Projecto de Resolução N.º 898/XV/2

Reforço dos Cuidados de Saúde Primários de proximidade às populações

Exposição de motivos
O Serviço Nacional de Saúde possibilitou a cobertura generalizada do território nacional em matéria de Cuidados de Saúde Primários, traduzindo-se na primeira forma de contacto dos cidadãos com o Serviço Nacional de Saúde, constituindo o primeiro meio de acesso aos cuidados de saúde.
A criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a par da descentralização e disseminação dos centros, postos e extensões de saúde pelo país possibilitaram, em poucos anos, a evolução muito positiva dos indicadores de saúde, designadamente, no aumento da esperança de vida, na redução da mortalidade infantil e na promoção da saúde.
Apesar da importância estratégica dos Cuidados de Saúde Primários, tem-se vindo a assistir a um progressivo desinvestimento neste domínio por parte dos sucessivos governos, apesar da muita propaganda em torno da valorização dos Cuidados de Saúde Primários e do SNS. Desinvestimento.

O desinvestimento nos Cuidados de Saúde Primários, reconhecido por diferentes organizações representativas do setor, designadamente sindicatos, associações representativas de profissionais e utentes, resulta de mais de 40 anos de política de direita, e tem-se traduzido na diminuição da capacidade de resposta em saúde às populações.

A política de saúde exercida por sucessivos Governos do PS, PSD e CDS-PP, conduziram à redução da proximidade no acesso aos serviços de saúde, à desvalorização social e profissional dos profissionais que neles trabalham e, à carência de dotação de recursos humanos, financeiros e técnicos que possibilitem a assunção dos objetivos que norteiam a prestação neste nível de cuidados de saúde.

O ataque ao SNS e o caminho traçado para a sua diminuição e para o favorecimento do sector privado, torna-se evidente face ao contínuo reforço de verbas que têm vindo a ser transferidas, ano após ano, do Orçamento do Ministério da Saúde para o setor privado da saúde, para pagamento de serviços que podiam e deviam ser internalizados no SNS.

Este é o caminho prosseguido e intensificado, em que, por via do desinvestimento público, da privatização de serviços, do ataque aos direitos dos trabalhadores e de transferência dos custos da saúde para os utentes, se coloca em causa o futuro do Serviço Nacional de Saúde e dos Cuidados de Saúde Primários, transformando a promoção da saúde num negócio da doença.

A diminuição da capacidade de resposta dos Cuidados de Saúde Primários deve-se aos fortes constrangimentos orçamentais e à falta de aposta na capacitação do SNS, com a consequente carência de profissionais de saúde (que se traduz, designadamente, na não atribuição de médico de família a todos os utentes, que atinge mais de 1 milhão e 600 mil utentes), com o desinvestimento na área da saúde pública, com a falta de infraestruturas e equipamentos adequados e também com o encerramento de serviços de proximidade.

Um pouco por todo o território encerraram extensões de saúde e serviços de urgência básica (SUB), reduzem-se horários de funcionamento de serviços e valências, deixando populações praticamente sem resposta no período noturno e nos fins de semana e feriados, afastando os cuidados de saúde dos utentes.

O encerramento dos serviços de proximidade iniciado por um Governo do PS e continuado pelos governos que se lhe seguiram, dificulta cada vez mais a acessibilidade dos utentes aos cuidados de saúde, com particular destaque para o interior do país, com populações mais envelhecidas e onde a acessibilidade a transporte público é muito deficiente, deixando estes utentes mais vulneráveis.

A este respeito, importa referir que de acordo com os dados do INE, para Portugal Continental, em 2000, contava-se com 258 centros de saúde com serviço de urgência básica - SUB ou serviço de atendimento permanente ou prolongado, em 2008, esse número recuou para 174, em 2012 era de 72 e atualmente existem apenas 18 centros de saúde com esta valência.

A carência de profissionais de saúde nos centros de saúde é uma evidência. Faltam médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, assistentes técnicos e operacionais. Esta realidade resulta da forte restrição na contratação de trabalhadores e na incapacidade de fixar profissionais no SNS, por falta de resposta do Governo à necessária valorização de salários e carreiras entre os profissionais de saúde, afastando-os de exercerem a atividade no SNS.

O aumento do número de trabalhadores sem vínculo à função pública, com contratos de trabalho em funções públicas a termo certo, ou a contratação de profissionais através de empresas de trabalho temporário, privilegiando a instabilidade e a precariedade, promovem a desigualdade entre os profissionais e geram desmotivação para a prestação de serviço no SNS.

Há uma grande desigualdade nas condições de funcionamento das Unidades de Saúde Familiares (USF) e das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP), com estas últimas a ser preteridas e funcionando, muitas delas, com insuficientes condições ao nível de meios humanos, técnicos e de instalações, quando comparadas com as USF.

Na prática, há utentes de primeira e de segunda, o que contraria o disposto na Constituição da República Portuguesa, quando refere que o SNS é universal e geral. Assiste-se sistematicamente ao encaminhamento de utentes sem médico de família para as UCSP, criando ainda mais constrangimentos ao seu funcionamento regular, não sendo desenvolvidos os esforços necessários para dotar estas unidades dos recursos em falta, quer humanos, quer de outros meios.

Por outro lado, continua em aberto a possibilidade de criação de USF de Modelo C, abrindo o caminho para a privatização dos cuidados de saúde primários, fragilizando ainda mais o modelo universal pelo qual se criou o SNS.

A degradação dos cuidados de saúde no setor público insere-se numa estratégia mais ampla, procurando deslegitimar o Estado perante os cidadãos, criando a ideia de que o Estado não é capaz de prestar cuidados de qualidade, para justificar a gradual entrega de setores da saúde aos grandes grupos económicos, tornando-os num negócio bastante lucrativo, fazendo crer aos cidadãos que não importa a natureza da prestação de cuidados ser pública ou privada.

O desinvestimento constitui assim uma das linhas de destruição do SNS, que impossibilita que tenha os recursos necessários para corresponder às necessidades das populações.

E neste caminho é também de referir que o Novo Estatuto do SNS não trouxe, nem traz, a resposta necessária, constituindo antes um retrocesso face à Lei de Bases da Saúde. Os concursos que têm sido abertos não respondem às necessidades, nem permitem a captação de mais profissionais para o SNS. As vagas são insuficientes face às carências identificadas e muitas vezes não são preenchidas porque as condições apresentadas aos trabalhadores não permitem rendimentos dignos.

A realidade de todos os dias mostra, tal como as iniciativas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP para a área da saúde comprovam, que o país necessita de defender o Serviço Nacional de Saúde dos ataques que lhe têm sido desferidos e, particularmente, no reforço do investimento nos Cuidados de Saúde Primários, pois só desta forma podemos garantir que todos os utentes têm direito a cuidados de saúde com qualidade e de forma universal.

A prestação de Cuidados de Saúde Primários deve ser o mais abrangente e multidisciplinar possível, de molde a englobar a promoção e a prevenção da saúde física, mental, visual, oral e dos hábitos alimentares saudáveis, entre outros. Porém, para que tal seja alcançado, é necessário que haja um claro reforço de meios humanos e financeiros ao nível dos Cuidados de Saúde Primários.

Nesta perspetiva, os Cuidados de Saúde Primários devem contemplar, para além dos médicos especialistas em medicina geral e familiar, enfermeiros, assistentes sociais, assistentes técnicos e operacionais, psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, nutricionistas, profissionais da área da saúde visual, estomatologistas e médicos dentistas, técnicos de diagnóstico e terapêutica (terapia da fala, fisioterapia).

É preciso ter também em atenção que a especialidade de saúde pública desempenha, no caso dos Cuidados de Saúde Primários, um papel importantíssimo ao nível do conhecimento dos níveis de saúde da população / comunidade, no desenho, implementação, execução e avaliação de programas de intervenção em saúde, na vigilância e investigação epidemiológica decorrente de casos e surtos de doenças transmissíveis e na promoção da saúde da população.

Porém, ao longo dos anos tem-se verificado um forte desinvestimento nesta área quer pela diminuição dos recursos humanos quer pela desvalorização da importância do estudo e do conhecimento aturado das condições de saúde da população para a elaboração de medidas e políticas de saúde tendentes a melhorar a qualidade de vida e de saúde dos portugueses.

O reforço dos Cuidados de Saúde Primários também se faz por intermédio da valorização e consagração de unidades de saúde de proximidade. Assim, deve existir pelo menos um serviço urgência básica, de funcionamento permanente, por Concelho, assim como é necessário criar as condições para assegurar a atribuição a todos os utentes, de médico e enfermeiro de família, com a formação adequada.

É possível e necessário assegurar o direito à saúde a todos os portugueses, em cumprimento da Constituição da República Portuguesa, com mais investimento público, reforçando as equipas de profissionais nos cuidados de saúde primários, integrando todos os profissionais de saúde com vínculo à função pública, valorizando salários e carreiras e reforçando a qualidade e a eficiência.

Face às dificuldades com que o SNS se confronta, o PCP considera ser urgente a adoção de medidas concretas de reforço dos Cuidados de Saúde Primários, visando a proteção da saúde e da vida dos portugueses e se defenda o Serviço Nacional de Saúde.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo que reforce os cuidados de saúde primários, de proximidade às populações, concretizando as seguintes medidas:
1. Planifique e implemente uma rede de Cuidados de Saúde Primários de proximidade, em todo o território nacional, reabrindo as unidades encerradas, que responda às necessidades de prestação de cuidados de saúde às populações, que atenda às características geográficas, demográficas e epidemiológicas do meio envolvente, às acessibilidades e às condições sociais e económicas das populações;
2. Dote os Cuidados de Saúde Primários (nos quais se incluem as Unidades de Saúde Familiar, as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e as Unidades de Cuidados na Comunidade) de meios financeiros, técnicos e humanos necessários ao cumprimento das suas missões remediativa, preventiva e de promoção da saúde, incluindo a resposta ao nível dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica;
3. Promova a atribuição de médico e enfermeiro de família a todos os utentes e proceda à concretização da constituição das necessárias equipas de saúde familiar, com a formação e competências adequadas;
4. Constitua as equipas de profissionais de saúde integradas nos cuidados de saúde primários, onde estejam contemplados para além dos médicos especialistas em medicina geral e familiar, enfermeiros, médicos dentistas, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica (terapeutas da fala, fisioterapeutas, entre outros), profissionais ligados à saúde da visão, à alimentação saudável e assistentes técnicos e operacionais;
5. Valorize e reforce a área da saúde pública dotando-a de meios humanos e materiais que lhe permita prosseguir a missão e objetivos consignados;
6. Valorize social e profissionalmente os profissionais de saúde, assegurando-lhes as condições de trabalho, de formação, de vínculos de carreira e remuneração que assegurem a sua máxima disponibilidade e qualificação e a estabilidade do serviço de saúde onde se encontram, no quadro do respeito pelas normas deontológicas que presidem à sua intervenção;
7. Ponha fim às desigualdades existentes ao nível das condições de funcionamento entre Unidades de Saúde Familiar e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados, garantindo que não há diferenciação no acesso e na prestação de cuidados de saúde aos utentes, independentemente da estrutura organizacional que os presta;
8. Garanta a existência de pelo menos um serviço de atendimento permanente por Concelho, mantendo em funcionamento os atualmente existentes e instalando aqueles cuja necessidade se justifique considerando o número de habitantes e as características da população;
9. Promova uma verdadeira articulação entre os Cuidados de Saúde Primários, os Cuidados Hospitalares, os cuidados continuados e a saúde pública, de forma a permitir uma resposta mais célere e integrada aos utentes do SNS;
10. Proceda à concretização célere do Registo de Saúde Eletrónico, único e universal no âmbito do Serviço Nacional de Saúde;
11. Proceda à Modernização dos sistemas de telecomunicações e do equipamento informático nos Cuidados de Saúde Primários.