Projecto de Lei N.º 92/XII-1ª

Reforça a protecção das vítimas de violência

Reforça a protecção das vítimas de violência

A propósito da efeméride do Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos, que se assinalou ontem, a 18 de Outubro, o PCP apresentou o Projecto de Lei que propõe a tomada de medidas para a protecção integrada dos vários tipos de violência sobre as pessoas. violência doméstica, discriminações em função do sexo e orientação sexual, tráfico de seres humanos, exploração na prostituição, assédio sexual e moral, mutilação genital feminina, entre tantas outras.

Exposição de motivos

Vivem-se hoje tempos de grave crise económica e social. E com eles, retornam formas anciãs de exploração, de desrespeito pelas pessoas, de aumento da vulnerabilidade dos mais pobres e mais necessitados, da consideração generalizada de que tudo se compra e tudo se vende, mesmo o amor, mesmo a vida, mesmo a dignidade humana.
São antigas e novas formas de escravatura que recrudescem, ao mesmo tempo que o pós-modernismo pretende mesmo elevá-las a condições de profissão e legalização.

Em momentos como estes, de agravamento da pobreza, de criação de novas formas de pobreza, mulheres e crianças são as primeiras a sentirem na pele as consequências mais devastadoras da degradação do nível de vida.

A exploração na prostituição e o tráfico de seres humanos, revestem diversas formas de exploração: sexual, laboral, o tráfico de órgãos, a mendicidade, adopções ilegais, entre tantas outras. Hoje, 18 de Outubro é o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos.

Segundo a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), mais de 2,4 milhões de pessoas são actualmente vítimas de tráfico para fins comerciais. Segundo o relatório Global Report on Trafficking in Persons – UN.GIFT, de Fevereiro de 2009, a exploração sexual assume-se como a forma mais relatada de tráfico, com 79% dos casos, registando o tráfico para fins de exploração laboral 18% das situações.
Neste caminho, Portugal deu passos tardios, e, embora ainda insuficientes, já trazem análises e dados de um fenómeno que até há bem pouco tempo não passava de uma estória de homens, mulheres e crianças sem luz.

Assim, de acordo com o 1º Relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, publicado em 2010, referente ao ano de 2009, há alguns dados que podemos e devemos sublinhar:

- Durante 2009 foram sinalizadas 84 potenciais vítimas e confirmadas 7.
- Aliadas ao crime de tráfico estão outras formas de exploração, nomeadamente: lenocínio, violência doméstica, casamento de conveniência, escravidão, sequestro, associação criminosa, violação, falsificação/contrafacção de documentos, uso de documentação de identificação ou viagem alheio, auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal, rapto, numa teia intricada e complexa de vários crimes que vão deixando as pessoas em situações de sobrevivência e de pobreza extrema e ausência total de direitos.
- A faixa etária com vítimas sinalizadas é a dos 26 anos aos 31 (19%) seguida de vítimas entre os 16-21 e os 31-36 anos (17,7% cada).
- De entre as vítimas sinalizadas 60 são estrangeiras (Brasil, Nigéria, Moçambique, Marrocos, Argélia, Roménia, Ucrânia, Bulgária, Itália) e 18 são portuguesas, a sua maioria vítimas de exploração na prostituição.
- De entre os agressores confirmados, a presença de portugueses é a principal.
- Os locais de exploração são predominantemente a via pública e bares de alterne.

As conclusões apontam para o seguinte «independentemente do estatuto de vítima (sinalizado ou confirmado), estas são maioritariamente do sexo feminino, solteiras, de nacionalidade estrangeira, predominantemente brasileira. Salienta-se o aumento do número de vítimas portuguesas. (…) A exploração sexual continua a ser o principal motivo para este crime, sendo as vítimas controladas por várias formas, destacando-se o controlo de movimentos, ameaças directas e sonegação de documentos».
De acordo com a OIT, a exploração sexual é de 63% nas economias industrializadas, sendo que Portugal hoje, de acordo com os vários dados disponíveis, é um país de destino, origem e passagem de vítimas de tráfico.

Já o 2º Relatório Anual dá nota de que durante 2010 foram realizadas 3.048 acções de combate à imigração ilegal e tráfico de pessoas, tendo existido um total de 28 crimes de tráfico registados por autoridades policiais, a saber: 6 crimes registados pela GNR,
5 crimes registados pela PSP, 8 crimes registados pelo SEF e 9 crimes registados pela PJ.

Através dos órgãos de polícia criminal6 e de organizações público-privadas, não governamentais e internacionais, foram registados durante 2010 um total de 86 vítimas: 22 vítimas confirmadas como vítimas de tráfico de pessoas (tendo como base de sustentação a investigação criminal); 5 vítimas sinalizadas ainda em investigação, 29 vítimas não confirmadas porque consideradas como vítimas de outros ilícitos que não o tráfico de pessoas - criminalidade conexa – ou porque se referem a casos arquivados por falta de provas.

A exploração sexual e laboral continua a figurar como o principal «destino» das pessoas traficadas.

O Pacto de Agressão assinado por PSD, CDS-PP e PS, agravará, certamente, as já difíceis condições de vida em Portugal, com o empobrecimento do povo e dos trabalhadores, o encerramento de serviços públicos (designadamente na educação e saúde), o corte brutal nos salários, pensões e prestações sociais, entre tantos outros ataques que apenas deixam como saída a pobreza para milhares de pessoas.

O sucessivo empobrecimento das pessoas, o desemprego, o aumento de fenómenos de marginalidade e dependências, arrasta consigo o aumento das causas da prostituição, que, como na violência doméstica, em que há unanimidade no reconhecimento do estatuto das vítimas, também não é uma escolha, uma livre decisão, senão para a maioria das pessoas a única saída.

Nesse sentido vai também a Lei n.º 23/80, de 26 de Julho, que ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, bem como a Resolução da Assembleia da República n.º 17/2002, de 8 de Março, que aprovou para a ratificação o Protocolo Opcional à Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 15/2002, de 8 de Março, bem como a Decisão-Quadro do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos ao considerar que este «constitui uma grave violação dos direitos humanos fundamentais e da dignidade humana e implica práticas cruéis, como a exploração e manipulação de pessoas vulneráveis, bem como a utilização de violência, ameaças, servidão por dívidas e coacção», sendo que o consentimento das vítimas é irrelevante.

Para o PCP, também as pessoas prostituídas, não sendo vítimas de tráfico, estão em situações de especial vulnerabilidade e, independentemente de se considerar a opção livre e consciente, nunca tal situação pode levar à adopção de medidas legislativas que legalizem a escravatura e assumam que o consentimento é “esclarecido” na maioria dos casos. A prostituição não é a mais antiga profissão do mundo. Não é mais do que a exploração de seres humanos. Exploração traduzida em lei, durante o fascismo, legalizando os locais de prostituição, para garantir a salubridade das mulheres prostituídas, satisfazendo os clientes, apenas com a condição de terem mais de 20 anos e não perturbarem a vizinhança. A profissionalização não será mais do que o regresso a esta vida sem luz, nas sombras, sob o falso pretexto da protecção.

Estados serão parceiros comerciais dos proxenetas e lucrarão com a exploração do corpo humano e todos os crimes a ele associados, como referido no Relatório do Observatório já citado.

Representantes de Nações e de Organizações não Governamentais reuniram-se em Junho de 1993 em Viena de Áustria sob os auspícios da ONU, visando uma Conferência Mundial das Nações Unidas sobre os direitos humanos. Os representantes presentes asseguraram que os direitos das mulheres fossem reconhecidos como direitos humanos.

«Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis, integrais e são uma parte indivisível dos direitos humanos universais.»

«A violência baseada no sexo e todas as formas de perseguição e exploração sexual, incluindo aquelas resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana e devem ser eliminados.» (Declaração e Plataforma de Acção de Viena, 1993, p. 33)

Assim, o tema da violência está indissociavelmente ligado aos direitos humanos.
Por este motivo, hoje, no dia em que se assinala o Dia Europeu contra o Tráfico de Seres Humanos, o PCP entende ser imperioso o reconhecimento da exploração na prostituição como violação dos direitos humanos pelo Governo português, bem como a tomada de medidas urgentes que sejam um efectivo combate ao tráfico e à exploração sexual.

Assim, o PCP reapresenta uma iniciativa legislativa sobre o fenómeno da violência, não apenas sobre as mulheres, como sobre aqueles que são especialmente vulneráveis, em função da idade, do sexo, da orientação sexual, da deficiência, entre outros, por considerar que há ainda um longo caminho a percorrer em matéria de prevenção e combate à violência e na protecção das vítimas.

Portugal ratificou diversos instrumentos internacionais de combate à violência: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e o respectivo Protocolo Opcional, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e o seu Protocolo Adicional relativo à Prevenção, Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, assinou o Acordo-quadro Europeu sobre o Assédio e Violência no Trabalho, estando ainda vinculado à Decisão Quadro 629/JHA, de 19 de Julho de 2002 contra o Tráfico de Seres Humanos. Não obstante, os passos que os sucessivos Governos têm dado nesta matéria têm sido muito insípidos e, apesar da propaganda e da suposta centralidade do debate, hoje o país é mais desigual, os rendimentos são cada vez mais baixos, um número crescente de pessoas vive abaixo do limiar da pobreza, as mulheres continuam a ser vítimas de violência, sem garantias de uma efectiva prevenção, protecção e ressocialização e aumenta a violência sobre os idosos e as crianças.

O tema da violência está indissociavelmente ligado aos direitos humanos.

Em Março de 1989, o PCP apresentou uma iniciativa legislativa sobre protecção de mulheres vítimas de violência (Projecto n.º 362/V) que foi aprovado na generalidade, por unanimidade, a 8 de Março de 1991 dando corpo à Lei n.º 61/91.

Afirmou, então, o Grupo Parlamentar do PCP que «as razões profundas que conduziram a que no limiar do século XXI, surja com insistência a preocupação mundial com a violência que se abate sobre o sexo feminino, encontramo-las numa estrutura de organização familiar precedendo a formação do Estado baseada numa estrutura hierárquica em que ao chefe – o homem – todos os abusos eram permitidos. Uma organização familiar ditada por interesses puramente económicos que instituiu a desigualdade na família e que transpôs para o próprio Estado, então nascido, o modelo dessa organização, baseada no direito ao abuso do poder e no dever de obediência, por parte dos oprimidos, entre os quais se situam também, como é óbvio, muitos homens. Essas causas profundas da desigualdade, levam-nos a concluir que o tema hoje em debate não se reduz a uma questão privada de relações entre os sexos. É, pelo contrário, uma importante questão política, como questão política é o problema geral de promoção da igualdade, sem a qual a democracia ficará inacabada. A vitimização das mulheres não pode desligar-se do quadro mais geral do estatuto social da mulher» .

A violência sobre as mulheres é uma incontestável violação dos direitos humanos. Esta violência exprime-se na esfera pública e privada, liga-se à relação homem/mulher na família, estende-se à esfera económica e produtiva e à violação dos direitos fundamentais do ser humano.

Mantém-se actual a constatação presente no Projecto de Resolução n.º 67/IX do PCP onde se afirmava que a “evolução no combate à violência contra a mulher em Portugal tem sido lenta”.

São várias e preocupantes as dimensões dessa violência: violência doméstica, exploração na prostituição, tráfico de mulheres e crianças para fins sexuais, discriminações salariais em função do sexo, assédio moral e sexual no local de trabalho, violação dos direitos de maternidade das mulheres trabalhadoras, a utilização de imagens atentatórias da dignidade das mulheres ao nível da publicidade, entre muitas outras.

Apenas a partir de 1991, após a publicação da Lei n.º 61/91, os Governos começaram a adoptar medidas em relação à protecção das mulheres, somente no que diz respeito à violência doméstica.

O flagelo social da prostituição, uma gritante expressão de violência exercida sobre o corpo e a dignidade da mulher, foi ignorado durante décadas por parte dos poderes políticos. Apenas em 2008 decidiram desenvolver acções concretas, no plano institucional, que estão muito aquém da resposta que se impunha quanto à prevenção, abolição e repressão do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças e de responsabilização do Estado pela promoção de medidas de apoio às mulheres vítimas de prostituição e tráfico para efeitos de exploração sexual, que continua a não ser uma realidade no caso da prostituição, embora o 1º Relatório de Avaliação do I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos aponte nos seus dados estatísticos que, no que diz respeito a crimes sexuais, mais 46% das vítimas são de nacionalidade portuguesa, o que significa que não são vítimas de tráfico de seres humanos.

Afirma a Associação “O Ninho” que «a prostituição é o triunfo das desigualdades» e que «a liberdade de cada um é condição de liberdade para todos. Isto é, uma sociedade em que ninguém seja instrumento de um outro».

No Projecto de Resolução n.º 82/X, o PCP destacava que «a prostituição é um fenómeno de dimensão nacional e transnacional que vitimiza, por forma dramática, muitas mulheres e crianças» e «o reconhecimento, quer pelas instituições que trabalham no terreno com as vítimas, quer por diversas organizações internacionais, que as principais causas da prostituição são a pobreza e a discriminação social das mulheres e das crianças, o que as coloca numa posição de maior vulnerabilidade».

A prevenção e combate à violência impõe continuar a intervir para quebrar tabus, para que as vítimas tenham consciência dos seus direitos. Aos governos cabe ir mais longe: prevenir e combater a violência, nas suas múltiplas expressões, as suas causas mais profundas e ao mesmo tempo adoptar medidas específicas em cada uma das suas vertentes. Mas sempre tendo como pano de fundo o cumprimento da Constituição da República Portuguesa designadamente quanto à igualdade de direitos e deveres de homens e mulheres no casamento; direito à integridade física e moral; direito à protecção jurídica e o acesso aos tribunais para a defesa dos direitos; direito ao trabalho com direitos; direito ao salário igual para trabalho igual.

Por isso, para o PCP, urge a adopção de políticas transversais que garantam um acesso público e universal à saúde, ao planeamento familiar, ao emprego, à educação, o aumento dos salários, o direito ao trabalho com direitos, o reforço da protecção social, elementos necessários ao verdadeiro combate às causas da violência sobre as mulheres. A adopção de políticas específicas de sensibilização e educação nestas matérias junto das escolas, das polícias, da sociedade e suas organizações. A criação de linhas de apoio, casas de acolhimento públicas, locais onde, quer nos países de destino quer nos países de origem, as pessoas se possam dirigir encontrando apoio psicológico, jurídico, entre outros, e aí obtenham as informações necessárias à tomada de consciência da sua situação e de que uma outra realidade é possível.

● Da violência doméstica ●

A violência na família assume diversas formas, afecta diversas classes sociais, é uma incontestável violação dos direitos humanos que põe em causa a relação de liberdade, de respeito mútuo e a igualdade de direitos entre homem/mulher na família, tal como é expresso na Constituição.

Para algumas mulheres, o maior número de vítimas, são razões de ordem cultural que as impedem de romper com o ciclo de violência a que estão sujeitas no seio da família. Para outras – a grande maioria – acrescem barreiras económicas e sociais e a falta de alternativas para (re)começar uma nova vida, porque à violência doméstica, acresce, tantas vezes a violência exercida pelo Estado que permite o elevado desemprego feminino, a precariedade laboral, os baixos salários e discriminações salariais.

As mulheres das classes mais desfavorecidas sofrem, por isso, de uma forma particular esta realidade uma vez que não dispõem dos recursos económicos para aceder ao apoio judiciário, não dispõem de rendimentos, o que as impossibilita de suportar novos encargos com a habitação, com o acompanhamento dos filhos face à ausência de autonomia económica.

Esta é uma realidade que persiste nos últimos anos e se agravará no quadro actual marcado pelo Pacto de Agressão assinado por PSD, CDS e PS e pelo Orçamento do Estado para 2012 – a antecâmara da falência económica do país – cujas medidas, a serem adoptadas, agravarão, ainda mais, a ausência de autonomia económica das mulheres, o que coloca as vítimas de violência “numa encruzilhada” que, tantas vezes, as impede romper com o ciclo de violência a que estão sujeitas.

Acresce que às situações de violência doméstica, existem situações associadas ao alcoolismo, à toxicodependência e a outros factores psicossociais, que impõem uma articulação com diversos serviços públicos - segurança social, saúde, ensino.

E este fenómeno hoje estende-se, cada vez mais aos idosos e às crianças, que, pela situação de vulnerabilidade, de dependência e de ausência de recursos, nomeadamente no que diz respeito às pessoas idosas – pensões de miséria, inexistência de uma rede pública de qualidade e a preços acessíveis de cuidados para idosos.

Se há unanimidade em considerar que a violência doméstica é inaceitável nos dias de hoje, os mecanismos para a combater e erradicar não são coincidentes. Os sucessivos governos PS, PSD e CDS demitiram-se há muito nas medidas de prevenção das causas da violência doméstica, que conjuga factores culturais e de ordem económica e social.

Sendo incontestável a necessidade de intervir ao nível dos valores éticos e culturais que continuam a marcar comportamentos e atitudes não é menos verdade, que esse combate não terá sucesso se não for acompanhado por uma acção governativa que combata as causas e factores que persistem em colocar as mulheres numa situação de vulnerabilidade económica e social a este fenómeno: a pobreza, o desemprego, a precariedade, a exclusão do acesso a direitos básicos, os factores psico-sociais – porque aprofundam as desigualdades e atacam as pessoas nos seus mais elementares direitos.

De facto os sucessivos governos demitiram-se da intervenção necessária e adequada
na promoção da igualdade de direitos das mulheres, tal como a Constituição consagra e em matéria de violência doméstica transferem a responsabilidade para a sociedade.
A protecção e a construção de um novo projecto de vida das vítimas e o acompanhamento dos agressores estão longe do necessário.

As vítimas continuam a não aceder ao apoio judiciário e a descoordenação entre as entidades envolvidas é evidente, não obstante as promessas feitas de combate à violência doméstica através da publicação sucessiva de Planos que se saldam por um reduzido alcance social e da publicação da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, que, afinal, correspondeu a uma compilação do ordenamento jurídico existente e disperso num só diploma, com pouca matéria que represente, na prática, um avanço na prevenção do fenómeno, na protecção das vítimas e na ressocialização dos agressores.

Em Portugal não se conhece qualquer trabalho com rigor sobre violência doméstica, limitando-se à mera recensão de notícias de mortes, que podem ou não configurar violência doméstica. É inaceitável que não existam quaisquer relatórios oficiais sobre este fenómeno e todas as estimativas se fundem em dados de organizações não governamentais, alguns deles baseados apenas nas notícias veiculadas pela comunicação social, sem que o Governo proceda à articulação necessária entre todas as entidades para uma melhor compreensão desta realidade determinante para uma melhor intervenção sobre ela.

● Da exploração na prostituição e tráfico de seres humanos ●

E se há unanimidade em afirmar que a violência doméstica é uma gritante violação dos direitos humanos, em reconhecer a necessidade da sua condenação generalizada e da adopção de medidas eficazes, o discurso muda quando se fala de mulheres prostituídas.

O PCP defende intransigentemente que a prostituição não é a profissão mais velha do mundo, não é uma escolha nem uma inevitabilidade. A prostituição é uma violação dos direitos humanos e uma forma de escravatura.

A exploração na prostituição é um dos negócios que hoje cresce mais rapidamente. Muitas centenas de milhares de mulheres e crianças são traficadas todos os anos das zonas mais pobres do mundo para os países mais ricos. Este tráfico contemporâneo de escravos gera milhares de milhões de euros todos os anos.

Hoje, o problema da prostituição assume particular importância na agenda política europeia por força do recrudescimento da tentativa de regulamentação da prostituição por parte das ditas “trabalhadoras do sexo” e dos proxenetas. Esta ofensiva pretende criar as condições para que os proxenetas sejam considerados parceiros económicos dos Estados e os clientes legítimos consumidores a quem se atribui, como um direito, a utilização de uma pessoa.

Veja-se, pois, a tradução da regulamentação da prostituição nos dados conhecidos e estimados de tráfico de seres humanos. Um levantamento feito pelo Grupo de Budapeste atesta que 80% das mulheres dos bordéis da Holanda são traficadas de outros países. Já em 94, a Organização Internacional das Migrações declarava que na Holanda perto de 70% das mulheres traficadas eram oriundas dos países da Europa Central e do Leste Europeu. A prostituição infantil terá aumentado de 5000 crianças em 95 para 15000 em 2001.

Em toda a Europa o tráfico e a exploração na prostituição não param de aumentar. Em Portugal, um estudo de 2005 sobre a prostituição em clubes afirma que a percentagem de portuguesas é de 15%, de brasileiras é de 62%, de colombianas é de 8% e de africanas é de 12%. Um relatório da Unicef afirma que de 95 a 2005 foram traficadas 100.000 mulheres e raparigas albanesas para a Europa Ocidental e outros países balcânicos. Documentos da Unicef e da “Salvem as Crianças” revelam que «até 80 por cento das mulheres traficadas de alguns cantos da Albânia e da Moldávia são crianças, com relatos que mostram uma diminuição da idade média das crianças/mulheres que são traficadas para a prostituição.»

Milhões de raparigas e jovens foram escravizadas e roubadas das suas vidas de modo a que os investidores na chamada indústria do sexo possam acumular cada vez mais capital e serem considerados empresários. Empresários da vida humana e da dignidade em Estados que patrocinam a escravatura e a exploração dando-lhe corpo legal.

Para o PCP impõe-se a criação de Linhas SOS de atendimento permanente às vítimas de prostituição e tráfico para fins de exploração sexual, nomeadamente: a criação de Linhas SOS de atendimento permanente às vítimas de prostituição, a criação de uma rede de centros de apoio e abrigo que prestem assistência psicológica, média, social e jurídica e adopção de programas de formação profissional e de emprego que aumente as suas oportunidades económicas e de autonomia social e ainda medidas de apoio aos seus filhos, situações a que o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos, não tem, claramente, dado resposta.

O Partido Comunista Português, por ocasião da celebração do Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, apresentou um Projecto de Resolução no sentido da proibição de anúncios na comunicação social que “directa ou indirectamente, incitassem à prostituição ou angariação de clientes para a prostituição”, a 18 de Outubro de 2010.

Na Argentina, a 6 de Julho de 2011 foi publicado um decreto que proíbe a publicidade de ofertas sexuais nos órgãos de comunicação social do país.

Em Espanha, a 19 de Julho 2010 o Grupo Parlamentar de “Esquerra Republicana-Izquierda Inida-Inicitativa per Catalunya Verds” apresentou uma Proposta de Resolução a instar o Governo a não subsidiar, nem realizar publicidade institucional nos grupos de comunicação social que realizam publicidade a serviços de prostituição. A 22 de Julho de 2011 o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) – partido no poder – apresentou uma proposta de supressão de todo e qualquer anúncio de contactos e serviços sexuais das páginas dos jornais e das versões digitais destes órgãos de comunicação. Em 2010, o Parlamento espanhol tinha já aprovado, por unanimidade, uma resolução que defendia o fim dos anúncios da prostituição na imprensa.

No Reino Unido, o único diário nacional que publica este tipo de anúncios é o jornal sensacionalista Daily Star. Na Alemanha estes anúncios estão ausentes da imprensa não sensacionalista. Em França estão proibidos, apenas se podendo publicar contactos para conhecer outras pessoas. Em Itália não existe qualquer regulamentação. Nos Estados Unidos, alguns semanários publicam (Village Voice, LA Weekly), e em 12 portais da internet repartiram-se mais de 40 milhões de euros com o “negócio” durante o ano de 2010.
As pessoas prostituídas, na sua maioria, foram condicionadas para ser prostitutas através de maus tratos, da violência, da discriminação e da falta de auto-estima, o que as torna vulneráveis.

Um estudo de Julho de 2011 denominado Comparing Sex Buyers and Non-Sex Buyers (Comparando clientes com não clientes de prostituição), de Melissa Farley, Emily Schuckman, Jacqueline M. Golding, Kristen Houser, Laura Jarrett, Peter Qualliotine, Michele Decker (2011) chama a atenção para a intenção que leva ao recurso a pessoas prostituídas, revelando bem a violência a que muitas destas pessoas estão sujeitas. Em discurso directo algumas das respostas dadas por clientes, na sua maioria homens, são exemplificativas da concepção perante as pessoas prostituídas: «És o patrão, o patrão total», «Até nós, homens normais queremos dizer alguma coisa e fazê-lo sem que nos façam perguntas. (…) Obediência inquestionável. Quero dizer que é poderoso. O poder é como uma droga.» ou mesmo «Podes encontrar uma prostituta para qualquer tipo de necessidade – espancamento, asfixia, sexo agressivo para além daquilo que a tua namorada faria».

Para o PCP, o caminho para o combate à exploração na prostituição, ao tráfico de seres humanos, o combate pela dignidade e direitos de todos os seres humanos também se faz pelo combate a todas as formas que fazem da venda do corpo humano um negócio. Das formas que vulgarizam a ideia de que as pessoas são mercadorias que, inclusivamente se anunciam nos jornais, gerando, anualmente, milhões de euros de lucro à custa daquela que é a escravatura moderna.

Será, pois, um passo significativo na esteira da luta pela igualdade, a proibição dos anúncios sexuais na imprensa escrita e digital, à semelhança de mecanismos já avançados por outros países, como um sinal de que para o Estado, prevalece e sempre prevalecerá a dignidade da pessoa humana.

● Da violência no local de trabalho ●

A violência surge ainda, de forma muito particular, no seu local de trabalho: a imposição de extenuantes ritmos de trabalho, os trabalhadores cujos salários as mantêm num ciclo de pobreza, as discriminações salariais, a violação sistemática de direitos laborais, designadamente em função da maternidade, paternidade e adopção.

São inúmeros os relatos de situações de grave violação dos direitos de maternidade e paternidade, de discriminação salarial, de assédio moral e sexual, sendo que hoje, apesar de o número de mulheres licenciadas ser superior ao dos homens, elas ainda recebem cerca de 30% a menos para trabalho igual ou de igual valor, tendência que tem vindo a aumentar por força da precarização das relações de trabalho.

Perante esta situação, a acção da Autoridade para as Condições do Trabalho tem-se revelado insuficiente e o progressivo desinvestimento do Governo na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego tem-se reflectido na suspensão do serviço de informações sobre a protecção na maternidade e paternidade e no número insuficiente de técnicos para o cumprimento das obrigações legais, nomeadamente em matérias relacionadas com direitos de maternidade e paternidade, despedimentos de mulheres grávidas, puérperas ou lactantes e direitos de articulação da vida profissional com a vida familiar.

O PCP tem-se batido pela efectiva fiscalização do exercício dos direitos das mulheres no trabalho, de que é exemplo a Campanha “Tolerância Zero” realizada em Março e 2002, visando uma efectiva intervenção das entidades com funções inspectivas e consequências efectivas do não cumprimento da Lei.

Por todos estes motivos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um Projecto de Lei que prevê o reforço da protecção das mulheres vítimas de violência.

Entre outras medidas, propõe-se:

● O alargamento do conceito de violência abrangendo as várias dimensões desta problemática, no sentido de garantir um quadro legal de protecção às vítimas dos mais diferentes tipos de violência.

● A responsabilização do Estado na criação de uma rede institucional de apoio às vítimas de violência.

● A instituição de uma Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das vítimas de violência, à semelhança do que acontece com a Comissão Nacional de Protecção às Crianças e Jovens em risco, com funções nomeadamente de coordenação da prevenção e da protecção das vítimas de violência;

● A instituição em cada distrito e em cada região autónoma de uma Comissão de Protecção e Apoio às vítimas de violência, sempre que necessário com um centro de atendimento, podendo, sempre que tal se justifique, serem criados núcleos de extensão da mesma com funções na área da informação e apoio das vítimas e seu agregado familiar, mas também na área da reinserção social dos agressores;

● O reforço urgente dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género;

● A alteração do Código da Publicidade no sentido da proibição de toda e qualquer publicidade que directa ou indirectamente incitem à prostituição ou angariação de clientes para a prostituição.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

CAPÍTULO I
Princípios gerais

Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1 – A presente lei reforça os mecanismos legais de protecção às vítimas de violência.
2 - Para efeitos da presente lei, consideram-se violência os actos de violência física, psicológica, emocional ou sexual e as práticas e actos de natureza discriminatória, que violem direitos fundamentais ou que limitem a liberdade e autodeterminação das pessoas, nomeadamente:

a) a violência doméstica;
b) a exploração na prostituição;
c) o tráfico para fins de exploração sexual, laboral ou outros;
d) o assédio moral ou sexual no local de trabalho.

Artigo 2.º
Alargamento do âmbito
Com excepção das disposições atinentes aos processos judiciais, beneficiam do sistema de protecção e apoio previsto nos diplomas que garantem protecção às vítimas de violência, ainda que nenhuma participação criminal tenha sido apresentada, as vítimas de qualquer acto, omissão ou conduta que lhes tenha infligido sofrimentos físicos, sexuais ou psíquicos, directa ou indirectamente, ofendendo a sua dignidade humana, a sua liberdade ou autonomia sexual, a sua integridade física e psíquica ou a sua segurança pessoal.

Artigo 3.º
Responsabilidade do Estado
Cabe ao Estado garantir o cumprimento dos direitos das vítimas de violência, criando as condições necessárias à sua efectiva protecção, nomeadamente no que se refere:
a) à adopção de medidas de prevenção;
b) à informação e esclarecimento das vítimas sobre os seus direitos;
c) à existência e funcionamento de uma rede institucional pública de apoio;
d) à garantia de condições sociais e económicas que assegurem a autonomia e independência das vítimas de violência;
e) à prestação de cuidados de saúde especializados em estabelecimentos públicos de saúde;
f) à sensibilização da sociedade para a problemática da violência sobre as mulheres e o papel social da mulher;
g) à adopção de medidas que garantam a articulação entre a vida profissional e a vida familiar, social e política das mulheres;
h) à adopção de medidas que concretizem a fiscalização e sancionamento do incumprimento da protecção na maternidade, paternidade e adopção.

Capítulo II
Prevenção e apoio

Secção I
Rede institucional

Artigo 4.º
Rede pública de apoio

1 – Cabe ao Estado assegurar a existência e funcionamento de uma rede pública de apoio a vítimas de violência que integra:
a) Comissão Nacional de Prevenção e Protecção das Vítimas de Violência;
b) Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência;
c) Rede pública de casas de apoio;
d) Linhas telefónicas de atendimento gratuitas.
2 – É reconhecido às organizações não governamentais um papel complementar na organização e funcionamento da rede referida no número anterior.

Sub-secção I
Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das Vítimas de Violência

Artigo 5.º
Comissão Nacional de Prevenção e de Protecção das Vítimas de Violência

A Comissão Nacional de Prevenção e Protecção das Vítimas de Violência (CNPV), é constituída na dependência conjunta dos Ministérios que tutelam as áreas da Justiça, da Igualdade, do Trabalho e da Solidariedade Social.

Artigo 6.º
Competências
1 – São competências da CNPV, sem prejuízo de outras que lhe venham a ser legalmente atribuídas:
a) Participar na planificação da intervenção do Estado em matérias relacionadas com prevenção e combate à violência;
b) Contribuir para a prevenção da violência;
c) Coordenar, acompanhar e avaliar a acção dos organismos públicos e das estruturas de protecção e apoio às vítimas de violência;
d) Participar nas alterações legislativas relativas a matérias que integrem o âmbito da sua intervenção;
e) Avaliar a situação social das vítimas de violência, diagnosticar carências e propor medidas e respostas necessárias;
f) Promover a articulação entre entidades públicas e privadas no âmbito dos recursos, estruturas e programas de intervenção na área da violência;
g) Acompanhar e apoiar as Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência.
2 – A CNPV apresenta ao Governo e à Assembleia da República, até Junho de cada ano, um relatório anual sobre a sua actividade.

Artigo 7.º
Composição
1-A CNPV tem a seguinte composição:
a) Uma individualidade a nomear pela Presidência do Conselho de Ministros, que presidirá à Comissão;
b) Um representante de cada Grupo Parlamentar na Assembleia da República;
c) Um representante do Ministério da Justiça;
d) Um representante do Ministério da Administração Interna;
e) Um representante do Ministério da Economia de do Emprego;
f) Um representante do Ministério da Ciência e da Educação;
g) Um representante do Ministério da Saúde;
h) Uma individualidade a indicar pelo Procurador-Geral da República;
i) Um representante do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
j) Um representante do Governo da Região Autónoma dos Açores;
l) Um representante do Governo da Região Autónoma da Madeira;
m) Um representante de cada confederação sindical nacional;
n) Um representante de cada confederação patronal;
o) Um representante de cada associação de mulheres com representatividade genérica;
p) Três representantes de associações de protecção e apoio às mulheres vítimas de violência.

Subsecção II
Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência

Artigo 8.º
Comissões de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência
1 – Em cada distrito e região autónoma será criada uma Comissão de Protecção e Apoio às Vítimas de Violência (CPAV).
2 – As Comissões serão instaladas por Portaria dos Ministros que tutelam as áreas da Justiça, da Igualdade, do Trabalho e da Solidariedade Social.
3 – O diploma de instalação da Comissão poderá determinar a criação, no seu âmbito territorial, de núcleos de extensão.

Artigo 9.º
Composição
Cada CPAV é composta por:
a) Um representante da Segurança Social, que presidirá;
b) Um representante de cada Câmara Municipal da área territorial abrangida;
c) Um representante do Ministério Público das Comarcas abrangidas;
d) Um representante da Delegação da Ordem dos Advogados das Comarcas abrangidas;
e) Um representante dos serviços de saúde da área territorial abrangida;
f) Um representante do Instituto de Reinserção Social;
g) Um representante de cada força de segurança da área territorial abrangida;
h) Dois representantes de organizações não governamentais com intervenção em matéria de violência na área territorial abrangida.

Artigo 10.º
Competências
1 – São competências das CPAV:
a) Coordenar, acompanhar e avaliar, a nível distrital, a acção dos organismos públicos e das estruturas de protecção e apoio às vítimas de violência;
b) Contribuir para a prevenção da violência;
c) Informar e apoiar as vítimas de violência e o agregado familiar;
d) Apoiar a reinserção social dos agressores, a solicitação ou com o consentimento destes.
2 – Cada CPAV apresenta à CNPV e às Câmaras Municipais, até Março de cada ano, um relatório anual sobre a sua actividade e de avaliação da situação relativamente à violência sobre as mulheres.

Artigo 11.º
Prevenção da violência
1- Tendo em vista a prevenção da violência, compete às CPAV desenvolver acções de sensibilização para a problemática da violência em colaboração com outras entidades que desenvolvam actividades na área da promoção dos direitos das mulheres, das crianças, dos idosos ou dos direitos humanos.
2 – Compete ainda às CPAV elaborar pareceres sobre projectos locais dirigidos à prevenção e combate à violência sobre as mulheres.

Artigo 12.º
Apoio às mulheres e ao agregado familiar
1 - As CPAV garantem o atendimento, a informação e o esclarecimento às mulheres vítimas de violência sobre os seus direitos, bem como o seu encaminhamento para as entidades competentes em função da situação de violência de que são vítimas.
2 - Sempre que existam indícios de que as crianças ou jovens que integram o agregado familiar da vítima podem ser, ou foram, física ou psicologicamente afectados pela violência, as CPAV comunicarão esse facto à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.

Artigo 13.º
Atendimento
1 - As CPAV serão dotadas de núcleos de atendimento, salvo se a área territorial dispuser de centros de atendimento constituídos nos termos da Lei n.º 107/99, de 30 de Agosto.
2 - Os centros de atendimento criados ao abrigo da Lei n.º 107/99, de 30 de Agosto, serão integrados nas CPAV.

Artigo 14.º
Reinserção social dos agressores
A solicitação ou com o consentimento do agressor, as CPAV promoverão o apoio psicológico e psiquiátrico ao mesmo, bem como o seu encaminhamento para programas específicos de reabilitação eventualmente existentes.

Artigo 15.º
Órgãos de polícia criminal
1 - Sempre que, no decurso de inquérito relativo a situações de violência, surjam indícios de que as crianças ou jovens que integram o agregado familiar da vítima podem ser, ou foram, psicologicamente afectados, os órgãos de polícia criminal remetem essa informação à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em risco competente.
2 - Caso os órgãos de polícia criminal não estejam dotados com os serviços necessários ao apoio e acompanhamento das vítimas dos crimes denunciados, encaminharão as mesmas para a CPAV e remeter-lhe-ão toda a informação necessária.

Artigo 16.º
Atendimento nos serviços de saúde
Em caso de atendimento, em estabelecimento hospitalar ou em centro de saúde, de pessoa que apresente sinais ou admita ter sido vítima de violência, os serviços de saúde comunicam esse facto à CPAV competente, sem prejuízo de participação criminal a que haja lugar.
Subsecção III
Rede pública de casas de apoio às vítimas de violência

Artigo 17.º
Rede pública de casas de apoio às vítimas de violência
1 – Cabe ao Estado assegurar a criação e funcionamento de uma rede pública de casas de apoio a vítimas de violência que integra casas-abrigo e centros de atendimento.
2 – A rede pública de casas de apoio às vítimas de violência é estabelecida por forma a assegurar a cobertura equilibrada do território nacional, garantindo a existência de, pelo menos, uma casa-abrigo em cada distrito.
3 – Nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, a rede referida no presente artigo deve contemplar a existência de, pelo menos, duas casas-abrigo.

Artigo 18.º
Casas-abrigo
1 - As casas-abrigo são unidades residenciais destinadas a acolhimento temporário de vítimas de violência, acompanhadas ou não de crianças ou jovens que integrem o seu agregado familiar, e assumem as seguintes tipologias:
a) Casas-abrigo para vítimas de violência doméstica; ou
b) Casas-abrigo para vítimas de tráfico e prostituição.
2 – As casas-abrigo, quando tal for admitido no seu regulamento interno, podem acolher outras mulheres vítimas de violência, nos termos da presente lei.

Artigo 19.º
Centros de atendimento
1 - Os centros de atendimento são constituídos por uma ou mais equipas pluridisciplinares, compostas por técnicos indicados pelos serviços públicos de segurança social, educação e saúde da respectiva área geográfica, que garantem, de forma integrada, o atendimento, o apoio e o encaminhamento das vítimas para as entidades competentes em função da situação de violência de que são vítimas, tendo em vista a sua protecção.
2 – O Estado poderá criar centros de atendimento especializado no âmbito dos organismos do Serviço Nacional de Saúde, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou dos serviços de emprego, de formação profissional e de segurança social.

Artigo 20.º
Regulamentação
A instalação e o funcionamento da rede pública de casas de apoio a vítimas de violência será regulamentada, por Decreto-Lei, garantindo a integração das estruturas já existentes.

Sub-secção IV
Linhas telefónicas de atendimento gratuitas

Artigo 21.º
Linha de atendimento telefónico gratuita
O Estado assegura o funcionamento de uma linha telefónica gratuita, em funcionamento diário, das 8h00 às 20h00, para prestação de informação relativa, designadamente:
a) Ao quadro legal de protecção das vítimas de violência;
b) Às entidades com competência para a protecção de vítimas de violência;
c) À protecção na maternidade, paternidade e adopção;
d) Ao quadro legal existente em matéria de direitos das mulheres, crianças, idosos bem como de pessoas especialmente vulneráveis a fenómenos de violência, nos termos da presente lei.

Artigo 22.º
Linha verde de atendimento telefónico SOS
O Estado assegura o funcionamento de uma linha verde de atendimento telefónico SOS, em funcionamento diário, 24 horas por dia, para denúncias de casos de violência.

Subsecção V
Medidas específicas de protecção de vítimas de tráfico e de prostituição

Artigo 23.º
Formação e qualificação
Às mulheres de tráfico e de prostituição é garantida prioridade em programas ou cursos de formação e qualificação profissional ou outros tipos de ofertas formativas.

Artigo 24.º
Atendimento especializado
As CPAV dispõem de serviços de atendimento especializado que, em caso de urgência, possam adoptar as medidas adequadas e necessárias à salvaguarda da integridade física das vítimas, garantindo que possam apresentar queixa às autoridades judiciárias sem expulsão do país.

Artigo 25.º
Serviço SOS de atendimento telefónico
O Estado assegura a existência de serviços SOS de atendimento telefónico que permitam o aconselhamento das vítimas de tráfico na sua língua materna.

Artigo 26.º
Tradução e interpretação
Às vítimas de tráfico é garantida, quando necessária, a tradução ou interpretação linguística junto das entidades responsáveis pela prevenção e combate à violência, nomeadamente órgãos de polícia criminal e instituições da rede pública de apoio.

Artigo 27.º
Apoio Residencial
Cabe ao Estado, em articulação com as autarquias locais, assegurar às vítimas de violência o acolhimento temporário em lugar seguro, nomeadamente através do apoio ao arrendamento, à atribuição de fogo social ou a modalidade específica equiparável, nos termos e condições a definir em diploma próprio.

Artigo 28.º
Apoio às associações
Lei especial regulará o apoio a conceder pelo Estado às associações que prossigam fins de protecção das vítimas de prostituição ou de tráfico para fins de exploração sexual.

Artigo 29.º
Alteração ao Código da Publicidade
O artigo 7º do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 7.º
(…)
1 -…
2 - …:
a) …;
b) …;
c) …;
d) …;
e) …;
f) …;
g)…;
h) …;
i) Incitem, directa ou indirectamente à prostituição ou angariação de clientes para a prostituição;
3 - …
4 - …»

Artigo 30.º
Regulamentação
O Governo regulamentará, por Decreto-Lei, as medidas específicas de protecção das vítimas de prostituição e de tráfico para fins sexuais, ouvindo para o efeito o Observatório para o Tráfico de Seres Humanos.

Subsecção VI
Disposições comuns

Artigo 31.º
Gratuitidade
Os serviços prestados pela rede pública de apoio às vítimas de violência são gratuitos.

Artigo 32.º
Assistência médica e medicamentosa
Mediante declaração emitida pelas CPAV ou pela entidade que providenciou a admissão em casa-abrigo, os serviços de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde providenciam, gratuitamente, toda a assistência necessária à vítima de violência e, se for caso disso, às crianças e jovens do respectivo agregado familiar.

Artigo 33.º
Acesso aos estabelecimentos de ensino
1 – Às crianças ou jovens que integrem o agregado familiar das vítimas de violência é garantida a transferência para estabelecimento de ensino escolar mais próximo da residência da vítima de violência.
2 – A transferência ocorre mediante apresentação de declaração da CPAV ou da entidade que providenciou a admissão em casa-abrigo.

Capítulo III
Protecção Social

Artigo 34.º
Subsídio de protecção das vítimas de violência
1 - O sistema público de Segurança Social garante às mulheres vítimas de violência, por um período de 6 meses, a atribuição de um subsídio de montante mensal equivalente ao Indexante dos Apoios Sociais, por forma a garantir a sua inserção social e autonomia financeira.
2 – Tem direito ao subsídio de protecção das vítimas de violência quem, mediante declaração das CPAV ou da entidade responsável pela admissão em casa-abrigo, demonstre encontrar-se em situação de insuficiência de meios económicos.
3 – O processamento do subsídio de protecção das mulheres vítimas de violência é regulamentado por Decreto-Lei no prazo de 60 dias.

Artigo 35.º
Concessão de protecção jurídica
1 – É assegurada às vítimas de violência a gratuitidade da consulta jurídica prestada no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais.
2 – É igualmente assegurada às vítimas de violência a concessão do apoio judiciário nas modalidades de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e de pagamento de honorários de patrono.
3 – A protecção jurídica é concedida nos termos dos números anteriores mediante apresentação de requerimento acompanhado de declaração da CPAV ou da entidade responsável pela admissão em casa-abrigo, independentemente da insuficiência de meios económicos.
4 – A concessão de protecção jurídica nos termos dos números anteriores cessa quando se prove, judicialmente, que não foi exercido qualquer tipo de violência sobre o/a beneficiário/a.

Artigo 36.º
Abono de família
À vítima de violência é garantida a atribuição do abono de família relativamente aos filhos menores que a seu cargo se encontrem, processando-se a transferência a requerimento por si apresentado.

Artigo 37.º
Isenção de taxas moderadoras
1 - Sem prejuízo de legislação mais favorável, as vítimas de violência doméstica, de tráfico ou de exploração na prostituição, estão isentas do pagamento das taxas moderadoras no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
2 – A isenção é reconhecida mediante apresentação de declaração emitida pela CPAV ou de entidade responsável pela admissão em casa-abrigo.

Capítulo IV
Protecção no local de trabalho

Artigo 38.º
Transferência a pedido do trabalhador
1 – O trabalhador vítima de violência doméstica tem direito a ser transferido, temporária ou definitivamente, a seu pedido, para outro estabelecimento da empresa, desde que corra inquérito criminal relativo à situação de violência de que foi vítima.
2 – A vítima de assédio moral ou sexual no local de trabalho tem direito a ser transferida, temporária ou definitivamente, a seu pedido, para outro estabelecimento da empresa.
3 - É garantida a confidencialidade da situação que motiva as alterações contratuais dos números anteriores, se solicitado pelo trabalhador.
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, às trabalhadoras da Administração Pública.

Artigo 39.º
Faltas
As faltas motivadas por impossibilidade de prestar trabalho decorrente da situação de violência doméstica, de assédio moral ou sexual ou de violação dos direitos de maternidade, paternidade e adopção, são consideradas justificadas e não determinam a perda de retribuição.

Capítulo V
Medidas de sensibilização e promoção dos direitos das mulheres

Artigo 40.º
Campanhas de sensibilização e promoção dos direitos das mulheres e da não discriminação
1 - O Estado promoverá anualmente campanhas de sensibilização para a problemática da violência sobre as mulheres, de promoção dos direitos das mulheres, crianças e idosos e da discriminação em função do sexo, orientação sexual, idade, deficiência, entre outros nomeadamente:
a) Sobre violência doméstica;
b) Sobre violência entre pares jovens;
c) Sobre tráfico de seres humanos;
d) Sobre exploração de mulheres e crianças na prostituição;
e) Sobre mutilação genital feminina;
f) Sobre discriminação salarial em função do sexo;
g) Sobre direitos laborais e protecção da maternidade, paternidade e adopção e no local de trabalho;
h) Sobre direitos das crianças;
i) De divulgação do conteúdo das leis que garantem a igualdade e dos mecanismos existentes para exigir a sua aplicação ou reposição da legalidade;
j) De combate à utilização da imagem da mulher com carácter discriminatório, nomeadamente em conteúdos publicitários.
2 – As campanhas decorrerão em locais de acesso público, nomeadamente em terminais de transportes, estabelecimentos de ensino, serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, serviços da Segurança Social, institutos públicos e outros.

Artigo 41.º
Formação específica de magistrados, advogados e órgãos de polícia criminal
1 – O Centro de Estudos Judiciários, a Ordem de Advogados e as entidades responsáveis pela formação dos órgãos de polícia criminal, em articulação com a CNPV, asseguram a integração da prevenção e combate à violência nos respectivos planos de formação.
2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Centro de Estudos Judiciários, a Ordem de Advogados e as entidades responsáveis pela formação dos órgãos de polícia criminal promovem anualmente cursos de formação destinados a magistrados e advogados sobre prevenção e combate à violência.

Artigo 42.º
Guia das vítimas de violência
1 - O Governo elaborará e fará distribuir gratuitamente, em todo o território nacional, um guia que incluirá, de forma sistemática e sintética, informações práticas sobre os direitos das vítimas de violência e sobre os meios a que podem recorrer para tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
2 - O guia referido no número anterior será objecto de actualização, edição e distribuição de 2 em 2 anos.

Capítulo VI
Disposições Transitórias

Artigo 43.º
Medidas de reforço dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e na Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género

1 - O Governo procederá ao reforço, com carácter de urgência, dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) por forma, designadamente, a:
a) assegurar o número mínimo de um técnico por cada 50 processos;
b) garantir o funcionamento da linha verde de informações sobre protecção na maternidade e paternidade, de segunda a sexta-feira, das 8h-13H e das 14h-18h.
2 - O Governo procederá ao reforço, com carácter de urgência, dos meios técnicos e humanos da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) por forma a garantir, designadamente, apoio e aconselhamento jurídico gratuitos.

Capítulo VII
Disposições Finais

Artigo 44.º
Relatório anual
1 - O Governo apresentará anualmente à Assembleia da República um relatório de diagnóstico das situações de violência registadas pelas diversas entidades com intervenção na matéria.
2 – O relatório anual conterá ainda o diagnóstico da rede institucional de protecção das vítimas de violência.

Artigo 45.º
Regulamentação
1 – O Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 90 dias após a sua publicação.
2 – Exceptua-se do disposto no número anterior a regulamentação do artigo 29.º, cujo prazo de regulamentação é de 180 dias.

Artigo 46.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 5 dias após a sua publicação, com excepção das disposições que implicam aumento da despesa do Estado que entram em vigor com o Orçamento do Estado seguinte.

Assembleia da República, em 18 de Outubro de 2011

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