&quot;Memória (1)&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

Numa crónica n’O Jornal de há umas duas dezenas de anos, Augusto Abelaira, queixando-se já do proibitivo preço dos livros, dizia como tal impedia aquelas fortuitas compras de obras sobre os quais tudo ignoramos, que casualmente nos tombaram sob os olhos, e acabaram peças insubstituíveis dos nossos prazeres, das nossas revelações.Os desgostos de Abelaira quanto aos preços revelaram-se quinta-feira passada, ai de mim, actuais, por alturas de uma compulsiva volta na Fnac (afinal, só ia comprar pilhas recarregáveis...). Quanto ao resto o autor do livro está longe de ser novidade – mas o alfarrábio era-o. Eduardo Gageiro pôs cá fora um álbum com o título Lisboa no Cais da Memória, que reúne fotografias tiradas entre 1957 e 1974.De uma ou duas imagens falarei amanhã mais em particular, mas houve, depois de uma partilhada noite em meticuloso folhear, duas sensações fundas até à envergonhada lágrima.Uma é que aquela é a minha Lisboa. A Lisboa dos meus 20 anos, dos meus 30 anos, esses anos em que as sensações ganham formas.Depois essa espantosa capacidade de Gageiro envolver a frontal verdade do seu olhar sobre a dureza da vida do povo numa infinda, tocante, esperançada ternura.