Intervenção de

Reformas promovidas pelo Governo no sector da saúde - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Declaração política, condenando as reformas promovidas pelo Governo no sector da saúde

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Se alguma vez uma parte da população portuguesa ainda pensou que as medidas apresentadas pelo Governo se destinavam a melhorar o acesso aos cuidados de saúde, esse tempo acabou definitivamente.

Os portugueses já perceberam que o Governo se orienta por razões que não são as do bem público.

A acção do Governo pode talvez sintetizar-se num triplo resultado: aumentar os custos para os utentes, tornar mais difícil o acesso aos cuidados de saúde, favorecer objectivamente os grupos privados interessados no mercado da saúde.

A situação criada pelo encerramento generalizado de serviços de atendimento, maternidades, urgências e outras valências dos serviços de saúde está a deixar, e compreensivelmente, na população por todo o País um legítimo sentimento de revolta e de insegurança.

Não há disfarce técnico que possa esconder que as decisões são políticas.

Mesmo o estudo técnico em causa assenta em pressupostos políticos.

Por exemplo, no pressuposto assumido pela própria comissão técnica de que a base de partida era a redução da rede de urgências então existente, em que muitas tinham, de facto, carências, mas do que precisavam era da qualificação, do desenvolvimento e de investimento e não do encerramento, como o Governo está a determinar.

Por outro lado, sabe-se que uma versão intercalar do relatório final (entretanto amputada) fazia referência ao facto de ser necessário avaliar os efeitos da política de encerramento de Serviços de Atendimento Permanente (SAP) nas próprias urgências hospitalares.

Para além disso, tudo foi planeado em função de um certo desenvolvimento dos meios para a emergência médica, que nunca seriam completamente suficientes para substituir o que agora é encerrado, mas que a vida tem vindo a provar estarem muito aquém do necessário e do prometido.

Nalguns casos a decisão nem sequer é política, mas, ao que parece, partidária, como acontece com a urgência de S. Pedro do Sul, em que, primeiro, o PS local anunciou que não existiria, mas agora a mesma estrutura afirma que afinal vai haver...

É uma vergonha de confusão entre partido e Governo a que o PS não resiste!

E, sendo tecnicamente correcta a distinção entre situações de emergência e situações de doença aguda, em que pode não haver risco de maior, ficam a descoberto duas grandes questões: a primeira é a de que os mais de 5 milhões de consultas feitas pelos SAP não passaram, no fundamental, a ser feitas no funcionamento normal dos serviços e correspondiam a necessidades das populações; a segunda é a de que em muitas dessas consultas em SAP o contacto com o profissional de saúde, designadamente o médico, permitia despistar situações mais graves e encaminhá-las, sendo que agora cada indivíduo está à mercê da sua própria avaliação, sem quaisquer conhecimentos médicos.

E tenho a certeza de que, para além dos casos publicamente noticiados, há muitas dezenas de outros que não são conhecidos em que resultaram consequências sérias desta falta de acesso que não permitiu atalhar de imediato uma situação que podia ser mais complicada.

É preciso pôr fim a esta sangria desatada de redução forçada do Serviço Nacional de Saúde que o Governo conduz por todo o País.

É por isso que o PCP vai apresentar novamente o seu projecto de resolução, chumbado pelo PS em Março passado, exigindo a suspensão imediata do processo em curso de encerramento e concentração de urgências e outras valências hospitalares, bem como de serviços de atendimento urgente em centros de saúde, até que o Governo apresente uma proposta de lei em que defina as regras e os critérios para o desenvolvimento da rede de urgências em hospitais e centros de saúde.

No mesmo projecto propomos que se determine a reabertura dos serviços cujo encerramento não esteja de acordo com os critérios definidos.

Este projecto é uma oportunidade para o PS, para os outros partidos e para o Governo poder pôr fim a esta marcha desgovernada do Ministério da Saúde e impor um tempo de reflexão séria sobre a rede de serviços de saúde que não seja assente em critérios de restrição da resposta pública e de favorecimento do mercado privado da saúde.

O que é que vemos, olhando para o mapa do País, Srs. Deputados?

O que vemos é o surgimento, como «cogumelos», de unidades privadas onde o Governo manda encerrar serviços públicos.

Veja-se o caso das maternidades, em que o encerramento do bloco de partos está a levar, como o PCP alertou ser inevitável, ao encerramento e enfraquecimento de outras valências, enquanto que ao lado florescem unidades privadas que as abrem.

Fecha o público, abre o privado!

Nestas, o Governo já não impõe o critério administrativo dos 1500 partos que usou para fechar as maternidades públicas.

O público não pode, mas o privado já pode! Esta é a política do Governo. Repito, esta é a política do Governo e não só do Ministro da Saúde.

Nenhuma eventual remodelação cosmética resolverá os problemas que o Governo, o Primeiro-Ministro e o PS estão a criar com a sua política. E é esta a política que tem de ser travada, antes que seja tarde para as populações do nosso país.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria Antónia Almeida Santos,

Nós não queremos ter maus serviços mais próximos em troca de bons serviços mais distantes. Queremos é ter bons serviços no sítio mais próximo e no sítio mais distante, cada um com a sua função.

Porque a opção que os Srs. Deputados do Partido Socialista e o Governo nos querem impor é esta: se é preferível termos uma urgência distante e termos um SAP próximo, mesmo que não tenha todas as condições (como não pode ter) que uma urgência hospitalar tem de ter, ou se devemos ter um ponto de acesso mais próximo, que é o SAP ou outro serviço de urgência, para podermos depois, a partir daí, ter uma triagem e uma chegada à urgência já devidamente encaminhada.

O que a Sr.ª Deputada não consegue explicar é por que é que desapareceu do relatório da comissão técnica a referência ao facto de que o encerramento sistemático dos SAP ia ter consequências na rede de urgências hospitalares.

Por que é que desapareceu? Por que é que isso, do ponto de vista político, foi retirado do relatório e não foi publicado?

Porque, evidentemente, é uma matéria importantíssima.

Sabe o que lhe digo, Sr.ª Deputada? Nós olhamos para o País e vemos, em Lagos, em Mirandela, na Mealhada, na Póvoa, em Torres Vedras, em Chaves, na Trofa, em Matosinhos, em Braga, em Faro, Aveiro, Gaia, Sintra, Santo Tirso, novos hospitais privados, todos a surgir e a ter as valências que o seu Ministro da Saúde e o seu Primeiro-Ministro mandaram encerrar, como ainda recentemente se soube em relação a Chaves!

E eu gostava de saber se o Sr. Ministro, que apregoa tanta coragem para mandar encerrar serviços públicos porque diz que não têm condições, vai ter a coragem de, por exemplo, dizer a todas as unidades privadas, que não têm maternidades com mais de 1500 partos por ano, que vão ter de encerrar todas.

Gostava de saber se o seu Ministro da Saúde vai ter essa capacidade.

Não vai! Sabe porquê? Porque esta política, para além de negar a saúde aos portugueses, pretende tratá-la como uma mercadoria.

E para haver procura para os serviços privados, tem de haver menos oferta dos serviços públicos. E isto é que está na base da política do vosso Governo!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado José Cesário, é verdade!

Há uma grande confusão - aliás, como já vimos em relação à saúde noutras regiões do País - entre o PS e as decisões do Governo.

Aliás, acho que o Sr. Deputado José Junqueiro, para saber tão depressa da notícia, estava a escutar atrás da porta da reunião...

Era a única maneira de saber tão depressa da decisão!...

De qualquer maneira, percebeu-se bem que o PS não quer falar sobre as questões concretas da saúde, porque o Sr. Deputado José Junqueiro aproveitou para fugir para Sernancelhe, em vez de falar das questões da saúde.

A questão não é de agora, o Sr. Deputado José Junqueiro é reincidente, porque, já aqui há umas semanas, no jornal regional Notícias de Lafões tinha anunciado que não iria haver qualquer serviço de urgência básica em S. Pedro do Sul...

Está lá citado, e não foi desmentido que não ia haver qualquer serviço de urgência básica em S. Pedro do Sul!

Mas ainda bem que o Sr. Deputado José Junqueiro e o Governo mudaram de opinião.

Sr. Deputado José Cesário, quero ainda dizer-lhe que de promiscuidades em relação ao Governo PS não podemos falar só - e já seria bastante - das promiscuidades com o aparelho partidário, temos também de falar das promiscuidades com o sector privado.

O que é que justifica que um Governo que, durante estes anos - aliás, como o vosso -, cortou sistematicamente benefícios aos trabalhadores da Administração Pública em relação à ADSE, porque entendia que era aí que devia cortar e gastar menos, tenha permitido agora que a ADSE, portanto, o Estado e o nosso dinheiro, financie directamente o novo Hospital da Luz, transferindo para lá um grande número de consultas e de exames de diagnóstico que podiam ser feitos - e antes eram feitos - em quaisquer outras unidades e que agora são um «balão de oxigénio» que faz funcionar, à custa do dinheiro público, um investimento privado do Grupo Espírito Santo como é o Hospital da Luz?

Promiscuidades é com o Governo PS, seja em relação ao partido seja em relação ao sector privado.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Teresa Caeiro,

Sabe que tenho um especial apreço por denunciar situações em que se favorece o sector privado à custa dos dinheiros públicos... E o CDS, que agora tanto se afirma como o partido do contribuinte, também devia pensar nisso.

Por exemplo, acha bem que o Estado já tenha pago 8,4 milhões de euros para estudar o quê? A entrega de hospitais ao sector privado e encomendando estudos a algumas empresas que, depois, vão ser concorrentes à gestão privada destes hospitais?

Eu acho que isto não está bem, Sr.ª Deputada!

Sabe que, em relação a esta questão do desaparecimento da rede pública para aparecer, em sua substituição, uma rede privada, não temos qualquer alergia; o que isto é é uma «infecção oportunista»...

Sabe que, quando um organismo está com o seu sistema imunitário debilitado, às vezes aparecem infecções oportunistas...

É o que acontece neste caso: o Governo debilita o Serviço Nacional de Saúde e o sector privado aproveita a debilidade do Serviço Nacional de Saúde para se impor no mercado e para se impor às populações.

Este é que é o problema que está em cima da mesa!

Sr.ª Deputada, discordo de si: ainda bem que não há mapa final!

Sabe porquê?

Porque este facto nos dá uma oportunidade, que é a oportunidade que queremos propor nesta Câmara de suspender este processo.

Não é para impor a nossa solução; é para que todos possamos participar num processo de discussão alargada, em que, antes das decisões, se definam os critérios, como é que deve ser a rede de urgências, e esse debate deve ser feito aqui, na Assembleia da República.

E se o Governo e o PS estão tão certos da razão que lhes assiste, então aceitem esta suspensão e debatam aqui quais devem ser os critérios para a rede de urgências, para a rede de serviços de atendimento permanente.

Só depois de definidos esses critérios gerais é que se tem de encontrar um mapa em concreto, e não como o Governo faz, que quer fechar a eito, poupar dinheiro e deixar o campo livre ao sector privado.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado João Semedo,

Agradeço o seu pedido de esclarecimento.

De facto, é verdade que o Sr. Ministro aparece todos os dias na televisão.

É um Ministro um pouco acossado e que está sempre a reagir, tais são as críticas, e justas, das populações por todo o País.

E sistematicamente tem que responder perante situações dramáticas.

Queria aqui dizer, com muita franqueza, que não aceitamos que o Sr. Ministro nos limite o direito de discutir todas as situações de insuficiência dos serviços, mesmo quando se dão casos dramáticos.

Não queremos aproveitar os casos dramáticos, contudo o Sr. Ministro e o Governo é que não estão imunes à crítica por os casos serem dramáticos.

E eles devem servir para apreciar a realidade que decorre da política do Governo: a realidade dos encerramentos dos serviços.

É verdade, andamos há várias semanas a procurar reunir com o Sr. Ministro da Saúde.

E foi para que o Sr. Ministro venha à Comissão que o PCP anunciou, na sexta-feira passada, o uso de um dos seus poucos direitos potestativos em relação às comissões.

Entretanto, parece que o Sr. Ministro já tinha combinado com a Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde vir cá, embora umas horas antes de o PCP pedir o agendamento potestativo dessa reunião mais ninguém na Comissão tenha sido informado disso.

Mas queria aqui fazer um desafio ao Partido Socialista e ao Governo: se o Sr. Ministro tem coragem para vir reunir connosco não venha no dia em que também vem o Primeiro-Ministro. Que o Sr. Ministro não se queira esconder atrás do Primeiro-Ministro aquando do debate quinzenal com o Parlamento!

Que venha cá num dia que nos permita dar toda a atenção pública ao debate com o Ministro da Saúde! Que venha cá no dia 28, que venha cá no dia 29! Que não se esconda atrás do Primeiro-Ministro, que é o que o Governo quer fazer com esta marcação para o dia 30!.

(...)

Sr. Presidente,

Vou relatar apenas os factos, não retirando daí nenhuma conclusão.

O PCP, por volta das 16 horas de sexta-feira, pediu este agendamento potestativo, entregou-o na Comissão e divulgou-o à comunicação social. Algumas horas depois, a própria Sr.ª Presidente da Comissão contactou-me dizendo o que tinha combinado com o Ministro.

Mas não houve, nem há, nenhuma informação anterior ao anúncio e à entrega da iniciativa do PCP que informe os Deputados desta vinda, porque, se assim fosse, o PCP teria ponderado proceder de outra maneira.

E há uma coisa que toda esta questão não pode esconder: é que isto é em relação a esta semana e não justifica o que se passou em nenhuma das outras semanas, desde Dezembro, em que os partidos, na Comissão de Saúde, e até o PS, procuraram agendar esta reunião, nunca tendo havido disponibilidade do Sr. Ministro da Saúde para vir cá!

Desde Dezembro, Sr. Presidente!

Por isso, se justifica este agendamento potestativo!

A questão é séria, a reunião é séria e vamos tratá-la com a máxima seriedade!

  • Saúde
  • Assembleia da República
  • Intervenções