Projecto de Resolução N.º 941/XIII/2.ª

Recomenda que sejam tomadas medidas que permitam aumentar as vagas para o internato de especialidade

Recomenda que sejam tomadas medidas que permitam aumentar as vagas para o internato de especialidade

Desde 2015 que o país assiste a um crescente número de médicos que fica sem acesso à formação médica especializada.

No concurso relativo ao ano de 2015/2016 ficaram sem acesso 114 médicos, no ano seguinte 213 e no atual, de acordo com as informações vindas a público, 370 aos quais devemos juntar os 270 que desistiram do concurso o que significa que 640 médicos não frequentaram a formação médica especializada.

O número de médicos que não tem acesso à formação médica especializada cresce apesar de haver mais de 800 mil portugueses, segundo os dados da Administração Central do Sistema de Saúde, sem médico de família atribuído e, em muitos hospitais e várias especialidades, não serem cumpridos os tempos máximos garantidos para consultas de especialidade

De acordo com a legislação em vigor, a formação médica especializada, “corresponde a um período de formação teórico-prática, que habilita o profissional médico ao exercício diferenciado de uma especialidade”. Para tal é realizado um concurso para o internato médico, sendo da competência da Administração do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.) a gestão e a coordenação desse concurso.

O bloqueio no acesso à formação médica especializada implica a criação em Portugal de uma bolsa de médicos indiferenciados, significando isso a redução de direitos desses profissionais quer a nível salarial, quer de progressão da carreira, ficando à mercê das condições impostas pelas empresas prestadoras de trabalho temporário e adstritos a tarefas de menores responsabilidade.

As consequências negativas da existência de médicos indiferenciados fazem-se sentir, de igual modo, no Serviço Nacional de Saúde e na prestação de cuidados de saúde aos utentes.

Recorde-se que foi a criação do Serviço Nacional de Saúde, a disseminação da prestação de cuidados de saúde primários e hospitalares e a melhoria da formação médica, designadamente da formação médica especializada, que possibilitaram a Portugal reduzir de forma expressiva a mortalidade materno-infantil.
O acesso à formação médica especializada depende do número de vagas que são estabelecidas todos os anos, as quais dependem da idoneidade formativa conferida aos serviços por parte da Ordem dos Médicos e do Conselho Nacional do Internato Médico.

Sobre as vagas, o Presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos afirmou que “um dos problemas que temos (…) é que muitas não são de idoneidade total, são parciais” e “nos últimos anos têm sido atribuídas sem se contar com o sítio onde se vai fazer o que falta”.

Há vários anos, e de forma particular desde 2015, têm surgido relatos de que o número de vagas não traduz de forma cabal as disponibilidades manifestadas pelos serviços e formadores, que acabam por não figurar integralmente no mapa final proposto a concurso.

Tal situação tem levado à exigência dos jovens médicos e de algumas estruturas representativas destes profissionais da necessidade de “aferição de idoneidades dos serviços médicos e das suas capacidades formativas seja realizado com critério e transparência”, tal como é defendido pelos subscritores da Petição nº 294/XIII/2ª.

O bloqueio no acesso à formação médica especializada tem as suas causas nas opções políticas e nas medidas tomadas por sucessivos governos, e de forma especial pelo Governo PSD/CDS, no que à saúde e, particularmente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), diz respeito, ou seja, este bloqueio não está desligado do profundo ataque que foi desferido aos profissionais de saúde por via da sua desvalorização social e profissional e que levou, no caso dos médicos, a saídas extemporâneas do SNS, quer por aposentação, quer para o privado, de médicos séniores que asseguravam a formação médica especializada.

Para além da questão dos profissionais, também os processos de fusão, concentração e encerramento de serviços e valências concorreram para a diminuição de potenciais locais de formação de internos, sem falarmos dos enormes danos causados aos utentes e à população servida por essas unidades de saúde.

A isto acrescem as alterações efetuadas no regime jurídico do internato médico pelo anterior governo, as quais foram realizadas apesar da contestação ao diploma ser transversal a todas a organizações representativas dos médicos e dos estudantes de medicina.

No fundamental, as alterações ao regime do internato médico, protagonizadas por PSD e CDS-PP, visam a desqualificação da formação médica especializada que terá repercussões na degradação das condições de prestação de cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde, na desvalorização profissional e social dos médicos, além de constituir mais um elemento na tentativa de destruição das carreiras médicas e da promoção da precariedade.

O PCP tem apresentado, desde 2015, propostas para corrigir esta situação. Neste sentido, nesse ano, apresentou o Projeto de Resolução nº 57/XIII/1ª - Recomenda a adoção de medidas urgentes para a criação de vagas adicionais ao concurso de internato médico 2015.

Foi também por proposta e iniciativa do PCP que os Orçamentos do Estado (2016 e 2017) contemplaram normas que salvaguardam a permanência dos 114 médicos no Serviço Nacional de Saúde e preveem medidas para que as vagas disponibilizadas sejam proporcionais às necessidades, reforçando as vagas para os internatos de medicina geral e familiar e, simultaneamente, em articulação com a ordem dos médicos, se desenvolva um programa de formação excecional dirigida aos médicos sem especialidade que exercem funções no Serviço Nacional de Saúde, possibilitando-lhes a aquisição de uma especialidade médica.

A qualidade dos cuidados de saúde prestados pelos estabelecimentos e serviços do SNS depende, entre outros aspetos, da formação médica, quer ao nível da formação inicial, quer ao nível da formação específica, e do grau de especialização dos mesmos, pelo que devem ser tomadas as medidas necessárias para garantir o acesso a todos os médicos internos à formação específica e que sejam promovidas ações, em conjunto com a Ordem dos Médicos, para que se clarifique o processo de atribuição de idoneidades formativas para a formação médica especializada.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, que:

1. Promova, juntamente com a Ordem dos Médicos e o Conselho Nacional do Internato Médico, uma avaliação que permita o esclarecimento do processo de atribuição das idoneidades formativas para a formação médica especializada;
2. Desenvolva um plano para melhorar as condições e resolver as insuficiências dos serviços de saúde aos quais foi conferida idoneidade parcial com o objetivo de promover, qualitativa e quantitativamente, o reconhecimento total da respetiva idoneidade;
3. Proceda aos investimentos necessários nos serviços de saúde para aumentar o número de serviços reconhecidos com idoneidade formativa para garantir o acesso à especialidade médica de todos os médicos que terminam a formação pré-graduada;
4. Proceda à reposição das vagas preferenciais em zonas carências.

Assembleia da República, 23 de junho de 2017

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