Intervenção de

Protecção das mulheres vítimas de violência

 

Reforço da protecção das mulheres vítimas de violência

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

O projecto de lei que o PCP traz hoje à discussão desta Assembleia (projecto de lei n.o  657/X) tem como base um conceito de violência sobre as mulheres que vai muito para além da violência doméstica. Partindo da afirmação dos direitos das mulheres enquanto direitos humanos e rejeitando qualquer concepção de que estes são direitos transaccionáveis ou de que a sua violação pode ser temporária ou parcialmente admitida, propomos que a Assembleia da República dê um passo significativo no combate a algumas das mais perversas formas de violência que se abatem sobre as mulheres. Julgamos mesmo ser apropriado lembrar hoje a Declaração e Plataforma de Acção de Viena, de 1993, quando diz que «os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis, integrais e são uma parte indivisível dos direitos humanos universais.

A violência baseada no sexo e todas formas de perseguição e exploração sexual, incluindo aquelas resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas».

O projecto de lei que apresentamos abrange, por isso, várias dimensões de violência sobre as mulheres. Propomos que questões como a prostituição, o tráfico para fins de exploração sexual ou a violência no local de trabalho não fiquem de fora deste combate mais alargado que é preciso mover contra a violência que se exerce sobre as mulheres. As medidas que propomos estão relacionadas com a prevenção da violência, mas também com a protecção e o apoio às mulheres vítimas dessa violência. Consideramos que não basta repetir o discurso da mudança de mentalidades; é preciso pôr fim à minimização do papel da mulher e ter em conta um quadro mais geral do seu estatuto social.

É preciso considerar a adopção de políticas sectoriais que garantam às mulheres o acesso à justiça e aos tribunais, à saúde, ao emprego, à segurança social, e que ponham fim às discriminações salariais ou à violação dos direitos de maternidade.

É preciso que o Estado assuma as suas responsabilidades e crie condições para que as mulheres consigam romper o ciclo de violência de que são vítimas, ultrapassando os obstáculos de natureza económica, social e cultural que as impedem de fazê-lo.

O projecto de lei que apresentamos parte do quadro legal resultante da Lei n.º 61/91, aprovada na sequência de um projecto de lei do PCP, reforçando as medidas de protecção das mulheres vítimas de violência.

Em primeiro lugar, definimos um conceito alargado de violência sobre as mulheres que abrange os actos de violência física, psicológica, emocional ou sexual e as práticas e actos de natureza discriminatória que violem direitos fundamentais ou que limitem a liberdade e a autodeterminação das mulheres.

Em segundo lugar, atribuímos ao Estado a responsabilidade que lhe deve caber na criação e no funcionamento de estruturas destinadas à prevenção da violência e à protecção e apoio das mulheres que dela são vítimas, bem como do seu agregado familiar.

Propomos, neste âmbito, a criação de uma rede institucional pública que integre as estruturas nacionais e locais no combate à violência e no apoio às mulheres que dela são vítimas, envolvendo diversas entidades e instituições, à semelhança do que acontece com as comissões de protecção de crianças e jovens.

Ainda no âmbito desta rede pública, propomos a intervenção concreta dessas estruturas locais com vista à reinserção social dos agressores.

Quanto às condições de autonomia e independência económica das mulheres vítimas de violência, propomos a instituição de uma prestação paga pela segurança social num montante equivalente ao indexante de apoios sociais, entre outras medidas.

Relativamente à violência no local de trabalho, propomos medidas que permitam a transferência das mulheres que dela sejam vítimas, bem como a não consideração das faltas ao trabalho decorrentes de situações de violência.

Entendendo que em matéria penal e processual penal apenas há que corrigir alguns problemas resultantes das últimas revisões dos Códigos Penal e de Processo Penal (como ficou claro da intervenção do Sr. Secretário de Estado), propomos medidas de formação específica de magistrados, advogados e órgãos de polícia criminal.

Por último, consideramos igualmente importante reforçar os meios técnicos e humanos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego de forma a criar melhores condições para a sua actuação.

Com este projecto de lei, o PCP assume, uma vez mais, perante as mulheres portuguesas o compromisso de sempre com a sua luta e a sua proposta intervir no combate às desigualdades e discriminações de que são vítimas, tendo como horizonte uma sociedade liberta de concepções retrógradas, que reservam às mulheres um lugar ditado pela necessidade de manutenção da exploração, da acumulação e do lucro, luta de bem mais de uma década.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Depois de ouvir as intervenções das Sr.as Deputados do Partido Socialista que comentaram o projecto de lei do PCP, só as posso compreender por desconhecimento e por pouca preparação. Se se tivessem dado ao trabalho de ler o título do projecto de lei, veriam que ele não se quer limitar à violência doméstica; é um diploma que se refere à violência sobre as mulheres. Portanto, é mais abrangente e vai muito para além da violência doméstica. Por outro lado, se tivessem lido o preâmbulo, tinham percebido que fazemos aqui a análise das situações existentes em relação às casas de abrigo e, se tivessem lido o articulado, teriam percebido, Sr.ª Deputada Paula de Deus, que há um artigo 12.º, que tem como epígrafe «Apoio às mulheres e ao agregado familiar».

Veja lá como não nos esquecemos dos jovens que integram o agregado familiar!

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei que apresentámos é, de facto, um diploma mais abrangente, que vai para além da violência doméstica.

E isto, porque, Sr.ª Deputada Ana Maria Rocha, se se tivesse dado ao trabalho de ler o parecer que a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas fez sobre um projecto de lei do Bloco de Esquerda que, recentemente, esteve em discussão, tinha percebido que esta Associação diz: «Referirmo-nos à violência doméstica como um fenómeno que incide sobre os dois géneros, escondendo que a sua incidência principal é sobre as mulheres, é escamotear aquilo que é uma marca fundamental neste fenómeno».

E aquilo que acontece em relação à violência doméstica acontece também em relação ao tráfico para fins de exploração sexual, em relação à prostituição e em relação à violência no local de trabalho.

Sr.ª Deputada, quero deixar aqui, muito rapidamente, alguns números: a Organização Internacional das Migrações aponta que a prostituição infantil aumentou de 5000 crianças, em 1995, para 15 000, em 2001; um relatório da UNICEF afirma que, de 1995 a 2005, foram traficadas 100 000 mulheres e raparigas albanesas para a Europa Ocidental e para os países balcânicos, e isto apenas de um país; e há também relatórios internacionais que apontam para milhões de raparigas e jovens que são traficadas com fins de exploração sexual.

É por isso que o nosso projecto de lei engloba também estas realidades, porque são realidades fundamentais, às quais é preciso e urgente dar combate.

Para terminar, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP tem um longo património de intervenção parlamentar naquilo que se refere à violência doméstica.

A Lei n.º 61/91 resulta de um projecto de lei que apresentámos em 1989 e, quando foi alterado o Código Penal de 1982, no sentido de alterar o carácter, que era público, do crime da violência doméstica, nós votámos contra e apresentámos propostas de alteração, tal como fizemos novamente em 2000.

Aquilo que lamentamos, verdadeiramente, é esta postura hoje do Partido Socialista, que, fazendo loas a uma proposta de lei que se limita a incorporar as soluções já existentes legalmente e em inovar mal aquilo que aponta como verdadeira inovação, acaba por afrontar todos os projectos de lei que são apresentados por parte da oposição, nomeadamente o do PCP, que permitiria dar um salto significativo em frente no combate à violência sobre as mulheres, que integra - é certo - a violência doméstica, mas integra também muitas outras realidades que os senhores insistem em ignorar.

 

 

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República
  • Intervenções