Regime de colocação e de afectação do pessoal integrado nos serviços e organismos<br />

Senhor Presidente Senhores DeputadosCom a publicação do Decreto-lei 193/2002 que “estabelece o regime de colocação e de afectação do pessoal integrado nos serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação” e por resultado da autorização legislativa concedida pela Lei 16-A/2002, de 31 de Março, o Governo PSD/CDS-PP foi muito mais longe que a famigerada “Lei dos Disponíveis” de um Governo de Cavaco Silva e simultaneamente iniciar a ofensiva contra os trabalhadores da Administração Pública.Foi o primeiro ataque à segurança no emprego e ao direito de negociação.Era a primeira declaração de guerra aos trabalhadores do sector que haveria de ser articulada com o ataque aos salários e ao regime de Aposentação no quadro da discussão e votação do Orçamento de Estado para 2003.Sob a capa de moralização das situações existentes nalguns Institutos Públicos o que o Governo pretendeu com o decreto em apreciação foi levantar o cutelo sobre a garantia da estabilidade de emprego dos funcionários públicos bem como sobre os direitos, liberdades e garantias decorrentes.De ora em diante o trabalhador da função pública fica no plano jurídico na incerteza permanente sobre o lugar que ocupa na Administração Pública e que o exercício profissionalizado das respectivas funções está dependente da boa ou má vontade dos dirigentes do serviço expresso no artigo 9º, nº1, do Decreto-lei 193/2002.Percorrendo a substância do Decreto em causa verifica-se que qualquer funcionário ou agente podem de um momento para o outro, de forma sumária e sem conhecimento prévio, serem objecto de afectação ao quadro de supranumerários do respectivo Ministério como se pode ler nos artigos 7º e 8º, nº 1. e consequentemente ficarem inactivos e “emprateleirados”, privados de exercerem as suas funções, sujeitos à redução dos seus vencimentos o que colide com o princípio da confiança e da segurança no emprego e o direito ao trabalho conformados e consagrados como direitos constitucionais.De acordo com o disposto no artigo 7º do decreto-lei é criado junto da Secretaria Geral de cada Ministério ou do departamento de recursos humanos, quando exista, um quadro de supranumerários para afectação do pessoal que, em resultado da extinção, fusão ou reestruturação de serviços não seja directamente colocado noutro serviço. Ficaria assim o trabalhador na disponibilidade de quem faz a gestão do quadro de supranumerários e do seu arbítrio para a passagem à actividade (como referem os artigos 11º e 14º).Percorrendo o Decreto bem se pode procurar quais os critérios objectivos que vincula o gestor do quadro de supranumerários. Não se vislumbra! O que se encontra é a entrega de um poder discricionário a um gestor para decidir e dispor da vida profissional dos funcionários ou agentes afectos ao referido quadro de supranumerários.Ao trabalhador não se lhe reconhece direitos mas antes obrigações para aceitar a colocação que pode ser no extremo de um dos concelhos limítrofes, com encargos mais onerosos ou para um lugar precário, ou para o exercício de funções para as quais sente que não se encontra habilitado.É uma versão semelhante mas mais draconiana que o Governo quer fazer com as normas de mobilidade funcional e geográfica contidas no pacote laboral.Assim, ou o trabalhador aceita o lugar ou é obrigado a ficar sem vencimento.E como os despedimentos sem justa causa são proibidos, encosta-se o trabalhador à parede para que seja ele próprio a despedir-se ou a reformar-se. Percebe-se melhor a mutilação que o Governo quer fazer no regime das aposentações.Verifica-se que a preocupação do executivo da direita foi reunir um determinado grupo de dirigentes dos serviços em causa (artigo 9º, nº 1) dando-lhe o papel de capatazes para poderem escolher os eleitos que irão ter o privilégio de continuarem a exercer de modo profissionalizado o lugar a que um dia se habilitarem NOS QUADROS PERMANENTES DA Administração Pública (artigo 9º, nº 2 a 6).Imagine-se, Senhor Presidente e Senhores Deputados, o grau discricionário que o artigo 4º permite quando refere que a reestruturação de serviços e considerada nos casos de reorganização de um serviço que tenha como objecto a alteração da sua estrutura orgânica e ou do seu quadro de pessoal acompanhada ou não da redefinição das suas atribuições e competências. Ou seja, basta alterar o quadro de pessoal para se produzirem supranumerários.E quem são os juízes?Em regra e segundo o Decreto, dirigentes da confiança pessoal e política do membro do Governo que tutela os serviços em causa.Até mesmo no que respeita às habilitações literárias e à formação profissional estes novos executores podem optar entre as habilitações literárias legalmente exigidas na altura da admissão ou as exigidas actualmente (4ª classe, curso geral dos liceus ou equivalente, ensino secundário, bacharelato e licenciatura), quer elas sejam adequadas ou não às funções a desempenhar; entre a formação profissional específica para o exercício das funções a desempenhar e aquela que não é específica a essas funções. È sem dúvida uma aproximação arrepiante às normas que por motivos políticos vigoravam ma Administração Pública antes do 25 de Abril de 1974.Espantoso como, quase por ironia, se pode considerar a Lei dos Disponíveis do Consulado de Cavaco Silva, menos intragável e mais aceitável, apesar de declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão 285/92 do tribunal Constitucional.Senhor Presidente, Senhores Deputados,A Assembleia da República tem a possibilidade de corrigir esta malfeitoria afastando da nossa ordem jurídica o Decreto-lei 193/2002.Nesse sentido o Grupo Parlamentar do PCP vai entregar na Mesa um Projecto de Resolução visando a cessação de vigência por recusa da Apreciação Parlamentar do referido Decreto, em nome da defesa dos legítimos direitos dos trabalhadores da Administração Pública. E também da sua própria dignidade.

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