Projecto de Resolução N.º 761/XII/2.ª

Recomenda ao Governo que altere a Sociedade Porto Vivo, SRUBP, SA, atribuindo ao Município do Porto uma posição societária maioritária, consagrando um modelo de reabilitação urbana...

Recomenda ao Governo que altere a Sociedade Porto Vivo, SRUBP, SA, atribuindo ao Município do Porto uma posição societária maioritária, consagrando um modelo de reabilitação urbana...

...que fixe os residentes e promova a reocupação populacional do Centro Histórico do Porto e garanta a liquidação prévia dos compromissos financeiros do IHRU para com a Sociedade

Em 1996, o Centro Histórico do Porto foi justamente classificado pela UNESCO como Património Mundial. As expetativas geradas por este reconhecimento mundial impunham que, depois desta distinção, pudesse ter ocorrido um impulso profundo visando responder à urgência de recuperação de uma vasta zona abandonada a décadas de degradação, que centrasse as atenções coletivas nas caraterísticas muito especiais do edificado urbano do centro histórico da cidade e no seu permanente e envolvente diálogo humano com o rio Douro, fonte e veículo de atividade económica e de geração de riqueza, e de uma enorme e diversificada imensidade de tradições e vivências.

Quase uma década depois da sua classificação como Património Mundial, boa parte das expetativas sobre uma intervenção rigorosa, ampla e eficiente na recuperação patrimonial do Centro Histórico do Porto foram sendo frustradas por causa da inépcia, da incapacidade e de uma flagrante ausência de vontade política de responsáveis municipais e governamentais. Neste lapso de tempo muito pouco se fez de concreto, enquanto os problemas naturalmente se agravaram.

Em 2004, oito anos depois, foi anunciada a criação da “Porto Vivo, SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto, SA” e com ela veio então a promessa de que finalmente estavam criados os instrumentos que iriam permitir a reabilitação do Centro Histórico do Porto e da sua área envolvente.
Hoje, quase uma década depois da criação desta sociedade e 17 anos sobre aquela histórica classificação da UNESCO, podemos constatar que a situação anteriormente descrita não só não se inverteu como evidentemente se agravou pela força inexorável da passagem do tempo, comprovando que o modelo de gestão das SRU, baseado em parceria-público privadas, não funciona, impondo-se necessidade de haver reforço do financiamento público autónomo para a reabilitação urbana.

Os problemas diagnosticados no Bairro da Sé, como o despovoamento e a degradação do edificado, foram-se alastrando progressivamente às restantes freguesias do Centro Histórico e envolvente, de S. Nicolau, Vitória, Miragaia e Santo Ildefonso. Este fenómeno é também, inevitavelmente, consequência direta da saída da população jovem que aqui nasceu e que apenas encontrou oferta habitacional compatível na periferia da cidade e nos concelhos limítrofes de Gaia, Gondomar, Matosinhos, Maia ou outros.

Alguns dados oficiais tipificam bem a situação geral que se vive no Centro Histórico do Porto e que, em muitíssimos casos traduzem situações dramáticas e humanamente insustentáveis.

No Bairro da Sé, apenas 4% da área bruta construída (2.504 m2) se encontra em bom estado de conservação, não necessitando de qualquer intervenção. Pelo contrário, os restantes 96% da área bruta construída (66.955 m2) necessitam de obra, dos quais, 46% (30.799 m2) necessitam de obras profundas.

Nos últimos 20 anos, o Centro Histórico do Porto (compreendendo a Sé, a Vitória, S. Nicolau e Miragaia) perdeu 64% da sua população residente, ou seja, perdeu população a um ritmo quase 3 vezes superior ao da cidade no seu conjunto. Mas ao contrário do que enuncia a propaganda municipal, o ritmo de perda populacional acelerou-se nos últimos 10 anos. Entre 2001 e 2011, a perda populacional foi de quase 44%, enquanto entre 1991 e 2001 a perda foi de 36%.

O próprio diagnóstico da população residente e do edificado, efetuado há pouco mais de um ano pela SRU - Porto Vivo, no seu projeto de delimitação da Área de Reabilitação Urbana (ARU) do Centro Histórico do Porto, de que seguidamente se dão algumas notas, é demonstrativo do fracasso do modelo da SRU.

Ao nível do edificado, dos 1.796 edifícios que se encontram na ARU do centro histórico, 4% (78) encontram-se em ruína, 32% (575) em mau estado de conservação, 17% (303) encontram-se integralmente devolutos e quase 73% a necessitarem de obras de intervenção ou de reconstrução. Simultaneamente constata-se a falta de equipamentos sociais, a redução dos serviços públicos (por exemplo, o fecho programado de mais 4 estações de correios no Porto e a remoção dos marcos de correio que já ocorreu e que vai deixar o centro histórico sem cobertura de serviços postais), uma deficiente capacidade de mobilidade da população residente, consequência não só da questão das cotas, mas também do tipo de oferta de transportes públicos existente e sua progressiva redução (veja-se o caso da STCP), a que acresce o facto de 41% das infraestruturas (arruamentos, etc.) terem necessidade imperiosa de intervenção urgente de reabilitação.

Ao mesmo tempo, ocorrem preços especulativos na venda e no arrendamento de habitações. No primeiro trimestre de 2010, o valor por m2 da avaliação bancária da habitação no centro histórico ultrapassara a média global da cidade do Porto (1.499 euros/m2) e, segundo a própria Câmara Municipal do Porto, o valor médio das rendas nesta zona da cidade era de 7,2 euros por m2, o que significa que uma casa de 67m2 teria uma renda média equivalente ao salário mínimo nacional.
Este pequeno diagnóstico-síntese da situação atual é a maior e melhor demonstração do falhanço das políticas de reabilitação municipal em geral e, em particular, do falhanço do modelo instrumental que criou a dita “Sociedade de Reabilitação Urbana”. Na realidade, esta “empresa” não é mais do que uma administração pública paralela que opera à margem do escrutínio público a que a ação da administração pública deve estar sujeita, nomeadamente da parte dos eleitos municipais.

Hoje em dia é penoso andar pelo Centro Histórico do Porto.

É penoso descer pela Bainharia e ver a maior parte das casas devolutas ou em ruínas e a servir de depósitos de lixo. Ou pela Pena Ventosa e pelas Aldas, onde o cenário é o mesmo.

É penoso (e perigoso) descer pela Rua dos Mercadores e ver a maior parte dos prédios escorados porque ameaçam ruína.

É também penoso andar pelas escadas do Barredo, em S. Nicolau. Mas é também escandaloso constatar que as casas que foram exemplarmente recuperadas pelo extinto CRUARB, apesar de serem propriedade municipal, estão vazias e fechadas, não sendo arrendadas às pessoas que querem continuar a residir nas freguesias onde nasceram, o mesmo acontecendo com o património edificado da Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto, que aliás se encontra em liquidação.

É penoso saber que a coligação PSD/ CDS, que além do País também governa a Câmara Municipal do Porto, para beneficiar alguns interesses particulares, ameaça expulsar moradores de vários prédios do Muro dos Bacalhoeiros e transferi-los à força para a periferia da cidade.

É cada vez mais evidente que urge alterar o modelo de reabilitação urbana posto em marcha com a criação da Sociedade de Reabilitação Urbana. Fracassou porque optou por realizar intervenções casuísticas, ao sabor de interesses particulares e dos investimentos privados de relevância que se posicionam e pretendem desenvolver estratégias próprias e parcelares de rentabilização patrimonial, em vez de realizar uma intervenção planeada, articulada com os moradores e que visasse em primeiro lugar a resolução dos problemas de degradação do edificado e das pessoas que aí residiam.

Fracassou quando introduziu um modelo alienação e arrendamento de habitação a preços claramente especulativos, impossibilitando o seu acesso à maior parte população, mas que teria ainda, como efeito perverso, a subida generalizada do preço de habitação nesta zona e levando à transferência forçada – melhor dizendo, a uma autêntica expulsão - da população residente. É o caso, por exemplo, dos preços absurdos acima dos 200 mil euros para pequenos apartamentos na Rua do Corpo da Guarda ou em Miragaia.

Esta é a lógica fundamental da atividade da SRU, que se traduz na sobreposição dos interesses particulares, ao interesse público. Aliás é sintomático que a primeira intervenção escolhida pela SRU tenha sido um quarteirão junto à Praça D. João I, onde havia interesses particulares a beneficiar, em vez de intervir nas zonas onde a intervenção era mais urgente como, por exemplo, no Bairro da Sé ou em S. Pedro de Miragaia. Uma lógica de reabilitação virada para uma intervenção macro em quarteirões inteiros, o que leva a expropriações forçadas (incluindo de pequenos senhorios) e à necessidade de investimentos e financiamentos de grande dimensão, e, consequentemente, à subordinação das opções de reabilitação aos interesses e prioridades do grande capital imobiliário e financeiro, que acaba por definir a escolha dos quarteirões a intervir e nos programas de reabilitação a implementar. Os quarteirões considerados prioritários não o são numa lógica de estratégia de cidade, definidos de forma transparente e participada, mais sim a lógica de rentabilização de negócios de privados, muitas vezes com posições já tomadas do ponto de vista da propriedade. Por isso é que não se faz qualquer intervenção nas zonas mais degradadas do Centro Histórico e se pretende operar prioritariamente nas “zonas mais nobres” da Baixa, apesar de aí as condições de conservação serem razoáveis. Esta lógica gera simultaneamente fenómenos perversos, como a persistência de prédios em estado intencional de abandono, ao longo de muito tempo, enquanto aguardam a subida dos preços de transação dos imóveis em zonas a reabilitar.

Apesar de corresponder a um modelo que serve uma perspetiva de recuperação patrimonial do edificado no fundamental ao serviço dos grandes investimentos privados, a verdade é que, mesmo assim, o processo concreto de intervenção tem decorrido muito lentamente, ficando significativamente aquém das expectativas e das necessidades da cidade, mas também acima dos próprios planos e programas anunciados pela própria Porto Vivo, SRU. De facto, dos 32 Documentos estratégicos aprovados entre 2005 e 2009, que incidiam sobre 719 edifícios, foram celebrados apenas 139 acordos de reabilitação (19%) entre a SRU e os respetivos proprietários, tendo-se iniciado apenas 101 dessas intervenções até ao transato.

Não faltam os bons exemplos de reabilitação urbana que se poderiam ter seguido, como por exemplo a ação que foi desenvolvida na cidade, e na mesma zona, pelo CRUARB na Ribeira/ Barredo, inexplicavelmente torpedeada, ou o trabalho exemplar desenvolvido no Centro Histórico de Guimarães, sob a direção criteriosa do arquiteto Fernando Távora, e que levou à sua posterior classificação como Património Mundial.

Mas não foi este o caminho que a Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, sob a batuta do PSD/CDS e dos seus sucessivos presidentes, Arlindo Cunha e Rui Moreira, decidiu encetar e desenvolver.

A reabilitação e consequente repovoamento do Centro Histórico do Porto reclama uma urgente alteração do modelo vigente de SRU e a sua substituição por um outro que dê prioridade à recuperação do “miolo” do edificado, à defesa intransigente das comunidades locais e dos seus habitantes, impedindo a sua expulsão direta ou indireta, que procure atrair nova população através de habitação disponibilizada a custos controlados e a rendas acessíveis à generalidade das famílias, promovendo um verdadeiro mercado social de arrendamento, conducente ao repovoamento do centro histórico e que simultaneamente potencie o valioso património existente na cidade e nomeadamente no seu Centro Histórico.

Apesar do fracasso evidente do modelo imposto através da Porto Vivo, SRU, e não obstante a sociedade ter ficado muito aquém dos objetivos e programas anunciados, tal facto não impediu que a SRU tivesse sempre sido objeto de um colossal esforço de propaganda de origem municipal que sempre insistiu em projetar publicamente os supostos êxitos alcançados.

Assim se construía o mito da eficiência da gestão da Porto Vivo, SRU, totalmente incompatível com uma avaliação objetiva da realidade, contradição insanável aliás muito bem atestada nas opções de natureza especulativa e antipopular da esmagadora maioria das intervenções realizadas e nos próprios números e diagnósticos que a Sociedade foi produzindo ao longo do tempo.

Também em torno, e no seio da própria Porto Vivo, SRU, desde há muito tempo se organizaram, de forma notória e visível para a opinião pública, posicionamentos pessoais envolvendo projetos políticos e partidários no contexto do desenvolvimento de guerrilhas internas em torno do poder no interior da própria coligação PSD/CDS que, não só são incompatíveis com a autoproclamada missão da SRU como constituem elementos eticamente inaceitáveis e que visivelmente contribuíram para uma mais acentuada degradação e paralisação da ação da sociedade.

Estas guerras de alecrim e manjerona foram visíveis sempre que se tratou da recondução da estrutura de direção da Porto Vivo – desde Dezembro de 2012 que a Porto Vivo está sem presidente do conselho de administração - ou sempre que, de forma recorrente e crescente, as guerras pelo poder interno na coligação municipal no poder na cidade, ou entre fações internas desavindas, se desenrolavam por causa da ausência ou dos atrasos sempre recorrentes dos pagamentos da Administração Central, via Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana – IHRU - sócio maioritário da Porto Vivo, SRU, que neste momento deve à SRU bem mais de 2 milhões de euros correspondentes às responsabilidades financeiras decorrentes da recapitalização da sociedade.

Importa neste contexto, recordar a posição do PCP e da CDU nos órgãos autárquicos da cidade do Porto, quando na altura da criação da Porto Vivo, SRU defenderam que esta sociedade deveria ser constituída com um capital social maioritariamente detido pela Câmara do Porto, de forma a que a sociedade pudesse ser acompanhada de forma direta e democrática pelos órgãos municipais que emanam da vontade expressa da população do Porto.

Importa, também neste contexto, recordar e sublinhar que o Grupo Parlamentar do PCP, interveio diversas vezes, de forma muito insistente, no sentido de dotar a reabilitação urbana do Centro Histórico do Porto, Património da Humanidade, de meios orçamentais em PIDDAC capazes de cooperar de forma sustentada no esforço municipal de recuperação patrimonial dessa zona histórica. Embora – registe-se - a quase totalidade dos que agora reclamam dotações da administração central tenham sempre rejeitado as propostas orçamentais atempadamente apresentadas pelo PCP.

Importa aproveitar este momento para voltar a insistir na urgência da criação de um outro modelo de reabilitação urbana do Centro Histórico, na dependência do Município do Porto, acompanhado e dirigido pelos seus órgãos eleitos e com meios financeiros capazes de concretizar uma reabilitação participada do edificado ao serviço da população do Porto e da sua fixação na nestas zonas históricas e da cidade, em geral.

Pelo exposto, os deputados do Grupo Parlamentar do PCP, abaixo assinados, recomendam ao Governo que:

1. Promova uma alteração da atual parceria estabelecida entre a Administração Central e a Autarquia do Porto na Porto Vivo- Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto, SA, visando consagrar uma alteração da composição societária que garanta uma posição maioritária do Município do Porto no respetivo capital social;
2. Que essa parceria adote também uma estratégia de reabilitação urbana centrada em torno da permanência dos atuais moradores e comerciantes nos espaços reabilitados, criando condições para fixar e recuperar comunidades locais, promover a reocupação habitacional do Centro Histórico do Porto e gerar um mercado social de arrendamento.
3. Que determine ao IHRU o cumprimento, com a máxima urgência, de todos os compromissos vencidos e vincendos de natureza financeira para com a Porto Vivo, Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa do Porto, SA.

Assembleia da República, em 7 de junho de 2013

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