Intervenção de

Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Preparação do futuro Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Como já foi aqui referido, V. Ex.ª começou com um lapso, pois o Sr. Ministro já veio a esta Assembleia duas vezes: a primeira, no dia 7 de Setembro, aquando de um debate agendado pelo PCP, e a segunda, hoje, neste debate de urgência, requerido pelo PSD. Ou seja, veio cá a pedido da oposição e não por sua livre iniciativa.

O Sr. Ministro não desconhece que uma das incumbências prioritárias do Estado, segundo a Constituição da República Portuguesa, é a correcção das assimetrias regionais. E este objectivo, não sendo contraditório, não é confundível com a melhoria da competitividade das regiões ou dos territórios.

Tenho de considerar que houve um progresso formal na abordagem do problema. De facto, uma primeira versão conhecida da resolução do Conselho de Ministros não falava, nas prioridades estratégicas, em correcção das assimetrias regionais; na versão final da Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2006, de 10 de Março, foi acrescentado «tendo presente a vontade de reduzir assimetrias regionais»; e, agora, no projecto de QREN, retirou-se a «vontade» e ficou apenas «tendo presente a redução de assimetrias regionais».

Mas, de facto, é apenas um problema de formalidade, porque os textos sobre enquadramento, situação portuguesa e avaliação intercalar do QCA III subestimam ou pretendem mesmo anular a existência de problemas de assimetrias regionais, em Portugal, em contradição, aliás, com um documento como o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) ou o estudo, que o Sr. Ministro conhece, sobre competitividade regional e coesão económica e social.

Há uma filosofia naqueles textos, em particular, na renovação da política regional, na abordagem das assimetrias regionais e na referência ao problema dos resultados do QCA III, que tem por fim fazer desaparecer aquela incumbência prioritária.

Nas prioridades estratégicas do QREN está presente a preocupação, mas não o objectivo, e nos compromissos de desenvolvimento não é clara nem explicitamente assumida como compromisso.

Mas fundamentalmente tal é verificável na organização operacional do QREN, em particular na distribuição do «bolo» de fundos e na governação do QREN, e ainda na forma como o QREN olha para os municípios.

Os três principais princípios orientadores, que o Sr. Ministro, aliás, acabou por referir - selectividade, concentração e viabilidade económica -, justificarão tudo o que o Governo quiser justificar em matéria de selecção e de opções de investimento.

Sr. Ministro, coloco-lhe três questões. Primeiro, veio, ou não, o Governo assumir, de facto, compromissos, objectivos e metas na redução das assimetrias regionais? Depois, como vai o Governo assegurar que, na aplicação dos fundos no interior de áreas regionais, profundamente assimétricas, como é o caso da NUTS II - Região Norte, não vai acontecer, como nos três QCA anteriores, uma distribuição polarizada pela Área Metropolitana do Porto mas, sim, uma aplicação e distribuição que corrija as assimetrias intra-regionais?

Finalmente, Sr. Ministro, como é possível que o projecto de QREN, como, aliás, o PNPOT, fale de região, de coesão do território e até de assimetrias regionais, sem falar uma única vez de regionalização?

Desistiu o Governo de fazer a regionalização na próxima Legislatura? A ineficácia do combate às assimetrias nos três anteriores QCA nada tem a ver com a ausência de regionalização, Sr. Ministro?

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

Começo por repetir o quanto é lamentável que, num assunto de tanta relevância, o Governo só venha a esta Assembleia porque a isso o forçam os grupos parlamentares da oposição. E não vale a pena falar da vinda do Sr. Ministro à Comissão, em Março. Pode ser que não seja preciso estar agendada uma audição com o Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional sobre algum assunto incómodo para o Governo para que, então, o Sr. Ministro agende, como primeiro ponto da ordem de trabalhos numa reunião de comissão, a questão do QREN.

Contrariamente a tudo o que próprio Governo decidiu, o Governo continua a marginalizar a Assembleia da República do debate, mas não só. Coloco novamente ao Sr. Ministro a questão: onde está, apesar das suas prerrogativas constitucionais, a participação do Conselho Económico e Social, que não se confunde com a sua Comissão Permanente? Onde estão os pareceres do CES sobre o projecto de QREN que nos foi entregue apenas na quarta-feira, projecto esse, que, aliás, praticamente nada acrescenta à resolução do Conselho de Ministros de Março ou à deliberação de Agosto?

É com este objectivo que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um projecto de resolução.

Na base da avaliação negativa que fazemos das orientações estratégicas traçadas para o QREN pelo Governo, e particularmente visíveis na resolução do Conselho de Ministros e na sua deliberação; na base da reflexão crítica que fazemos das orientações dos anteriores QCA; na base de um conjunto de princípios, de orientações, problemas e riscos, que o Governo assume mas não pratica, o Grupo Parlamentar do PCP propõe 10 pontos para orientações estratégicas e operacionais relativas à aplicação dos fundos estruturais no período 2007-2013 - não apenas dos fundos do QREN mas também dos fundos do Ministério da Agricultura e dos fundos das pescas -, orientações essas destinadas a combater desigualdades sociais, a reduzir assimetrias regionais e a vencer défices estruturais do País.

Delas destaco: a conformação da estratégia de desenvolvimento nacional e regional, associada à implementação do próximo QREN, do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural, do plano para as pescas, em torno de objectivos estratégicos, visando, por um lado, a redução das disparidades regionais e, por outro, a criação do emprego e a dinamização dos sectores produtivos nacionais; a definição e operacionalização de medidas específicas, visando a discriminação positiva de regiões e sectores fundamentais; a garantia de que, no âmbito do QREN, no quadro dos programas operacionais regionais, sejam definidos blocos indicativos mínimos da participação nos fundos comunitários de projectos apresentados por municípios ou agrupamentos de municípios e que a possível contratualização a ser feita pelas associações de municípios inclua, naturalmente, a componente técnica de gestão mas também o direito de intervenção em parceria no processo de decisão.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

No fim deste debate, por afirmação ou omissão, o Governo confirma os aspectos mais negativos do projecto de QREN que há muito o Grupo Parlamentar do PCP vem denunciando. Confirma uma deliberada intenção de marginalizar a Assembleia da República e, igualmente, a participação dos parceiros sociais e económicos, nomeadamente o CES (Conselho Económico e Social) e os municípios. O Governo confirma que não assume o compromisso de redução das assimetrias regionais.

O CES, em relatório de António Simões Lopes e João Ferreira do Amaral, datado de 2005, diz que a ausência de política regional que tem caracterizado a actuação dos anteriores governos não poderia levar senão a acentuarem-se as assimetrias regionais, ao ponto de já se atribuir a algumas áreas geográficas a designação de «morte social».

O Governo, com a ausência de política regional, confirma que vai prosseguir a política desses outros governos, ou seja, a «morte social» de regiões, o que é particularmente grave - veja-se o encerramento de serviços públicos, maternidades, serviços de urgências, a extinção de escolas e a nova Lei das Finanças Locais que o Governo fez aprovar ontem.

O Governo confirma o reforço da centralização e governamentalização dos fundos comunitários pela forma como encara o envolvimento dos municípios na definição do QREN, a participação financeira destes nos recursos comunitários, pela forma como estabeleceu a possível contratualização com as associações de municípios.

De acordo com a filosofia da nova Lei das Finanças Locais, o Governo continua a olhar os municípios não como estruturas de poder, autónomas, com a dignidade de entidades eleitas que a Constituição prevê mas como delegações da administração central.

O medo de «FEFinização» do QREN, Sr. Ministro, não aconteceria se existissem regiões, mas o Sr. Ministro não quer falar de regiões.

Acresce que os únicos planos de desenvolvimento integrado supramunicipais até hoje elaborados foram feitos por associações municipais, exactamente as de Setúbal, Évora e Beja, não por acaso de maioria comunista.

No projecto de QREN, o Governo aponta a coesão social como uma das prioridades estratégicas e um dos compromissos de desenvolvimento, mas tal só pode ser demagogia no contexto de políticas de redução de salários, de redução do valor de pensões, de milhares de trabalhadores desempregados, de subida dos custos na saúde e na educação, de subida, em 15%, das tarifas da energia eléctrica para a generalidade dos portugueses, que, aliás, ontem, deram um visível e expressivo sinal do seu profundo descontentamento com a coesão social que o Governo lhes propõe numa manifestação de 100 000 pessoas.

Uma redução de rendimentos em contraste com a obscenidade de lucros e de dividendos, no valor de milhões e milhões de euros, recebidos pela banca e pelos accionistas do grande capital.

Em 2005, os lucros/trabalhador das 500 maiores empresas aumentaram sete vezes mais que os salários/trabalhador. É isto coesão social, Srs. Membros do Governo?

O Governo afirma que o grande desígnio estratégico do QREN é a qualificação dos portugueses, valorizando o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a inovação. Como Srs. Membros do Governo? Com que profissionais? Com que estruturas públicas? Com os 20 000 professores que se manifestaram no passado dia 5, ofendidos, na sua dignidade profissional, pelas decisões e opções do Governo? Ou será que o Governo vai importar outros professores? Com os investigadores, cientistas e técnicos em situação precária, marginalizados do processo em curso de reorganização do sector público a nível de I&D? Com universidades que, olhando para o Orçamento do Estado para o próximo ano, dizem que não terão dinheiro para pagar salários? Com a destruição em curso dos Laboratórios do Estado?

Basta de demagogia, Srs. Membros do Governo!

 

 

 

 

 

 

 

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