Projecto de Lei N.º 336/XI/1.ª

Regime jurídico das associações de municípios de direito público

Estabelece o regime jurídico das associações de municípios de direito público
(Revoga a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto)

Exposição de Motivos

A Constituição da República Portuguesa autoriza expressamente os municípios a «constituir associações e federações para administração de interesses comuns» e permite também que a lei lhes confira «atribuições e competências próprias».

Não se descortina que possa a lei estabelecer limites geográficos ou outros (que não sejam os inerentes à própria natureza e atribuições dos municípios) à vontade livre de se associarem ou não os titulares deste direito.

Não se descortina também que possa a lei conferir a associações atribuições e competências que sejam dos municípios e, particularmente, que confira a uma associação atribuições, competências e poderes de municípios que a não integrem.

Não se descortina, por fim, que possa a lei denegar natureza pública a associações de entes públicos que visem prosseguir fins públicos através da aplicação de recursos públicos só porque se não conformam com um modelo qualquer territorial.

Mas assim pareceu não entender o Governo e a maioria parlamentar que o suportava com a legislação aprovada sobre as Comissões Intermunicipais (CIMS), na linha, aliás, do que ensaiou com manifesto insucesso o PSD, expresso nas Comunidades Urbanas, e, por isso mesmo, nos forçam a recolocar a problemática do associativismo municipal no plano em que operou durante cerca de duas décadas com assinalável êxito.

O presente Projecto de Lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP retoma o essencial do regime do associativismo municipal seguido até ao início vigência das Leis n.º s 10 e 11/2003, de 13 de Maio, (entretanto revogadas e em nada melhoradas pelas Leis n.º s 45 e 46/2008, de 27 de Agosto), e introduz-lhe as actualizações e correcções que a experiência e as transformações entretanto ocorridas recomendam.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Conceito e natureza

A associação de municípios, adiante designada por associação, é uma pessoa colectiva de direito público, criada por dois ou mais municípios, para realização de interesses comuns.

Artigo 2.º
Objecto

1. A associação pode ter finalidades dos seguintes tipos:

a) a realização de atribuições conferidas por lei aos municípios;
b) a realização de quaisquer interesses compreendidos nas atribuições dos municípios.

2. Excluem-se das finalidades referidas no número anterior todas as atribuições ou interesses que, pela sua natureza ou por disposição da lei, devam ser exclusiva e directamente prosseguidos por cada município.

3. Nos termos do artigo 253.º da Constituição da República, a lei pode conferir às associações e aos seus órgãos atribuições e competências próprias.

Artigo 3.º
Constituição

1. A associação constitui-se por escritura pública nos termos do n.º 1 do artigo 158.º do Código Civil.

2. Cabe às câmaras dos municípios interessados promover as diligências necessárias à constituição da associação, sem prejuízo das competências próprias das assembleias municipais.

3. A constituição da associação é comunicada, pelo município em cuja área a associação esteja sediada, ao ministério da tutela.

Capítulo II
Estatutos, tutela, órgãos e competências

Artigo 4.º
Estatutos

1. Os estatutos da associação são elaborados pelas câmaras dos municípios interessados e aprovados pelas assembleias municipais respectivas.

2. Os estatutos de cada associação estabelecem:

a) A denominação, sede e composição;
b) Os fins da associação;
c) Os bens, serviços e demais contributos com que os municípios concorrem para a prossecução das suas atribuições;
d) A sua organização interna e respectiva forma de funcionamento;
e) As competências dos órgãos;
f) A duração, quando a associação não se constitua por tempo indeterminado.

3. Os estatutos devem especificar ainda os direitos e obrigações dos municípios associados, as condições da sua saída e exclusão e da admissão de novos municípios, bem como os termos da extinção da associação e consequente divisão do seu património.

4. Os estatutos podem ser modificados por acordo dos municípios associados, de harmonia com o regime estabelecido na presente lei para a respectiva aprovação.

5. Compete à assembleia intermunicipal, por sua iniciativa ou sob proposta do conselho de administração, aprovar alterações aos estatutos em que hajam acordado os órgãos dos municípios associados.

Artigo 5.º
Tutela

A associação está sujeita à tutela legalmente prevista para os municípios.

Artigo 6.º
Regime subsidiário

Em tudo o que não se encontre previsto nos estatutos e na lei, a associação regula-se pelo regime jurídico aplicável aos órgãos dos municípios.

Artigo 7.º
Órgãos da associação

São órgãos da associação:

a) A assembleia intermunicipal;
b) O conselho de administração.

Artigo 8.º

Competência dos órgãos

1. Para a prossecução dos fins da associação os órgãos exercem as competências que lhes forem conferidas pela lei e pelos estatutos.

2. Os poderes municipais referentes à organização e gestão dos serviços incluídos no objecto da associação consideram-se delegados, salvo disposição legal ou estatutária em contrário, nos órgãos da associação.

3. As deliberações dos órgãos da associação estão sujeitas às regras de publicitação das deliberações dos órgãos municipais.

Artigo 9.º
Assembleia intermunicipal

1. A assembleia intermunicipal é o órgão deliberativo da associação.

2. Integram a assembleia intermunicipal:

a) Os presidentes de cada uma das câmaras dos municípios associados, pessoalmente ou através de vereador em quem deleguem;
b) Mais um ou dois vereadores em representação de cada município, designados pelas câmaras municipais, consoante a associação tenha mais ou menos de 10 associados.

3. O mandato dos membros da assembleia intermunicipal coincide com os que legalmente estiverem fixados para os órgãos das autarquias locais.

4. A perda, a cessação, a renúncia ou a suspensão de mandato no órgão municipal determina o mesmo efeito na assembleia intermunicipal

Artigo 10.º
Funcionamento da assembleia intermunicipal

1. Os trabalhos da assembleia intermunicipal são dirigidos por uma mesa, constituída pelo presidente, por um vice-presidente e um secretário, a eleger de entre os seus membros.

2. A assembleia intermunicipal reúne, nos termos definidos nos estatutos da associação, em plenário ou em secções.

Artigo 11.º
Competências da assembleia intermunicipal

Compete à assembleia intermunicipal:

a) Eleger a mesa;
b) Exercer as competências estabelecidas pelos estatutos da associação;
c) Aprovar as opções, o plano plurianual de investimentos e o orçamento elaborados pelo conselho de administração;
d) Aprovar o relatório de actividades e apreciar o balanço e conta de gerência elaborados pelo conselho de administração;
e) Deliberar sobre a forma de imputação dos encargos aos municípios associados;
f) Deliberar sobre a forma de imputação das despesas com pessoal aos municípios associados;
g) Deliberar sobre o estatuto e remuneração do administrador-delegado, sob proposta do conselho de administração;
h) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei, com carácter excepcional e objecto específico, no âmbito das finalidades definidas nos respectivos estatutos.

Artigo 12.º
Presidente da assembleia intermunicipal

Compete ao presidente da assembleia intermunicipal:

a) Convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias;
b) Dirigir os trabalhos da assembleia;
c) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos ou pela assembleia.

Artigo 13.º
Conselho de administração

1. O conselho de administração é o órgão executivo da associação.

2. O conselho de administração é eleito pela assembleia intermunicipal de entre os seus membros.

3. Compõem o conselho de administração um presidente e dois ou quatro vogais, consoante a associação seja constituída por cinco ou menos municípios ou por mais de cinco municípios.

4. O exercício das funções de presidente da mesa da assembleia intermunicipal é incompatível com o desempenho do cargo de presidente do conselho de administração.

5. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a duração do mandato dos membros do conselho de administração é de um ano, automaticamente renovável por iguais períodos, se na primeira reunião da assembleia intermunicipal após o seu termo, não se deliberar proceder a nova eleição.

6. A assembleia intermunicipal deve proceder, na primeira reunião que se realize após a verificação de qualquer vaga no conselho de administração, à eleição de novo membro, cujo mandato terá a duração do período em falta até ao termo do mandato do anterior titular, aplicando-se à sua renovação o disposto no número anterior.

7. Sempre que se verifiquem eleições para os órgãos representativos de, pelo menos, metade dos municípios associados cessam os mandatos do conselho de administração, devendo a assembleia intermunicipal proceder a nova eleição na primeira reunião que se realize após aquele acto eleitoral.

Artigo 14.º
Competências do conselho de administração

Compete ao conselho de administração:

a) Assegurar a execução das deliberações da assembleia intermunicipal;
b) Nomear, por livre escolha, e exonerar um administrador-delegado para a gestão corrente dos assuntos da associação, devendo ficar expressamente determinados na deliberação que o nomeie os poderes que lhe são conferidos;
c) Propor à assembleia intermunicipal o estatuto e remuneração do administrador-delegado, de acordo com as funções exercidas, tendo como limite a remuneração de director municipal;
d) Elaborar a proposta de opções e plano plurianual de investimentos e de orçamento e submetê-los à assembleia;
e) Elaborar o relatório de actividades, balanço e conta de gerência e submetê-los à assembleia;
f) Enviar as contas da associação ao Tribunal de Contas;
g) Aprovar lista nominativa dos funcionários, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 30.º;
h) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos ou pela assembleia.

Artigo 15.º
Presidente do conselho de administração

Compete ao presidente do conselho de administração:

a) Convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias;
b) Dirigir os trabalhos das reuniões do conselho;
c) Executar as deliberações do conselho e exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos pelos estatutos ou pelo conselho.

Artigo 16.º
Administrador-delegado

1. Compete ao administrador-delegado:

a) Proceder à gestão corrente dos assuntos da associação;
b) Apresentar ao conselho de administração, nos meses de Junho e Dezembro, um relatório sobre os assuntos a seu cargo;
c) Praticar, no âmbito das suas funções, os actos previstos nos estatutos ou que lhe tenham sido delegados pelo conselho de administração ou pelo seu presidente.

2. O exercício das funções de administrador-delegado é incompatível com o exercício de qualquer cargo político em regime de permanência.

3. As funções de administrador-delegado cessam a qualquer momento por deliberação do conselho de administração.

Artigo 17.º
Assessoria técnica

A associação pode recorrer à assessoria técnica dos gabinetes de apoio às autarquias locais que existam na sua área de jurisdição e dispor de serviços de apoio a definir por deliberação da assembleia intermunicipal.

Capítulo III
Plano de actividades e Orçamento

Artigo 18.º
Plano de actividades e orçamento
1. As propostas de opções, plano plurianual de investimentos e orçamento, são elaboradas pelo conselho de administração e submetidas a aprovação da assembleia intermunicipal no decurso do mês de Novembro.

2. Os instrumentos previsionais são remetidos pelo conselho de administração às assembleias dos municípios associados, para seu conhecimento, no prazo de um mês após a sua aprovação.

3. Do orçamento constam todas as receitas da associação e as respectivas despesas, qualquer que seja a sua natureza ou montante.

Artigo 19.º
Regime de contabilidade

As associações adoptam o regime de contabilidade estabelecido para os municípios, que respeita o previsto no Plano Oficial de Contabilidade de Autarquias Locais (POCAL).

Capítulo IV
Património e finanças

Artigo 20.º
Património

O património da associação é constituído pelos bens e direitos para ela transferidos no acto da constituição ou posteriormente adquiridos a qualquer título.

Artigo 21.º
Receitas e despesas

1. Constituem receitas da associação:

a) O produto das contribuições dos municípios que a integram;
b) As transferências dos municípios, no caso de competências delegadas por estes;
c) As taxas de utilização de bens e decorrentes da prestação de serviços;
d) O rendimento de bens próprios e o produto da sua alienação ou da constituição de direitos sobre eles;
e) As dotações, subsídios ou comparticipações provenientes da administração central no âmbito ou ao abrigo da Lei das Finanças Locais ou outras das quais venham a beneficiar;
f) Quaisquer acréscimos patrimoniais, fixos ou periódicos, que, a título gratuito ou oneroso, lhes sejam atribuídos por lei, contrato ou acto jurídico;
g) O produto de empréstimos;
h) Quaisquer outras receitas permitidas por lei.

2. As contribuições previstas na alínea a) do número anterior devem ser efectuadas nos prazos determinados pela assembleia intermunicipal, não havendo lugar à sua reversão, mesmo nos casos em que o município não utilize os serviços prestados pela associação.

3. Constituem despesas da associação os encargos decorrentes da prossecução das suas atribuições.

Artigo 22.º
Empréstimos

1. A associação pode contrair empréstimos junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito e celebrar contratos de locação financeira, em termos idênticos aos dos municípios.

2. Os estatutos definem, nos limites da lei, os termos da contratação de empréstimos e as respectivas garantias, que podem ser constituídas pelo património da associação ou por uma parcela das contribuições dos municípios.

3. A celebração dos contratos referidos no n.º 1 releva para efeitos dos limites à capacidade de endividamento dos municípios associados na parte que exceda o activo patrimonial da associação, de acordo com o critério legalmente definido para estes.

4. Para efeitos do disposto no número anterior, compete à assembleia intermunicipal deliberar sobre a forma de imputação dos encargos aos municípios associados, a qual carece do acordo expresso das assembleias municipais respectivas.
5. A associação não pode contrair empréstimos a favor de qualquer dos municípios associados.

Artigo 23.º
Cooperação financeira

1. A associação pode beneficiar dos sistemas e programas específicos de apoio aos municípios, legalmente previstos, nomeadamente no quadro da cooperação financeira entre o Estado e as autarquias locais.

2. A associação pode estabelecer acordos, contratos-programa e protocolos com outras entidades, tendo por objecto a prossecução das suas atribuições e desde que não contrarie os respectivos estatutos.

Artigo 24.º
Isenções fiscais

A associação beneficia das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.

Artigo 25.º
Relatório de actividades, balanço e conta de gerência

O relatório de actividades, balanço e conta de gerência são elaborados pelo conselho de administração e submetidos a aprovação da assembleia intermunicipal no decurso do mês de Março, devendo esta deliberar sobre eles no prazo de 30 dias a contar da sua recepção.

Artigo 26.º
Apreciação das contas

1. Compete ao Tribunal de Contas apreciar e julgar as contas da associação.

2. Para os efeitos do disposto no número anterior, o conselho de administração deve enviar as contas respeitantes ao ano anterior nos prazos estabelecidos para as autarquias locais.

Capítulo V
Pessoal

Artigo 27.º
Mapa de Pessoal

1. A associação dispõe de mapa de pessoal próprio.
2. A associação pode recorrer, nos termos da lei, ao pessoal dos municípios associados, sem que daí resulte a abertura de vagas no quadro de origem.

3. A associação pode promover a contratação individual de pessoal técnico e de gestão.

Artigo 28.º
Encargos com o pessoal

1. As despesas com o pessoal relevam para efeitos do limite estabelecido na lei para as despesas com o pessoal do quadro dos municípios associados.

2. Para os efeitos do disposto no número anterior, compete à assembleia intermunicipal deliberar sobre a forma de imputação das despesas aos municípios associados, a qual carece de acordo das assembleias municipais dos municípios em causa.

Capítulo VI
Disposições finais e transitórias

Artigo 29.º
Recurso contencioso

As deliberações dos órgãos da associação e as decisões dos seus membros são contenciosamente impugnáveis nos mesmos termos das deliberações dos órgãos municipais.

Artigo 30º
Extinção da associação

1. A extinção da associação é comunicada, pelo município em cuja área esteve sediada, ao ministério da tutela.

2. A associação extingue-se pelo decurso do prazo, quando constituída temporariamente, ou por deliberação das assembleias municipais dos municípios associados, observando-se o número mínimo de municípios exigido no artigo 1.º para a sua manutenção.

3. Se os estatutos não dispuserem de forma diferente e sem prejuízo dos direitos de terceiros, o património existente é repartido entre os municípios na proporção da respectiva contribuição para as despesas da associação.

4. A distribuição do pessoal pelos municípios deve ter em conta os interesses das partes, sem prejuízo de se assegurar, em todos os casos, a conveniência da Administração.
5- Para efeitos do disposto no número anterior, os trabalhadores devem indicar, por ordem decrescente, os municípios em que preferem ser integrados, procedendo-se à respectiva ordenação em cada carreira ou categoria de acordo com a antiguidade na categoria, na carreira e na administração pública.

6. Na falta de acordo, nos termos dos números anteriores, e sem prejuízo do necessário acordo dos municípios associados, o pessoal é repartido entre os municípios, na proporção da sua contribuição total e geral para as despesas da associação, através de lista nominativa aprovada pelo conselho de administração.

Artigo 31.º
Norma transitória

As associações existentes à data da entrada em vigor da presente lei devem adaptar os seus estatutos às suas disposições, no prazo de seis meses a contar da data da sua publicação.

Artigo 32.º
Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto.

Assembleia da República, em 24 de Junho de 2010

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