&quot;Do financiamento do Poder Local aos patrocínios da Mc Donald&acute;s&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

1. As finanças do poder local andam mal. E aproximamo-nos de uma fase de consideração colectiva pelos municípios de quais as melhores atitudes a tomar. No nosso ponto de vista, não pode ser posta de lado a análise concreta e quantitativa da evolução que tem vindo a sofrer o financiamento do sistema. Das causas das dificuldades. E da sustentabilidade das propostas que se avancem. A participação dos municípios nos impostos directos tem-se reduzido no último quarto de século e reduzido em relação ao PIB, às receitas e despesas públicas. Tem sido suprimidos impostos locais sem contrapartidas de financiamento. O poder local tem sido empurrado para aceitar novas atribuições sem novos meios para as exercer. Não tem sido indemnizado por isenções decretadas pelos governos. Viu serem impostos limites ao endividamento municipal no Orçamento de Estado deste ano. E aplicada uma política contra o desenvolvimento regional que limitou para muitas autarquias a importância das taxas urbanísticas. Tem assistido a isenções de taxas e a benefícios fiscais das grandes empresas das telecomunicações, de transporte de energia ou da banca. A reversão destas tendências é essencial. É aí que devemos centrar as atenções. Para não se cair da armadilha de fazer recair sobre a população o que é negado às autarquias. Para não valorizar despropositadamente o papel das taxas e tarifas municipais. Ou cair na tentação de rever direitos fundamentais e a sua universalidade com recursos a novas ou aumentos das actuais taxas e tarifas em situações de garantia de serviços públicos que têm sido gratuitos. Para não serem os municípios usados pelo governo para financiarem o Estado em nome do Pacto de Estabilidade e Convergência. Assim como é essencial que o governo, no que respeita a impostos sobre o património, reconheça os poderes próprios dos municípios, no quadro de uma harmonização de critérios, para determinar valores, isentar e tratar da reclamação. Garanta uma adequada e justa tributação do património rústico. E abrevie o cadastro para serem actualizados os impostos municipais sobre a propriedade em termos efectivamente equitativos. Os autarcas comunistas não se reconhecem na ideologia e na prática neo-liberais e numa concepção restritiva do Estado em que o poder local lhe seja exterior, e ambas as entidades exteriores aos interesses das populações que lhe estão na génese. Valorizam ser o poder local melhor gestor da coisa pública que a administração central. Encaram a participação municipal nos impostos directos como um direito consagrado e não o trocam por um qualquer subsídio que resultaria duma postura discricionária e geradora de dependência. Não encaram positivamente uma derrama sobre o IRS, novos impostos locais sobre as famílias, como contrapartidas à diminuição da participação municipal nos impostos directos 2. Mas andarem mal as finanças do poder local não quer dizer que se tomem atitudes menos dignas de sujeição a alguns patrocinadores e mecenas. Nem que os eleitos metam os pés pelas mãos quando são apanhados em falso. É o que se poderá dizer das atitudes da maioria da CML a propósito do protocolo com a Mc Donald´s e da tentativa de discriminação de crianças portadoras de deficiência. Estas linhas podem estar desactualizadas quando chegarem ao leitor. No momento em que as escrevo a sequência tinha sido a seguinte: O Sindicato dos Professores da Grande Lisboa denuncia a circular da vereadora Helena Lopes da Costa que é dirigida aos professores para cada escola indicar “2 alunos (1 rapaz e 1 rapariga) cujos nomes serão posteriormente sorteadas entra os outros representantes das restantes escolas do 1º Ciclo do ensino público de Lisboa” para “seleccionarmos os 5 participantes da nossa autarquia” ou em que a Mc Donald´s “pretende seleccionar 5 crianças da nossa cidade” num programa “denominado acompanhantes de futebol Mc Donald´s” que “ vai trazer aos relvados cerca de quinhentas crianças do nosso país”... A oposição na CML critica e exige a rectificação da posição e o PCP apela ao boicote à iniciativa se se mantiver. A vereadora tenta justificá-la. Bagão Felix atrapalha-se Afirmamos que se a vereadora mantiver a tentativa de justificar o injustificável deve ser demitida. Vários organismos procedem a idênticas críticas da atitude. Gilberto Madail diz desconhecer a questão e que tais critérios de segregação não estão em conformidade com a prática da UEFA. A Câmara do Porto diz ter recusado o mesmo protocolo e não aceitado discutir com a Mc Donald´s numa segunda abordagem. A vereadora diz que não tinha lido bem o protocolo e que, não estando afinal de acordo com ele, o revogava. Saudamos a alteração de posição. A UEFA e a multinacional da fast-food dizem, depois, citados pela LUSA, que tal exigência discriminatória nunca tinha sido feita!... Afinal quem não está a falar verdade? Afinal quem fez a exigência que transcrevemos atrás e que foi assinada pela vereadora? Mas, para além disso, a CML sujeita-se a ser um seleccionador de crianças para a Mc Donald’s? A sortear de entre os nomes indicados pelas escolas (cerca de duzentos, calculo eu) “os nomes dos 5 vencedores” a serem “anunciados ao Mc Donald´s no dia 15 de Março”? E propõe à escolas que façam uma selecção anterior a essa que coloca entre as condições “ não possuir deficiência física ou mental em virtude das necessidades de acompanhamento especial (pedido do Mc Donald´s)”? E mais uma série de exigências disparatadas que, até pelos erros de redacção da circular, revelam alguma ausência de formação escolar, sensibilidade e de sentido pedagógico? E isto tem ou não a ver com outras arremetidas do actual governo de direita e extrema direita contra a escola inclusiva? Vade retro!

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