Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Reforço da acção social escolar no ensino superior

(projecto de resolução n.º 436/XI/2.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O artigo 73.º da Constituição estabelece que todos têm direito à educação e à cultura e, infelizmente, no nosso País, esta não é a realidade.
De acordo com dados do INE sobre as despesas da família, nos últimos oito anos, as despesas com o ensino superior aumentaram 74,4%. Estes números registam-se ao mesmo tempo que os rendimentos das famílias decrescem e a realidade é cada vez mais difícil.
O aumento da despesa com educação por parte das famílias é da responsabilidade da política dos sucessivos governos do Partido Socialista, mas também do PSD e do CDS.
O aumento brutal do valor das propinas, o aumento do preço das residências, o aumento das senhas de refeição colocam, hoje, em causa o direito de muitos estudantes ao ensino superior.
Hoje, entrar no ensino superior é, para muitos estudantes, um luxo e outros dependem exclusivamente do valor da bolsa para a sua sobrevivência.
A lei da acção social escolar e os mecanismos que a regulamentam provavam já, no ano anterior, que era bem insuficiente face às necessidades dos estudantes. Num universo de 73 000 bolseiros, apenas 119 tinham acesso à bolsa máxima.
Com o Decreto-Lei n.º 70/2010 e com o Pacto de Estabilidade e Crescimento na acção social escolar, esta realidade ficou ainda pior.
Na Universidade do Porto, de 670 bolseiros, cerca de 92% viram o valor médio da bolsa diminuir, em 320 € anuais; na Universidade do Algarve, no ano passado, a média da bolsa rondava os 2350 €, este ano é de 1360 €; na Universidade de Aveiro, o valor médio da bolsa diminuiu 640 € anuais; na Universidade de Coimbra, 79% dos estudantes bolseiros receberam uma bolsa com um valor inferior a 200 € anuais.
Veja-se o exemplo concreto de um estudante com um agregado familiar composto pelos pais, que recebem o salário mínimo nacional: tem direito a uma bolsa anual de 1300 €, paga uma propina de 900 € e fica com 26 € por mês, que nem sequer chegam para o passe social. Isto é uma vergonha!
Convém dizer que o apoio da acção social escolar não é uma questão técnica, é uma questão política que deveria ter como objectivo trazer mais estudantes para o ensino superior.
O Governo não pode dizer que está tudo bem e «assobiar para o ar», quando muitos estudantes podem estar em risco iminente de abandonar o ensino superior.
O projecto de resolução que o PCP, hoje, aqui traz pretende e defende o alargamento do número de estudantes abrangidos; a isenção do pagamento de propinas e de todas as taxas e emolumentos aos estudantes bolseiros; a garantia da não devolução de apoios directos por parte dos estudantes; o aumento significativo do valor da bolsa mínima e da bolsa máxima; o estudo prospectivo sobre as necessidades de alargamento das residências e a definição de um plano de construção, tendo por critério o número de estudantes bolseiros e o número de estudantes deslocados; a fixação do preço máximo do prato social em 1 €, garantindo-se a senha gratuita aos estudantes bolseiros.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Manuel Mota, não resisto a dizer-lhe que o ano lectivo começou em Setembro, portanto já passaram os meses de Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro. Como deve imaginar, é muito complicado um estudante sobreviver no ensino superior a pagar 1000 € de propina, a pagar alojamento, a pagar fotocópias, a pagar manuais escolares sem bolsa de estudo, quando o seu agregado familiar não tem condições para suportar essa despesa.
O Sr. Deputado disse aqui que a taxa de abandono já era expressiva.
Pois é! E isso é muito grave! A taxa de abandono no ensino superior é um factor que merece preocupação por parte do PCP e que devia também merecer preocupação por parte do Governo.
O que acontece é que hoje, para um estudante ter acesso à acção social escolar no ensino superior, é preciso viver quase no limiar da pobreza, pois o conceito de estudante carenciado deixa de fora um conjunto de famílias. Como eu disse há pouco, se houver dois salários mínimos, os estudantes já não têm acesso à bolsa máxima, o que lhes cria dificuldades para conseguirem sobreviver. Num momento em que aumenta o preço de tudo — o preço dos transportes, o preço da alimentação, o preço da residência, o preço dos quartos —, só não
aumenta o valor da bolsa!
Convém lembrar que estamos a falar de um direito consagrado na Constituição e o Sr. Deputado fala dele como se se tratasse de uma esmola em que o estudante tivesse que andar a pedir ao Governo «ajude-me lá a continuar a estudar». Não! É um direito que visa garantir a igualdade de oportunidades, e este é o princípio que entendemos fundamental.
Mas consideramos que a raiz do problema não começou agora com o Decreto-Lei n.º 70/2010, começou já quando se definiu o estudante carenciado com uma base em rendimentos muito
baixos.
É por isso que o PCP, no seu projecto de resolução, entende que é preciso ir mais longe: é necessário não só corrigir o cenário do Programa de Estabilidade e Crescimento na acção social escolar do ensino superior — e aí o PSD veio «emendar a mão» a tempo — mas também garantir que nenhum estudante deixe de poder aceder ao ensino superior por falta de recursos financeiros.
Na sexta-feira passada, falei com um estudante da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que me disse que o corte que teve na sua bolsa de acção social o obrigou a recorrer a um empréstimo bancário para conseguir terminar o mestrado até ao final do ano.
Isto é muito negativo, e o Governo não pode, de facto, «assobiar para o ar».
Saudamos o facto de o Grupo Parlamentar do Partido Socialista ter apresentado um projecto de resolução, ainda bem que o fez. Contudo, pensamos que é preciso ir mais longe. Não basta dizer que, no próximo Orçamento do Estado, tem que estar orçamentado o mesmo valor para a acção social escolar, talvez tenha que estar orçamentado um valor maior, porque as dificuldades das famílias aumentam.
Portanto, a acção social escolar tem que responder às dificuldades dos estudantes e tem que garantir que ninguém fica fora da acção social escolar nem pode, devido à sua falta de condições económicas e financeiras, ser excluído de um direito que está consagrado na nossa Constituição, exclusão a que os sucessivos governos têm condenado os estudantes do ensino superior.

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