Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral

Reflexão e Debate em Lisboa

 

 

 

Debate sobre “Poder económico, direitos dos trabalhadores, desigualdades sociais e liberdades democráticas”

Caros convidados,
Caros camaradas:

Permitam-me que antes de mais, em nome do nosso Partido, agradeça a presença e contributo para o debate de todos vós.

Um agradecimento particular aos nossos convidados que aqui trouxeram as suas reflexões e análises nas comunicações apresentadas sobre as diversas dimensões da actual crise do sistema capitalista e sobre as suas consequências particularmente as que se reflectem no plano social e que estão no centro das preocupações desta nossa iniciativa, nomeadamente os problemas dos direitos dos trabalhadores, das desigualdades sociais e os direitos laborais e das liberdades democráticas.  

O que nos animou não foram as diferenças de opinião, mas o que nos aproxima e nos leva à convergência concreta em torno de questões e problemas concretos, com a consciência que mantemos diferenças e até divergências.

No debate que aqui realizámos ficou patente a gravidade da actual crise, que está ainda em desenvolvimento e cujos impactos estão longe de se expressarem em toda a sua plenitude nos diversos domínios da nossa vida colectiva, mas que revela já enormes e graves consequência para os trabalhadores, para o povo português e para os povos de todo mundo.

O caos financeiro, a grave crise económica e social em contínuo aprofundamento, os dramas para milhões e milhões de seres humanos que todos os dias são confrontados com o desemprego, a agudização dos problemas agro-alimentares, energéticos e ambientais são, sem dúvida, problemas reais que desferem um rude golpe nas construções ideológicas da tecnocracia neoliberal e nas suas teses pseudo-científicas que apresentavam a globalização capitalista e os seus processos de liberalização planetária dos mercados e da livre circulação de capitais sob o domínio absoluto do capital financeiro e das grandes multinacionais, como a única solução dos problemas do desenvolvimento mundial. 

Com a ampliação a agudização da crise financeira e da sua crescente transposição para os sectores produtivos e para as diversas actividades económicas, temos vindo a assistir à mistificação quer das causas da crise, quer das soluções para a sua superação, particularmente num momento em que os planos anti-crise se sucedem na Europa e nos diversos países, incluindo o nosso, sem que consigam estancar e muito menos inverter as tendências recessivas e depressivas na economia e os dramas sociais que lhe estão associados.

As explicações sobre as causas que se apresentam da parte das classes dominantes visam não apenas ocultar os verdadeiros responsáveis pela crise, mas buscar uma nova legitimidade para aplicar as mesmas políticas que alimentaram a especulação e a exploração desenfreadas a que temos assistido e que estão na origem da extraordinária amplitude que a crise assumiu.

De facto, os partidários das políticas que têm vindo a ser seguidas com tão desastrosos resultado, estão a trabalhar para que, no fundamental, tudo fique na mesma e estão a desencadear uma ofensiva ideológica sem precedentes para sustentar as opiniões que vão ao encontro dos seus interesses e continuar as políticas neoliberais passando a factura dos custos da crise para os assalariados e os contribuintes.

Confinam-se à expressão financeira da crise com meias verdades, para encobrir o factor principal que está na sua origem – o subconsumo relativo das massas. 

Não dizem que o crédito fácil que agora dizem também estar na origem da crise foi para compensar a perda de poder compra dos trabalhadores e das camadas populares e dar vida a um sistema que para sobreviver e ao mesmo tempo alimentar a concentração de riqueza precisa de alargar a procura mesmo de forma artificial.

Na realidade a substituição dos salários dos trabalhadores e dos rendimentos da população, pelo estímulo ao crédito, numa espiral de endividamento está na origem da própria crise, agravada pelo endividamento dos Estados e das pequenas empresas.

Para eles a crise não se deve ao sistema económico, nem a forma aguda e profunda que a crise assumiu se deve às políticas neoliberais, nem à crescente financeirização da economia e à colossal especulação que lhe está associada, envolvendo todo o sistema financeiro, proporcionando rendimentos especulativos gigantescos, quer através dos off-shores, quer das bolsas, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos.

Políticas que são o núcleo da políticas de direita desenvolvidas no nosso país e que face ao nosso atraso relativo acentuaram as opções da política de direita de destruição, fragilização e secundarização do nosso aparelho produtivo, o favorecimento dos grandes grupos económicos e a concentração da riqueza, o sobreendividamento das famílias, o aumento do desemprego, da precariedade e significativos recuos nas condições de vida dos trabalhadores e da população.

As políticas que impuseram o dogma neoliberal do “menos Estado” ficam incólumes perante o desaire a que assistimos e se alguns, perante a evidência do desastre, se passaram a demarcar destas orientações, não é seguro que seja pelos motivos que anunciam, mas porque querem garantir o poder a todo custo.

Quando Sócrates está a malhar nos neo-liberais e no neo-liberalismo também poderia fazer algum auto-flagelamento ou mea culpa.

As demarcações apressadas a que temos vindo a assistir em relação ao neoliberalismo não são compatíveis, por exemplo, com a revisão para pior do Código de Trabalho ou com a aceleração da retoma das reformas estruturais da neoliberal Estratégia de Lisboa das liberalizações, privatizações e da flexibilidade das relações laborais que não há muito aceitaram continuar.

Aliás, a clara intenção das classes dominantes tudo fazer para que tudo fique na mesma e nada mude de essencial e que sejam os assalariados a pagar os custos da crise está patente na campanha muito ampla e global que se desenvolvem para impor como componente quase exclusiva para a saída da crise a regressão dos direitos laborais e sociais e a diminuição e o congelamento dos salários e dos rendimentos do trabalho.

A pressão para reduzir direitos e salários em nome da manutenção do emprego está aí já a tentar fazer caminho e nalguns sítio a concretizar-se em centenas de empresas e os perigos de com a crise de assistirmos a uma nova e mais ampla ofensiva para nivelar por baixo as condições de trabalho e as remunerações dos trabalhadores são efectivamente reais.

Joga-se com a ameaça do desemprego para que os trabalhadores aceitem pagar a factura da crise com centenas de empresas que aproveitam a crise para reduzir salários.

A actual crise comporta evidentes riscos de agravamento de todos os problemas económicos e sociais e eles são já patentes no nosso país numa situação marcada pela recessão económica com a queda acentuada do produto nacional, encerramento de centenas de empresas, paragens na produção, avanço galopante do desemprego, salários em atraso e o agravamento da precariedade.

Por outro lado assistimos a um inqualificável aproveitamento da crise, nomeadamente pelas grandes empresas e grandes grupos económicos e multinacionais.

São um intolerável número de despedimentos colectivos ilegais da parte de empresas que receberam apoios do Estado com o compromisso de manter e criar emprego. São as paralisações de produção de empresas que têm como único objectivo de manter o mesmo nível de lucros, transferindo todo o fardo da crise para as costas dos trabalhadores e para a segurança social pública. São as deslocalizações que se preparam a pretexto da crise e passar por cima dos compromissos assumidos com o país.
Mas há outro lance em vista! O que resulta desta avalanche de despedimentos individuais e colectivos, muitos premeditadamente para promover a rotação dos trabalhadores nas suas respectivas empresas é uma nova vaga de precariedade do trabalho e da vida de milhares de homens e mulheres, e de mais pobreza e mais desigualdades.
É a Lei da selva que se acentuará se alterações ao Código de Trabalho se concretizarem em definitivo.

Gostaria de informar que está bem encaminhado o requerimento para o Tribunal Constitucional para a fiscalização sucessiva das alterações ao Código do Trabalho tendo em conta a disponibilidade de deputados de diversas bancadas parlamentares.

É inaceitável que a pretexto da crise, sejam os mesmos de sempre a suportar, mais uma vez, pesados sacrifícios, enquanto o governo faz vista grossa em relação aos encerramentos fraudulentos, as falsas situações de dificuldade, as paragens indiscriminadas de produção e as tentativas de implantação do banco de horas.

A realidade está a demonstrar que as soluções para a crise têm que ser encontradas no combate às causas que estão na sua origem.

A resposta à crise exige do nosso ponto de vista uma a ruptura com as políticas que lhe deram origem e a afirmação de uma política alternativa que tenha como objectivos a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e da população, a dinamização da actividade económica, a criação de emprego, o reforço do papel do Estado na economia, a dinamização do mercado interno e o estímulo à actividade das micro, pequenas e médias empresas, o reforço do investimento, o combate aos défices estruturais do país.

Não há resposta eficaz à actual tendência de agravamento da crise e ao seu alastramento com mais falências e aumento do desemprego sem medidas que promovam o aumento do poder de compra das massas, nomeadamente com o aumento dos salários e pensões, incluindo o salário mínimo nacional que estimulem a procura e com ela a dinamização das actividades económicas em termos globais. Inseparável da defesa do aparelho produtivo e da produção nacional.

Em relação à redução do horário de trabalho sem perda de salário é uma questão de grande actualidade. Porque com tanto avanço da ciência e da tecnologia porquê só o capital beneficia desses avanços e conquistas?

No âmbito da resposta às consequências sociais da crise impõe-se no imediato a fiscalização rigorosa do recurso ao Lay-off, a suspensão dos despedimentos na administração pública e um plano nacional de combate à precariedade.

Não há resposta eficaz à superação da actual crise sem o reforço do papel e intervenção do Estado em sectores e áreas estratégicas, nomeadamente sem uma posição dominante e determinante no sector financeiro e uma nova política de crédito que responda ao sufoco e ao estrangulamento da economia pela via da restrição e do custo do crédito.
A resposta à crise exige uma política consequente de defesa dos sectores produtivos e da produção nacional.

Uma resposta à crise e às suas consequências exige o reforço da rede pública de protecção social, nomeadamente com a revisão do valor e acessibilidade ao subsídio de desemprego.

A resposta à crise, mas também aos nossos atrasos e das nossas debilidades exige uma firme e determinada defesa dos interesses e da soberania nacional perante as imposições da União Europeia, que compreenda a luta por políticas a favor do crescimento económico e o emprego.

Tal como exige a imediata suspensão do Pacto de Estabilidade e a urgente revisão da Estratégia de Lisboa em todos os seus objectivos e dimensões privatizadoras e liberalizantes e o fim dos  offshores e da livre circulação de capitais.

Medidas cuja concretização tem de ser sustentada através de fortes movimentos de massas e da ampliação da luta organizada. 

Dia 13 a luta convocada e organizada pela CGTP não é mais uma manifestação. Ao seu lema e palavras de ordem há que juntar o combate contra a resignação e o medo!

No debate inacabado, sem qualquer conclusão formal, face à aparente amplitude dos temas gostaríamos de terminar com uma ideia: que é de saber se pode haver democracia social ou democracia económica, se existe uma verdadeira democracia política em que é intrínseca a liberdade, sem democracia social!

Temos o nosso projecto de uma democracia avançada!

Mas neste tempo concreto nós temos como referência o projecto que está consubstanciado na Constituição da República. Porque ela comporta um projecto de construção e plataforma de convergência das forças políticas e sociais, de democratas preocupados com o seu país, convergência que é em si mesma condição para acreditar que sim é possível uma vida melhor.

Haveremos de nos voltar a encontrar!

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