Projecto de Resolução N.º 1261/XII/4.ª

Propõe a realização de uma Conferência Intergovernamental destinada a debater o problema das dívidas públicas dos Estados-membros da União Europeia e a iniciar o processo de revogação do Tratado Orçamental

Propõe a realização de uma Conferência Intergovernamental destinada a debater o problema das dívidas públicas dos Estados-membros da União Europeia e a iniciar o processo de revogação do Tratado Orçamental

A dimensão colossal da dívida pública portuguesa resulta e é a face visível de um conjunto de opções lesivas do interesse nacional, tomadas ao longo de mais de três décadas por sucessivos governos da política de direita, entre os quais se destacam a desindustrialização, a desvalorização da agricultura e das pescas, o abandono do aparelho produtivo, a redução do mercado interno, as privatizações, a crescente financeirização da economia, o favorecimento do grande capital, a submissão às imposições da União Europeia e dos monopólios nacionais e estrangeiros, e a adesão ao Euro.
O crescimento da dívida pública nacional, que antes da adesão ao Euro se encontrava abaixo dos 60% do PIB, conheceu uma dramática aceleração em consequência da resposta dada nas principais economias capitalistas e também em Portugal ao agravamento da crise estrutural do sistema capitalista expressa de forma acentuada a partir de 2007-2008: uma maciça intervenção dos Estados, empenhados em salvaguardar a todo o custo a hegemonia do capital financeiro, apresentado a fatura, pesadíssima, aos trabalhadores e aos povos.
Em resultado desta intervenção, as contas públicas enfrentaram sérias dificuldades, logo aproveitadas pelo sistema financeiro para, em 2010, lançar contra a dívida soberana do nosso País um ataque especulativo e predatório. Em consequência a dívida pública (na ótica de Maastricht) disparou, passando de 83,6% do PIB (€ 146.691 milhões) no início de 2010, para 128,9% do PIB (€ 225.181 milhões) no final de 2014. Em apenas 5 anos a dívida pública cresceu 78.490 milhões de euros (+53,5%).

Fonte: AMECO
Os juros e outros encargos anuais com a dívida pública também cresceram de forma acentuada nos últimos quatro anos, prevendo-se que superem os 8 mil milhões de euros em 2015 (superior ao orçamento do Serviço Nacional de Saúde e mais do dobro do investimento público previsto para o ano). A própria Comissão Europeia reconheceu, em resposta a uma pergunta colocada pelo PCP, que de 2014 a 2020 Portugal terá que pagar cerca de 60.000 milhões de euros de juros da dívida pública, ou seja, mais de 8.500 milhões de euros por ano, em média.

Fonte: AMECO
A solução para travar este crescimento exponencial da dívida e respetivos encargos anuais passava, tal como proposto pelo PCP em abril de 2011, pela renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes. Contudo, o PS, o PSD e o CDS, rejeitando a proposta do PCP, optaram, em alternativa à renegociação da dívida, por assinar o Memorando da Troica com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
Os acontecimentos dos últimos quatro anos vieram dar razão ao PCP. O País foi sujeito a um brutal programa de «ajustamento», que acentuou a exploração dos trabalhadores, empobreceu as populações e afundou a economia nacional, sem que o problema da dívida fosse resolvido. Pelo contrário, o País está hoje mais endividado e mais dependente do que no início do Programa da Troica.
O serviço da dívida pública restringe brutalmente a capacidade de investimento do País e a capacidade de o Estado cumprir as funções e competências constitucionalmente atribuídas, pelo que é uma necessidade e um imperativo nacional proceder à renegociação da dívida, nos moldes propostos pelo PCP.
Sem a renegociação da dívida, ganham os banqueiros, os especuladores, os grandes grupos económicos e financeiros, e o grande capital nacional e transnacional.
Sem a renegociação da dívida, perdem os trabalhadores, os reformados e o povo português, que pagam com os cortes nos salários, nas reformas e nas pensões, nas prestações sociais, nos rendimentos, na saúde, na educação, na ciência, na cultura, nos serviços públicos, com a degradação do poder de compra, dos níveis de vida, dos direitos laborais e cívicos, com o desemprego, a precariedade, a emigração forçada, o empobrecimento e a miséria.
Sem a renegociação da dívida, perdem a economia nacional e o País, com a entrega ao desbarato de recursos, patrimónios, empresas estratégicas, serviços públicos e centros de decisão, com a degradação do investimento, da capacidade instalada, da produção e da atividade económica, com a recessão e a estagnação económicas, com a destruição de postos de trabalho, de qualificações profissionais, e de milhares de pequenas e médias empresas, com a alienação crescente da riqueza produzida no País, com a deterioração da autonomia e soberania nacional, da vida democrática, da segurança e da tranquilidade pública e da salvaguarda ambiental.
O processo de renegociação da dívida pública – nos seus prazos, juros e montantes – deve ter como objetivo assegurar o direito a um desenvolvimento soberano e sustentável. Um processo que reclama o apuramento formal da origem da dívida, do tipo de credores atuais e a perspetiva da sua evolução; que considere a possibilidade de uma moratória libertando o país de um sufocante serviço da dívida; que envolva um serviço da dívida compatível com o crescimento e desenvolvimento económico; que envolva a salvaguarda da parte da dívida dos pequenos aforradores e daquela que está na posse da Segurança Social, do sector público administrativo e empresarial do Estado e dos setores cooperativo e mutualista; que envolva a intervenção junto de outros países que enfrentam problemas similares da dívida pública, designadamente no plano da União Europeia; que assegure uma efetiva diversificação das fontes de financiamento do país, a começar no plano interno pelo estímulo à aquisição de títulos do tesouro e certificados de aforro, sem esquecer os acordos bilaterais e multilaterais mutuamente vantajosos com outros países.
O País perdeu muito por, ao longo dos últimos quatro anos, não se ter tomado a iniciativa de renegociação da dívida, mas pode perder muito mais se se persistir na recusa de proceder a esta renegociação.
Apesar do fim formal do Programa da Troica, em maio de 2014, o Governo pretende perpetuar a política de exploração, empobrecimento e desastre nacional, usando para o efeito outros instrumentos de submissão, entre os quais avulta o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental).
Este Tratado, imposto pelos poderes dominantes da União Europeia e assumido em Portugal pelo PS, PSD e CDS, revela a natureza e os objetivos da designada construção europeia, direcionada e concebida como um espaço de domínio dos grandes monopólios transnacionais, orientada para a concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa e em instituições supranacionais distantes do controlo dos povos, à custa da erosão da democracia e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos.
As disposições do Tratado Orçamental são gravosas e irrealistas. Relativamente à dívida pública exigem a sua redução, após a conclusão do Procedimento por Défice Excessivo, para 60% do PIB em 20 anos. Para que isto se pudesse verificar seria necessário assegurar, durante esses 20 anos, um saldo orçamental primário anual médio de +3,5% do PIB.
Após quatro anos de uma brutal política de austeridade, levada a cabo no âmbito dos PECs e do Programa da Troica, o saldo primário em 2014, de acordo com dados provisórios, será de apenas +0,3%. Para atingir os valores exigidos pelo Tratado Orçamental seria necessário continuar e aprofundar a política de austeridade, condenando Portugal a uma profunda regressão social e civilizacional e o povo português a um empobrecimento inimaginável.
Na realidade, os partidos subscritores do Tratado Orçamental, sabendo que as metas deste Tratado não são alcançáveis, o que pretendem ao defender a sua aplicação – mesmo que numa leitura «flexível e inteligente» – é condicionar, de forma inaceitável, o direito do povo português a optar e decidir de forma soberana sobre o seu futuro coletivo, impondo a continuação da política de exploração, empobrecimento e desastre nacional levada a cabo nos últimos anos.
O PCP, rejeitando liminarmente o caminho de abdicação e submissão nacional, de retrocesso económico e social, de liquidação de conquistas e direitos políticos, de amputação significativa da soberania nacional e de eternização das políticas de empobrecimento na linha dos PECs e do Programa da Troica, já havia proposto, no âmbito do Projeto de Resolução n.º 1120/XII/4.ª, “Renegociar a dívida, preparar o País para a saída do Euro e retomar o controlo público da banca para abrir caminho a uma política soberana de desenvolvimento nacional”, apresentado em setembro de 2014, a realização de uma conferência intergovernamental para a revogação e suspensão imediata do Tratado Orçamental, a revogação da União Bancária, a revisão do papel do Banco Central Europeu, a abordagem do processo de dissolução da União Económica e Monetária e a extinção do Pacto de Estabilidade, e a criação de um programa de apoio aos países cuja permanência no Euro se tenha revelado insustentável.
Os mecanismos de submissão impostos no âmbito da designada construção europeia colocam um conjunto de Estados-membros da União Europeia em circunstâncias idênticas à de Portugal, amarrando-os a uma política que impede o crescimento e o desenvolvimento económicos e que acentua a exploração, o empobrecimento e a dependência.
Uma ação convergente com estes países, tal como o PCP vem propondo desde abril de 2011, é essencial para encontrar soluções para problemas comuns, inserindo-se neste objetivo a realização de uma conferência intergovernamental para debater o problema das dívidas públicas dos Estados-membros da União Europeia e a revogação do Tratado Orçamental.
Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução
A Assembleia da República resolve:
1. Defender a renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, com o objetivo de reduzir substancialmente o seu volume e os seus encargos anuais, compatibilizando o serviço da dívida com o desenvolvimento económico e social;
2. Defender a imediata suspensão e posterior revogação do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental);
3. Recomendar ao Governo a realização das diligências necessárias, junto dos Estados-membros da União Europeia, para a convocação de uma Conferência Intergovernamental destinada a debater o problema das dívidas públicas dos Estados-membros da União Europeia e a iniciar o processo de revogação do Tratado Orçamental.

Assembleia da República, em 13 de fevereiro de 2015

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