Projecto de Resolução N.º 638/XII -2ª

Recomenda ao Governo que determine uma clarificação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao regime de isenção do IVA aplicável à cobrança e gestão de direitos de autor e atividades conexas

Recomenda ao Governo que determine uma clarificação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao regime de isenção do IVA aplicável à cobrança e gestão de direitos de autor e atividades conexas

Exposição de motivos

1. Desde sempre que as remunerações devidas como contrapartida dos licenciamentos de direitos de autores, artistas, produtores e mesmo as remunerações relativas à cópia privada foram, indistintamente, consideradas isentas de IVA, por força da norma inscrita no n.º 16 (e anteriormente n.º 17) do artigo 9.º do Código do IVA (CIVA).
2. Apenas no ano 2012, por força da alteração introduzida pelo respetivo Orçamento do Estado, a Lei passou a distinguir subjetivamente os titulares de tal isenção, deles retirando expressamente as pessoas coletivas.
3. Não obstante, os direitos conexos de produtores (tipicamente mas não necessariamente pessoas coletivas) são, por força de lei e convenções internacionais que obrigam o Estado Português, cobrados conjuntamente com os direitos dos artistas (intérpretes ou executantes) pelo menos em relação a todas as formas de comunicação pública geridas através das respetivas entidades de gestão que, para tanto, atuam conjuntamente no território nacional.
4. Neste contexto, entendem os subscritores que a aplicação da isenção mesmo aos titulares de direitos que sejam pessoas singulares, acaba por ficar prejudicada e esvaziada de qualquer conteúdo útil, daí que, reconhecendo esta particular realidade, o Orçamento do Estado para 2013, já aprovado, repõe a isenção para todos os titulares de direitos ainda que estes sejam pessoas coletivas.

5. Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem vindo a efetuar inspeções fiscais com vista à liquidação adicional do IVA alegadamente devido pelo licenciamento de direitos, sempre que estes pertençam (ainda que apenas em parte a pessoas coletivas), liquidações essas que remontam ao ano 2008 e seguintes. Portanto, muito antes da aprovação e entrada em vigor da norma que expressa e inequivocamente limitou a isenção a pessoas singulares.
6. Tais liquidações, a prosseguirem, e sem prejuízo da necessária clarificação quanto à sua legalidade, constituirão para a indústria fonográfica nacional e para a entidade que gere os respetivos direitos uma contingência acumulada que ultrapassa os 12 milhões de Euros, o que equivale a mais de metade do volume de negócios da produção, edição e venda de música em Portugal, no ano 2011.
7. Trata-se obviamente de um volume incomportável para um sector já de si tão debilitado, pelo que, semelhante atuação, a prosseguir, levará muito provavelmente ao desmoronamento de todo o sector, com a insolvência de pequenas e médias editoras nacionais e o abandono do investimento estrangeiro na indústria fonográfica nacional.
8. Assim, são por demais evidentes as consequências negativas de tal cenário para a quantidade, diversidade e qualidade da produção musical e, logo, da cultura nacional, com reflexos que se estenderão não só à indústria fonográfica, como também a artistas e autores, desde logo pela quebra imediata de receitas de direitos de reprodução mecânica pagos pela indústria fonográfica, à respetiva entidade de gestão (a Sociedade Portuguesa de Autores) e que, entre 2008 e 2011, ascenderam a cerca de 13,7 milhões de Euros.
9. De facto estaria colocada em risco não só a continuidade da atividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos no território nacional, como também a própria edição e promoção de novas gravações musicais.
10. Sucede que para os deputados subscritores, não está de todo em causa a atribuição de um qualquer benefício ou perdão fiscal mas, outrossim, evitar que uma interpretação errada de uma norma fiscal (e que corresponde materialmente à aplicação retroativa da norma de 2012) possa deitar por terra todo o setor da produção musical nacional.

11. Aliás, esta matéria tem sido objeto de interpretações diversas por parte da Administração Fiscal (AF), nomeadamente quanto à aplicação generalizada aos direitos de autor e atividades conexas da isenção prevista no art.º 9.º do CIVA. São exemplo do referido, várias informações vinculativas da AF (por exemplo, as informações vinculativas n.ºs 1630, de 22 de abril de 1992, n.º 1700, de 12 de julho de 2001, ou a informação n.º 127, de 31 de janeiro de 2002) que confirmam a aplicação da aludida isenção aos diversos agentes do setor, inclusive àqueles que representam titulares de direitos que são pessoas coletivas.
12. Em sentido contrário, por exemplo, refira-se a informação vinculativa n.º 1900, de 09/10/2008, da Administração Fiscal e que em evidente contradição com as anteriores informações concluiu que a isenção do número 16 do art.º 9.º do CIVA não seria aplicável a autores pessoas coletivas.
13. Com efeito, mais recentemente, tem sido esta interpretação mais restritiva do normativo fiscal que sustenta vários procedimentos inspetivos da Administração Fiscal a entidades pessoas coletivas que tem por objeto a cobrança, a gestão e a distribuição dos direitos de autor e direitos conexos dos produtos fonográficos, com especial enfoque nos anos compreendidos entre 2008 e 2011.
14. Tal fato tem suscitado a incompreensão dos diversos agentes do setor e motivo para inúmeros procedimentos de reclamação, bem como coloca evidentes dificuldades também à Administração Fiscal na aplicabilidade da norma em causa do CIVA.
15. Pelo que antecede, para os deputados subscritores dos grupos parlamentares do PSD, PS, CDS-PP, PCP, BE e PEV, impõe-se uma instrução clarificadora da Administração Fiscal e que considere o sentido do legislador conferido na redação do regime de isenção previsto no atual n.º 16 do artigo 9.º do Código do IVA, compreenda a especificidade da atividade de cobrança e gestão de direitos de autor e atividades conexas, e assegure igual tratamento aos diversos agentes do setor, independentemente da natureza jurídica do titular dos direitos.

Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo:
i. Que determine uma clarificação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao regime de isenção do IVA aplicável à cobrança e gestão de direitos de autor e atividades conexas, com referência aos exercícios anteriores à vigência do Orçamento do Estado de 2012;
ii. Que no âmbito das suas atribuições e no uso das competências hierárquicas previstas da Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Ministro das Finanças proceda à suspensão das ações inspetivas e de quaisquer outros procedimentos iniciados pela administração tributária, relacionados com a interpretação fiscal do aludido regime de isenção do IVA, até que a Administração Fiscal possa tomar posição definitiva sobre o tema;
iii. Que, perante a necessidade de esclarecer retroativamente esta questão, a Administração Fiscal considere o sentido da clarificação da aludida norma fiscal realizada pela Assembleia da República na Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2013), bem como seja devidamente acautelada a especificidade da atividade de cobrança e gestão de direitos de autor e atividades conexas, e assegure igual tratamento aos diversos agentes, independentemente da natureza jurídica do titular dos direitos.
Assembleia da República, em 06 de março de 2013

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