trata de medidas para cortar nas comparticipações, para ir ao bolso dos utentes, é para aplicar no imediato, é para aplicar já, porque é preciso dinheiro para satisfazer a «gula» dos que negoceiam nesta área da saúde.
Isto, sim, é que o Sr. Deputado devia ver nesse decreto-lei que esteve a referir, em vez de falar só nas declarações pias que lá estão e que não chegarão a ver a luz do dia, tal como não chegaram até agora, neste Governo do Partido Socialista!
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Hoje, debatemos aqui projectos do CDS em matéria de prescrição por princípio activo e de dispensa de medicamentos por unidose, matérias que têm sido recorrentemente debatidas nesta Assembleia, e até, em primeiro lugar, pela mão do PCP, já há mais de 10 anos, altura em que — não vou fazer nenhuma citação — o CDS achava que isto não eram boas ideias e que era um caminho perigoso nessa matéria.
Não sei se o Sr. Deputado Paulo Portas quer que eu diga quem foi, mas não vou prosseguir nesse caminho…
As propostas que hoje estão em cima da mesa são positivas e vão num sentido que consideramos correcto, porque compatibilizam uma política de racionalização na prescrição,
que é eficaz, de qualidade, que, aliás, devia ter a atenção do próprio INFARMED.
É preciso que não seja só a indústria farmacêutica a dar formação e informação aos prescritores de medicamentos, tem de haver uma entidade pública independente que dê essa formação e essa informação sem estar presa aos critérios de obtenção de lucro que, naturalmente, orientam cada uma das empresas que faz divulgação, marketing, formação, congressos e por aí fora, sobre os novos medicamentos que vai lançando no mercado.
Portanto, estas propostas vão num sentido positivo, porque permitem, de facto, conter gastos com medicamentos, sem que isso recaia sobre o utente. E aí é que está o ponto fulcral, porque tudo o que tem sido feito nos últimos anos tem sido alguma poupança nos gastos com medicamentos — o que não quer dizer que eles não tenham aumentado —, mas sempre à custa do utente, sempre à custa da população. E isso está bem visível nos dados que o INFARMED, embora com bastante atraso, vai disponibilizando.
Quero agora referir-me a uma questão aqui suscitada pelo Sr. Deputado Rui Prudêncio: a de haver uma baixa de 6% no preço, já não de todos os medicamentos mas apenas dos medicamentos comparticipados. O problema é que isto não compensa as quebras nas comparticipações!
E não compensa porque o volume e o peso da quebra destas comparticipações são muito maiores do que a baixa do preço dos medicamentos!
E não compensa porque todos os que intervêm nesta área sabem bem como a indústria farmacêutica contorna estas baixas de preços administrativas dos medicamentos. É muito simples: introduz no mercado novos medicamentos em tudo semelhantes aos mais antigos, cujo preço foi «atirado para baixo» pela medida administrativa, e condiciona a prescrição para os novos medicamentos que entretanto têm um preço muito superior — e é aí que vai buscar a compensação pelas sucessivas baixas que o Governo do PS tem feito.
Quando não, teríamos menos despesa com medicamentos nesta altura. De facto, se os utentes pagam mais e o Estado paga menos nas comparticipações, e se já houve várias baixas de preço dos medicamentos, teríamos de estar a gastar menos dinheiro no Serviço Nacional de Saúde com os medicamentos. E não estamos porque essas baixas de preço dos medicamentos são contornadas pela política comercial agressiva da indústria farmacêutica.
Depois, o Sr. Deputado Rui Prudêncio disse que isso não constituía problema porque há medicamentos alternativos mais baratos. Não é verdade! É porque, quando os antidepressores deixam de poder ser comparticipados pelo escalão B e têm de o ser sempre pelo escalão C,
são todos eles, não há mais baratos — estão todos ali naquela classe. Independentemente de entre eles haver preços diferentes, a comparticipação baixa para todos: para os que são mais caros e para os que são mais baratos.
E aí é que está o problema.
Quanto aos apoios aos idosos com reformas abaixo do salário mínimo, o facto de receberem 100% de comparticipação, isto é, de não pagarem esses medicamentos genéricos, e de, agora, passarem a pagar, significa dezenas de euros para alguns deles, porque, pela lei da vida, estão mais sujeitos a doenças e tomam mais medicamentos. E não há qualquer opção para contornar esse problema — o Sr. Deputado sabe-o bem!
Assinalo também que o CDS introduziu no seu projecto de resolução a questão do redimensionamento das embalagens. É porque é verdade — e penso que o CDS também reconhece isso — que algumas complexidades não serão certamente inultrapassáveis com a questão da unidose e que, até para chegar lá mais facilmente, haver um redimensionamento das embalagens, como já esteve previsto e foi alterado no INFARMED com a entrada, aliás, do governo do PSD e do CDS, é uma forma mais rápida e mais eficaz de chegar a menos gastos
com medicamentos, a menos desperdício e a maior protecção da saúde pública.
Uma outra matéria que também é muito importante — e o CDS refere isso — é a questão do preço de referência, é a questão de o utente não ser penalizado pelo facto de haver um preço de referência e de o médico receitar um medicamento de marca sem que o utente possa fazer o que quer que seja. Esta questão também foi introduzida pelo governo do PSD e do CDS…!
E quando o PCP, sucessivamente, apresentou nesta Assembleia uma medida que consistia na imposição de uma cláusula de salvaguarda, segundo a qual, sempre que o utente não tivesse hipótese de escolher um medicamento genérico, o utente não devia ser penalizado na comparticipação ou, dizendo de outro modo, sempre que o médico proibisse a utilização do genérico e impusesse a marca, o utente não devia pagar a diferença da comparticipação, o CDS e o PSD votaram contra. Agora, o CDS propõe que seja como o PCP sempre defendeu, mas na altura, quando estavam no governo e quando tinham maioria, inviabilizaram-no.
Ainda bem que agora o propõem — as evoluções em sentido positivo são sempre bem-vindas…! Assim o CDS tivesse mais evoluções em sentido positivo!

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