Intervenção de Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do Comité Central, Audição Pública «Rede de equipamentos e serviços de apoio social da infância à velhice»

Rede de equipamentos e serviços de apoio social da infância à velhice. Situação e perspectivas

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1. O surto epidémico trouxe para primeiro plano a situação e perspectivas das respostas sociais que integram a Rede de Equipamentos e Serviços de apoio social.

A suspensão da actividade de algumas destas respostas sociais - creches, pré-escolar, actividades de tempos livres, centros de actividades ocupacionais, centros de dia e de convívio, entre outras – correspondeu a uma medida de prevenção do surto epidémico.

Contudo o isolamento não está isento de consequências sociais, emocionais e psicológicas para o processo de socialização e desenvolvimento das crianças, para os jovens e adultos com deficiência e para a qualidade de vida dos idosos.

O PCP considera que a abertura destas valências deve ser programada pelo Governo de modo a assegurar as condições necessárias, acompanhada por uma informação adequada que fomente a confiança dos utentes e das suas famílias.

Destacam-se, entretanto, as acrescidas exigências às respostas sociais e às valências que mantêm o seu funcionamento, como o Serviço de Apoio Domiciliário, os Lares de Idosos, de pessoas com deficiência, de infância e juventude.

Reiteramos, por isso, a saudação aos trabalhadores deste sector social, sobre os quais tem recaído uma redobrada sobrecarga de trabalho em condições particularmente difíceis.

Aos dirigentes das instituições que intervêm na Rede no âmbito da Acção Social do Sistema Público de Segurança Social queremos afirmar que acompanhamos a situação, intervindo com iniciativas na Assembleia da República que visam corresponder às necessidades dos utentes e suas famílias, das instituições e dos seus trabalhadores.

A Rede abrange um vasto universo de instituições, de valências e um elevado número de utentes e de trabalhadores. Contudo, a actual situação evidencia, na sua diversidade, denominadores comuns cujos traços essenciais são anteriores ao surto epidémico e que tenderão a agravar-se se não forem tomadas as medidas adequadas.

Desde logo, o agravamento da situação financeira de muitas instituições. Não só pela necessidade de aquisição de equipamentos de protecção de utentes e trabalhadores como pela redução das mensalidades (e mesmo falta do seu pagamento) resultante do desemprego, dos cortes nos salários e redução dos rendimentos das famílias. Acresce que, mantendo-se o pagamento dos acordos de cooperação para 2020, cerca de 1300 instituições do sector social tinham, em Abril, accionado o regime de lay-off simplificado.

Importa recordar que antes do surto epidémico a maioria das instituições apresentava resultados financeiros na linha “vermelha”, e mesmo negativos. Mas, igualmente se verificava um número insuficiente de trabalhadores no quadro de pessoal de diversas valências, a par do seu muito baixo nível remuneratório (60% dos trabalhadores a auferirem o Salário Mínimo Nacional).

O PCP considera que é necessária, com carácter de urgência, a implementação de um conjunto de medidas que respondam a velhos e a novos problemas, dos criados pelo surto e dos que lhe são anteriores, que concorram decididamente para elevar as condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores do sector social e a qualidade dos serviços prestados e que são inerentes aos objectivos das diversas respostas sociais.

Para o PCP a situação presente impõe medidas de carácter de urgência em que se destacam:

– O aumento e reforço das equipas da Segurança Social para poder haver uma adequada monitorização das necessidades que estão colocadas às instituições no domínio dos seus recursos financeiros, humanos e técnicos, e o estabelecimento de critérios das medidas a tomar para a sua superação;

– a gratuitidade das creches e de soluções equiparadas, consubstanciada num projecto-lei do PCP que visa concretizar decisões aprovadas no Orçamento do Estado deste ano. Uma proposta do PCP que ainda não foi regulamentada pelo Governo e que permitiria no corrente ano escolar isentar de pagamento das mensalidades as famílias abrangidas pelo 1.º escalão do rendimento e para o segundo filho do 2.º escalão;

– a criação de um regime de apoio às famílias, como consta no projecto-lei do PCP e que visa, designadadamente, a revisão das mensalidades das creches e pré-escolar de modo a que reflictam a alteração dos rendimentos dos agregados familiares; o alargamento das vagas abrangidas pelos acordos de cooperação nas valências da infância criando critérios de igualdade no cálculo das mensalidades para todas as crianças; a proibição de anulação das matrículas e de cobrança de taxas ou multas por incumprimento do pagamento das mensalidades neste período. A rejeição destas medidas pelo PS evidencia a insuficiência da resposta do Governo para mitigar as dificuldades com que as famílias estão confrontadas, que poderá levar a que muitas retirem os seus filhos destes equipamentos;

– a criação de um regime de reforço de trabalhadores em equipamentos sociais e que visa, designadamente: a criação de uma bolsa de recrutamento que assuma e enquadre a contratação dos trabalhadores onde se verifiquem necessidades a suprir no actual contexto; a passagem dos contratos a termo para contratos por tempo indeterminado (efectivos), visando dotar os mapas de pessoal do número mínimo de trabalhadores necessários; e a garantia de formação adequada para o desempenho das funções específicas das diversas valências, bem como em contextos laborais de risco.

2. O PCP considera que as medidas de carácter conjuntural têm de ser acompanhadas por novas soluções que respondam a problemas de carácter estrutural que afectam e condicionam a capacidade de resposta da Rede de Equipamentos e Serviços, no presente e para o futuro.

Assim, o PCP defende o reforço do papel central do sistema público de Segurança Social, rompendo com o processo de desresponsabilização do subsistema de Acção Social, para que ele se centre e realize os seus objectivos.

A actual rede de equipamentos e serviços de apoio social assenta na total responsabilização das IPSS na sua gestão, tendo por base o financiamento público. Regista-se, entretanto, a acentuação das desigualdades entre instituições, no plano financeiro, nos recursos humanos e técnicos de que dispõem e que se repercutem nas diferenças de qualidade dos serviços prestados.

Esta desresponsabilização do Estado na criação de uma Rede Pública está patente no alargamento do negócio privado, nas profundas desigualdades no acesso a equipamentos e serviços de apoio social em função do nível de rendimento e da região onde se vive, bem como na enorme carência de vagas, de que são exemplos mais visíveis as creches e os lares de idosos.

Ao mesmo tempo que proliferam entidades não licenciadas, com a cumplicidade de sucessivos governos, que empurram as pessoas para soluções de recurso, muitas vezes em condições degradantes e, ainda assim, com custos elevados para os utentes e famílias.

É fundamental aprofundar a situação dos Lares (IPSS, sector público e privado), que tenha em conta a sua realidade, no contexto do surto epidémico, mas igualmente quanto a problemas que lhe são anteriores.

A situação actual conduz a mensalidades incomportáveis para a maioria dos idosos cujo nível de rendimentos os exclui do acesso a esta resposta social ou se traduzem em pesados encargos para si ou para as suas famílias; a uma acentuada disparidade nos patamares de qualidade do serviço prestado, quer no plano das instalações, quer dos recursos humanos e técnicos que devem alicerçar esta resposta social.

É fundamental proceder a uma adequada articulação de todas as respostas sociais, quer na situação de doença ou dependência (apoio domiciliário, lares, entre outras), mas igualmente das que respondam às necessidades da heterogeneidade deste grupo social. Ela tem necessariamente que garantir o alargamento desta rede, a partir do sector público, sendo que todas as respostas sociais devem constituir uma importante dimensão do envelhecimento com direitos e qualidade de vida.

Acresce a necessidade de se proceder a uma cuidadosa avaliação da situação e perspectivas futuras no que concerne aos lares de infância e juventude e das diversas respostas sociais na área da deficiência visando superar carências e dificuldades, e proceder ao alargamento destas respostas a partir da gestão directa do Estado.

É fundamental definir uma relação do Estado com as instituições particulares de solidariedade social assente no aprofundamento de um modelo de cooperação que responda aos problemas e lacunas identificadas, que assegure o seu papel complementar (nem por isso menos importante) à criação e ao desenvolvimento de uma Rede Pública de Serviços e Equipamentos de apoio social gerida pelo sector público.

O PCP destaca que na situação actual e nas perspectivas para o futuro da rede de equipamentos e serviços de apoio social devem ser chamadas a participar as organizações de defesa dos direitos dos reformados, pensionistas e idosos, das pessoas com deficiência, bem como os sindicatos que representam os trabalhadores do sector social.

Ao mesmo tempo que deve ser dada prioridade ao pré-escolar e como é reconhecido na Lei Quadro da Educação Pré-escolar, como "primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da acção educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário.

Impõe-se, como o PCP propõe, a criação de um Plano de Alargamento da gratuitidade das creches ou soluções equiparadas, assegurando a sua gratuitidade para todas as crianças até 2023 (final da legislatura), com a disponibilização de 100 mil vagas, ao mesmo tempo que deverá ser planeada e desenvolvida esta rede a partir do sector público.

Continuaremos a intervir por uma Rede Pública de equipamentos e serviços de apoio social que, nas suas diversas áreas, seja planeada para corrigir desigualdades sociais e assimetrias regionais, que aprofunde os direitos dos utentes e a qualidade das respostas sociais nas diversas valências, que valorize os profissionais que trabalham no sector social, de modo a melhorar os salários, as carreiras profissionais, as profissões e os direitos definidos na regulamentação de trabalho, apostando na melhoria da qualificação do serviço prestado aos utentes através da promoção da formação e qualificação profissional dos trabalhadores do sector social.

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