Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

Regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei nº 111/2010, de 15 de Outubro, sobre o regime dos horários de funcionamento
dos estabelecimentos comerciais
(apreciação parlamentar nº 73/XI/2ª)

Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 111/2010, de 15 de Outubro, que modifica o regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, procedendo à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, e revogando a Portaria n.º 153/96, de 15 de Maio
(apreciação parlamentar n.º 73/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Com total falta de lealdade institucional e de transparência, o Governo aprovou a liberalização dos horários do comércio após o encerramento da 1.ª Sessão Legislativa, mesmo conhecendo o debate realizado nesta Casa.
O Governo havia travado, na anterior Legislatura, um projecto do PSD de sentido idêntico, com o supremo argumento da falta de estudos independentes — estávamos em ano de eleições, registe-se! —, mas tais estudos independentes continuam a não existir.
Tal sucedeu com total falta de lealdade e transparência no relacionamento com os parceiros sociais, já que o Governo pediu opinião aos parceiros sociais e aprovou o decreto quatro dias antes do fim do prazo. É canhestra, em alguns casos fraudulenta, a argumentação do Governo para justificar o injustificável. O Governo liberaliza porque os horários abrangem, actualmente, um número reduzido de estabelecimentos, isto é, o Governo reduziu os estabelecimentos com limitações a 177 e, depois, como são poucos, entende liberalizar para todos. Notável! Aliás, o Sr. Ministro da Economia atreveu-se a dizer aqui, numa sessão nesta Assembleia, que tal sucedeu para equilibrar os modelos. Naturalmente!… Assim, ficou tudo igual!
Depois, utilizam o subterfúgio da percentagem para subestimar o impacto do encerramento desses 177 estabelecimentos com limitações. Desconhecem que 74 hipermercados, que são apenas 5% dos estabelecimentos, ocupam 26% da facturação, enquanto dezenas de milhares de
lojas do comércio tradicional têm 12%.
Depois, ainda, referem que os actuais horários distorcem a concorrência, mas o Governo sabe que esses 5% dos estabelecimentos são proprietários de centenas de supermercados e de discounts abertos nas tardes de domingo e feriados. Como é que há distorção da concorrência?!
Argumentam ainda com os interesses dos consumidores. Como sabem quais os interesses dos
consumidores se não ouviram o Conselho Nacional do Consumo, contrariamente ao que dizem?!
Há ainda o argumento da criação de milhares de postos de trabalho, sem fazer contas ao emprego destruído no comércio tradicional, com o descaramento de quem já confessou que não sabe o emprego criado com os novos licenciamentos e com a estatística do INE a mostrar uma redução líquida de postos de trabalho.
Escusado será repetir que o Governo não fez nem mandou fazer qualquer estudo que avaliasse os impactos da liberalização na criação/destruição de emprego.
Mas o mais espantoso neste Governo é o esquecimento das práticas na Europa, que têm servido para tudo justificar. E percebe-se o esquecimento: com a publicação deste Decreto-Lei, o nosso País passou a ser um dos únicos países da Europa com liberdade total de abertura dos estabelecimentos comerciais aos domingos.
Só há uma coisa a fazer: revogar o Decreto-Lei n.º 111/2010, que é aquilo que o PCP propõe.
(…)
Sr. Presidente.
Sr.as e Srs. Deputados:
Sr.ª Deputada Glória Araújo,
A tabela que referiu é uma das tabelas, há outras. Mas a da Sr.ª Deputada tem uma coisa interessante: é que não dá conta de qual é o horário nos países vizinhos, nomeadamente na Espanha, na Itália, na França, no Reino Unido. Pelos vistos, isso não conta.
Ao nível do emprego, é notável a conclusão da Sr.ª Deputada: é a primeira vez que refere «emprego estável no sector do comércio». Sr.ª Deputada, mas, então, os 4 milhões de metros quadrados licenciados durante uma década não criaram postos de trabalho? Responda, Sr.ª Deputada!
Sr. Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, gostaria de apelar à sua seriedade.
Sr. Secretário de Estado, é necessário que seja sério.
O Sr. Secretário de Estado é capaz de me dizer de que ano é o estudo que referiu do Observatório do Comércio? É de 2000? É de 2001? Esse estudo não existia já em 2006, em 2007, em 2008 e em 2009?!
Então, porque é que nessa altura os senhores diziam que não havia estudo, que era necessário fazê-lo?! O Grupo Parlamentar do PS inviabilizou uma iniciativa do PCP com o argumento de que iria propor a realização de um estudo independente, em 2008!
O Sr. Secretário de Estado diz que não podemos favorecer os que têm áreas com 1999 m2, fraude legal permitida por vós, relativamente aos que têm áreas com 2000 m2. Mas, Sr. Deputado, os que têm áreas com 1999 m2 e com 2000 m2 mais não pertencem aos mesmos grupos económicos, à Sonae, à Jerónimo Martins, à Auchan e a tanto outros?! Qual é aqui o problema de concorrência, Sr. Secretário de Estado?
Se percebi bem as intervenções dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP, tenho de felicitá-los, porque tenho de concluir que vão votar connosco a revogação deste Decreto-Lei.
Queremos permitir que milhares de trabalhadores deste sector possam conciliar a sua vida com a das suas famílias. Pretendemos defender, de facto, os interesses de 266 000 pequenas empresas — 25% das empresas portuguesas —, que são micro e pequenas empresas do comércio, e vamos ter em conta aquilo que aqui ouvimos na audição realizada, na passada segunda-feira, onde, Sr. Secretário de Estado, 42 associações do comércio se manifestaram de uma forma única e usaram uma expressão interessantíssima, dizendo que parecia que tinham reunido todos de véspera mas não o tinham feito. De facto, manifestaram-se de uma forma única no sentido de defenderem o encerramento ao domingo da generalidade do comércio, procurando defender um sector que não é apenas um sector económico, é muito mais, e nós sabemos o que significa o desaparecimento desse sector do centro das nossas cidades.

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