Intervenção de

Proposta de resolução n.º 137/VII, que aprova o Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico<br />Interven??o da deputada Luísa

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de passar a dar a nossa opinião sobre esta matéria, devo dizer que teria sido muito importante, para que pudéssemos, de algum modo, opinar acerca desta proposta de alteração que estamos a discutir, que o Sr. Secretário de Estado começasse por informar esta Assembleia do estado do Acordo. Contactando algumas das partes interessadas, contactando algumas academias e algumas instituições, normalmente a resposta que ouvimos é esta: mas ainda há acordo? Estávamos convencidos de que não! Que tinha caído em 1991, depois em 1994 e que já não existia! Portanto, era extremamente importante que o Sr. Secretário de Estado, em vez de nos ler os artigos sujeitos a alteração - que todos nós já lemos, porque sabemos ler -, nos tivesse dito exactamente em que estado está o Acordo. Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, estamos aqui a incorrer, mais uma vez, numa concepção que, na nossa perspectiva, é incorrecta e que está nem mais nem menos na continuidade da que ocorreu em 1991, ou seja, a entregar a esta Assembleia uma decisão meramente política por se considerar que esta Câmara é incapaz de encontrar soluções técnicas e muito menos linguísticas. De facto, em 1991, foi entregue a esta Casa uma mera decisão política que, apesar de tudo - e quem ouviu a discussão de 1991 apercebeu-se disso -, teve uma discussão acalorada, aprofundada, que conseguiu encontrar algumas incongruências, alguns erros, algumas metodologias perfeitamente incorrectas na construção do Acordo. Para além disso, e acima de tudo, foi reconhecido por muitos Deputados desta Casa de que tinha havido uma atitude e um pragmatismo político que tinha apostado, fundamentalmente, no sigilo e no constrangimento para encontrar o resultado político do Acordo e que desse sigilo e desse constrangimento tinham sido afastados professores, linguistas, editores, livreiros e muita e muita gente de reconhecido mérito que poderia, de alguma forma, ter ajudado na construção desse mesmo Acordo. Compreendo as preocupações do Sr. Deputado Rosado Fernandes quando - penso ter entendido isso -, numa perspectiva maximalista da defesa da dinâmica e do fluir natural da língua como organismo vivo, entende que um acordo, pela sua característica pertinentemente clássica e, de algum modo, rígida e pouco ecléctica, pode ser um obstáculo de tal maneira firme que possa pôr em risco aquilo que é a dinâmica, aquilo que é o carácter fluído e em contínua mutação de um organismo vivo, que é a língua. Mas nós temos aqui - e permitir-me-á que, neste aspecto, discorde daquilo que afirmou - uma situação extremamente peculiar. Tal como se dizia na altura, a proposta política tinha como pressuposto mais profundo o princípio de que este Acordo pretendia a defesa da língua portuguesa no mundo, no mundo que era, simultaneamente, o espaço da lusofonia. Penso que o erro foi tamanho, porque pretendia defender-se um espaço da lusofonia mas não havia uma política da língua portuguesa e não se pode defender espaços, por mais bonitos que eles nos pareçam, por mais interessantes que eles nos pareçam, por mais que nos pareça haver alguma pretensa neocolonização desses mesmos espaços, quanto mais não seja a partir da própria introdução da defesa da língua portuguesa, quando não há uma política da língua, quando não há uma política do livro, quando não há os pressupostos fundamentais para a defesa dessa mesma postura e dessa proposta política. Esta era a realidade, Sr. Secretário de Estado, de 1991, altura em que, de forma tempestiva, apressada, em dois ou três meses, se pressionou esta Câmara para tomar uma decisão. Nós, desta bancada, chamámos a atenção para aquilo que considerávamos ser o paradoxo da data, pois havia experiências, como já aqui foi referido, nomeadamente a inglesa e a francesa - países que foram confrontados muito antes de Portugal com o fim do colonialismo -, que, com muito mais condições, com muito mais tempo, com muito mais espaço temporal, com muito mais material didáctico e de apoio para resolver problemas desta natureza, precisaram de muito mais tempo para discutir estas questões. Portugal resolvia esta questão em dois ou três anos, o que era perfeitamente irrealista. Só uma decisão de cariz perfeitamente político é que poderia determinar uma decisão temporal tão tempestiva sem o mínimo rigor, sem a mínima "cientificidade", sem a mínima capacidade de enfrentar e de equacionar as condições não só as vigentes em Portugal mas também as vigentes nos próprios países nos quais apostávamos, concretamente Cabo Verde, Guiné-Bissau, etc. Claro que o tempo veio dar-nos razão. Tudo aquilo que dissemos em 1991 podemos confirmá-lo hoje. De tal maneira é verdade e pertinente aquilo que dissemos em 1991 que o Sr. Secretário de Estado achou por bem iniciar a sua intervenção lendo as alterações aos artigos sem nada nos ter dito acerca do estado da situação. Isto porque não há estado, porque não há situação! Aquilo que se pede hoje, mais uma vez, a esta Assembleia é um papel de menoridade que passa, exclusivamente e tão-só, por isto, Sr. Secretário de Estado: que esta Assembleia, que tinha colocado e aprovado duas datas nos artigos 2.º e 3.º de uma proposta de resolução de 1991, torne enxuto o texto no que se refere a datas, limpe o texto das duas datas que estão presentes nesses artigos. Ou seja, a partir de agora, nós temos Acordo e não temos Acordo. Não podemos dizer que não temos, porque num texto onde não é possível e passível a data do compromisso também o compromisso não deixa de ser assumido, porque também não há pecado, porque também não há data! Portanto, aquilo que podemos acabar por fazer nesta Casa, se admitirmos assim e tão-só esta discussão, é, de algum modo, a diluição de um conteúdo que já estava diluído por inoperância e ineficácia. Sr. Secretário de Estado, como a votação desta proposta de resolução só se vai realizar amanhã, sugiro que traga a esta Casa alguns dados que nos permitam não brincar acerca de um assunto demasiado sério, que é a defesa da língua portuguesa no mundo e a sua aposta no espaço da lusofonia, mas ter condições sérias para discutir, por forma a que este debate não passe apenas pela limpeza de datas num texto cujo pressuposto é demasiado sério para podermos brincar com ele.

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