Projecto de Resolução N.º 972/XII/3.ª

Reforço e Valorização dos Profissionais de Saúde no Serviço Nacional de Saúde

Reforço e Valorização dos Profissionais de Saúde no Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos

A evolução dos profissionais de saúde no Ministério da Saúde tem sido profundamente negativa. Ao invés de dotar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de uma maior capacidade de resposta às necessidades das populações, potenciando o desenvolvimento científico e tecnológico e o aprofundamento do conhecimento pelos profissionais de saúde, o Governo opta por restringi-la.

É cada vez mais evidente a carência generalizada de profissionais de saúde no SNS, nomeadamente na prestação de cuidados de saúde, nos elevados tempos de espera para atendimento nas urgências hospitalares e na redução de serviços e valências, quer ao nível dos cuidados de saúde primários, quer nas unidades hospitalares.

Há falta de médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, técnicos superiores de saúde, administrativos e auxiliares.

Há muito que o PCP vem alertando e denunciando a necessidade de os sucessivos Governos tomarem medidas eficazes em tempo útil que evitassem a atual carência de meios humanos e a rutura de muitos serviços públicos de saúde. Em 1999, em 2003 e posteriormente em 2011 o PCP apresentou Projetos de Resolução que recomendavam ao Governo a adoção de um conjunto de medidas que permitiriam ter um conhecimento exato das necessidades de profissionais de saúde, o alargamento da formação em medicina e a contratação de profissionais de saúde para o SNS.

A desmotivação dos profissionais de saúde resulta das medidas de sucessivos Governos, muito agravadas pelo atual, de retirada de direitos aos trabalhadores da Administração Pública assentes em quatro vetores:

– Facilitar o despedimento e a saída dos trabalhadores da vida ativa;

– Reduzir e eliminar direitos dos trabalhadores da Administração Pública, muitos deles consagrados na Constituição da República e reconhecidos a todos os trabalhadores portugueses;

– Agravar as condições de trabalho, aumentar a carga horária e desregulamentar as carreiras;

– Atacar e desacreditar os sindicatos, procurando reduzir a sua capacidade de organização e mobilização para a luta e fragilizar ainda mais o direito de negociação coletiva, com a negociação individual dos salários.

Pelo Governo do PS foram destruídas as carreiras e respetivas categorias, perdeu-se o vínculo efetivo com a introdução de mapa de pessoal, desvalorizaram-se as remunerações, introduziu-se um sistema de avaliação injusto e a mobilidade especial.

O atual Governo PSD/CDS-PP foi ainda mais longe no ataque aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública. Impôs cortes nas remunerações, assim como nas pensões, reduziu o pagamento das horas de qualidade e mantém elevados índices de precariedade, refletindo-se também nos estabelecimentos públicos de saúde, com profissionais de saúde com contratos a termo certo, em regime de prestação de serviços ou colocados através de empresas de trabalho temporário. As restrições na contratação de profissionais de saúde têm conduzido à redução da capacidade de resposta de centros de saúde e hospitais, ao aumento do tempo de espera e à degradação da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos utentes.

Há muitas extensões de saúde, postos médicos e centros de saúde que já encerraram e irão encerrar, ou já reduziram e irão reduzir serviços, valências e até o horário de funcionamento, devido à carência de profissionais de saúde.

Há milhares de utentes sem médico de família e mesmo a operação de limpeza das listas de utentes dos médicos de família, dos utentes que não utilizam o centro de saúde há mais de três anos, não consegue esconder a gritante carência de médicos de família.

A carência de médicos no SNS agravou-se devido à aposentação, em muitas situações, antecipada e à saída por outros motivos, nomeadamente por desmotivação e ausência de valorização profissional, atirando-os para o setor privado, mesmo sabendo que não é aí que vão encontrar as condições laborais que respondam aos seus anseios, e para o estrangeiro, gorando as expectativas de muitos jovens trabalhadores e desperdiçando mão-de-obra altamente qualificada em cuja formação o Estado também investiu.

Durante muitos anos não houve aumento de vagas nos cursos de medicina nas instituições de ensino superior em Portugal nem a criação de novos cursos, o que conduziu à atual situação de carência de médicos. De 2000 a 2009 verificou-se um aumento de vagas em medicina a nível nacional, passando de 793 para 1663, de acordo com dados da Direcção-Geral do Ensino Superior. Não obstante, esta evolução positiva foi tardia e ainda não surtiu efeitos nos serviços públicos de saúde.

De 2010 a 2013 saíram mais de 2100 médicos do SNS por aposentação, dos quais mais de 600 séniores e mais de 1300 assistentes graduados. Neste período saíram 1050 médicos de família. A saída de médicos altamente diferenciados reduz a capacidade formativa dos serviços públicos de saúde, podendo perder a idoneidade formativa, o que terá implicações negativas nas vagas disponíveis para a formação de jovens médicos. Atendendo à idade dos médicos e ao seu descontentamento com as políticas em curso, é expectável que a situação se agrave com a sangria de médicos do SNS. É o próprio futuro do SNS que não está assegurado.

Segundo a informação que consta dos balanços sociais do Ministério da Saúde, em 2010 o Ministério da Saúde tinha 130.256 trabalhadores e em 2012 tinha 126.604 trabalhadores. De 2010 a 2012 o Ministério da saúde perdeu 3652 trabalhadores.

No Ministério da Saúde há 26.359 médicos (dos quais 1.869 encontram-se em prestação de serviços, incluindo médicos internos), 39.698 enfermeiros (menos 719 face a 2010), 1786 técnicos superiores de saúde (menos 36), 7982 técnicos de diagnóstico e terapêutica (menos 139), 17279 assistentes técnicos (menos 1099) e 27130 assistentes operacionais (menos 1838).

Não se compreende que o Governo não contrate os profissionais de saúde em falta nos centros de saúde e nos hospitais quando há tantos trabalhadores no desemprego a aguardar uma oportunidade de trabalho, acabando muitos por emigrar. Infelizmente, esta situação está a passar-se com milhares de enfermeiros que, caso o Governo os contratasse, contribuiriam substancialmente para a melhoria da qualidade e da segurança dos cuidados de saúde prestados, permitiriam a criação do enfermeiro de família nos centros de saúde e interviriam no âmbito da prevenção da doença e da promoção da saúde.

Não há um estabelecimento do SNS que cumpra as dotações seguras de enfermeiros relativamente aos utentes.

Em relação à carência de pessoal administrativo e pessoal auxiliar nos serviços públicos de saúde, essencial para o seu pleno funcionamento e tendo em conta os milhares de trabalhadores no desemprego em Portugal, só por critérios economicistas o Governo não autoriza a abertura de concursos públicos para colocar o número de trabalhadores em falta no SNS.

A criação das entidades EPE (hospitais e unidades locais de saúde) veio introduzir desigualdades entre os profissionais de saúde. Nestas entidades há trabalhadores que desempenham exatamente as mesmas funções e que têm exatamente as mesmas responsabilidades mas, porque uns têm contratos de trabalho em funções públicas e outros contratos individuais de trabalho, não têm as mesmas remunerações, o mesmo horário de trabalho nem os mesmos direitos.

O Governo sabe que sem profissionais de saúde com vínculo público, integrados numa carreira, não é possível garantir o futuro do SNS com qualidade. Por isso, uma das estratégias adotadas pelo Governo para desmantelar o SNS passa por atacar os direitos dos seus trabalhadores e impor constrangimentos enormes no funcionamento dos serviços públicos de saúde, mantendo a carência de profissionais de saúde propositadamente sem solução.

Se o Governo estivesse verdadeiramente preocupado com a “sustentabilidade do SNS” não impunha as restrições ao nível dos profissionais de saúde.

O PCP entende que a continuidade do SNS, de qualidade e para todos os portugueses é possível com a dotação dos meios humanos necessários, com condições de trabalho, integrados em carreiras valorizadas, com remunerações adequadas e motivados para desempenhar este serviço público imprescindível, e que é um direito de todos os cidadãos consagrado na Constituição da República Portuguesa. Há que definir políticas de defesa do SNS e garantir os direitos dos trabalhadores.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem o seguinte

Projecto de Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, recomenda ao Governo as seguintes medidas:

1. Que encare a grave insuficiência dos recursos humanos afetos à prestação de cuidados de saúde como uma questão decisiva para o futuro do Serviço Nacional de Saúde e do país;

2. Proceda a um levantamento das necessidades objetivas em matéria de recursos humanos na área da saúde, da sua distribuição pelas diferentes valências e por unidades de saúde (unidades hospitalares, unidades de cuidados primários de saúde e unidades de cuidados continuados integrados);

3. Promova a contratação dos profissionais de saúde, nomeadamente de médicos, enfermeiros, técnicos superiores de saúde, técnicos de diagnóstico e terapêutica, administrativos e auxiliares, com base no diagnóstico das necessidades elaborado e em número que garanta uma prestação de cuidados de saúde com qualidade e eficiência;

4. Crie um sistema de atribuição de incentivos que permita a fixação de profissionais de saúde nas regiões onde persista esta carência e que estabeleça um regime que determine um tempo de permanência obrigatório proporcional ao tempo do internato da especialidade;

5. Melhore as condições de trabalho dos profissionais de saúde, reponha os seus direitos e dignifique as suas carreiras, proporcionando uma efetiva valorização profissional e progressão na carreira;

6. Valorize social e profissionalmente as carreiras de Medicina Geral e Familiar e de Saúde Pública, repondo em vigor o Decreto-Lei n.º 157/99;

7. Reduza e otimize em todas as Administrações Regionais de Saúde os prazos de abertura dos concursos públicos para a contratação dos médicos que terminaram a especialidade;

8. Elimine a precariedade e restabeleça o vínculo público a todos os profissionais de saúde que exerçam funções em unidades de saúde do SNS, independentemente do atual vínculo laboral;

9. Desenvolva os processos negociais para a revisão das carreiras especiais ainda por concluir, com base no que for acordado com as organizações representativas dos respetivos trabalhadores;

10. Elabore um programa para a formação de profissionais de saúde, especialmente de médicos, em que as vagas disponibilizadas sejam proporcionais às necessidades, reforçando as vagas para os internatos de medicina geral e familiar;

11. Desenvolva um programa de formação excecional dirigida aos médicos sem especialidade que exercem funções no Serviço Nacional de Saúde, que lhes possibilite a aquisição de uma especialidade médica;

12. Aplique medidas de emergência temporárias de contratação no estrangeiro de médicos, em condições de qualidade, segurança e de equidade com os médicos portugueses, e adote uma estratégia de atração dos jovens estudantes de medicina no estrangeiro.

Assembleia da República, em 28 de fevereiro de 2014.

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