Projecto de Resolução N.º 226/XIII/1.ª

Propõe a adoção pelo Estado português de um Plano de Ação Nacional e Internacional para a Extinção dos Centros off-shore

Propõe a adoção pelo Estado português de um Plano de Ação Nacional e Internacional para a Extinção dos Centros off-shore

Exposição de motivos

A informação revelada na sequência do chamado caso “Panama Papers”, acerca de personalidades e empresas envolvidas na utilização de entidades sedeadas em centros off-shore no Panamá, permitiu retomar a discussão em torno da existência destes centros, das práticas que ocultam e dos propósitos que servem.

Estamos ainda longe de conhecer toda a extensão das práticas e montantes associados a entidades off-shore no Panamá – quanto mais a extensão de todo o problema a nível mundial!! – e não é ainda possível determinar com rigor quais os propósitos que serve a divulgação seletiva e parcial da informação recolhida a partir do acesso a ficheiros de uma empresa panamiana – a Mossack Fonseca – por parte de um consórcio internacional de jornalistas financiado por grandes corporações norte-americanas.

Entretanto, estas revelações confirmam muito daquilo que já se sabia acerca do papel dos centros off-shore no funcionamento do capitalismo, dos fins que servem estes centros off-shore, das práticas que ocultam relativamente à fuga aos impostos e ao financiamento de atividades ilícitas, bem como quanto à configuração que assumem de forma a evitar qualquer tipo de escrutínio, particularmente por parte das autoridades judiciárias ou com competências de regulação e supervisão de âmbito nacional ou internacional.

Confirmando que os centros off-shore constituem parte integrante do funcionamento do sistema capitalista, que operam em plena integração com os objetivos de acumulação de capital que lhe são inerentes e que os problemas que lhe estão associados assumem uma dimensão global, nenhum destes factos desobriga qualquer país de desenvolver uma firme ação nos planos nacional e internacional para pôr fim à existência destes centros off-shore e dar combate às práticas que lhes estão associadas.

A revelação dos documentos no âmbito dos “Panama Papers” confirma apenas parte dos contornos do problema, sendo certo que não se trata de uma realidade exclusiva daqueles centros off-shore nem sequer envolvendo apenas as entidades que entretanto foram identificadas.

Inúmeros exemplos confirmam a utilização de centros off-shore por grupos económicos e financeiros, outras organizações e titulares de fortunas que, na busca de rendas máximas ou da ocultação da proveniência ou destino do capital, desenvolvem operações de planeamento e engenharia fiscal, de “circularização” ou branqueamento de capitais visando aumentar os lucros além das limitações e imposições legais e fiscais dos países em que operam, bem como financiar ou obter proveitos da atividade criminosa. A constituição de contas bancárias, empresas, veículos de finalidades especiais em instituições bancárias situadas em paraísos fiscais são um expediente comum dos grupos económicos e titulares de fortunas que, com titularidade assumida ou oculta, utilizam essas plataformas para criar esquemas complexos de fuga aos impostos ou de branqueamento de capitais, bem como para concretizar operações financeiras entre empresas de forma a inflacionar artificalmente os lucros ou ocultar dívida, como as conhecidas operações de round-tripping ("ida e volta").

Portugal tem sido confrontado com o papel dos paraísos fiscais e das contas, empresas e veículos off-shore ("fora da costa") ao longo dos tempos e tem vindo a sofrer os efeitos do desvio, branqueamento de capitais e fraudes fiscais envolvendo a riqueza gerada em Portugal, realidade com dramáticas consequências para cidadãos, empresas e instituições bancárias, cuja instabilidade, pela dimensão que atingiram no contexto das políticas desenvolvidas por sucessivos governos PS, PSD e CDS, ameaça a própria estabilidade da economia e do sistema financeiro nacional. Segundo cálculos recentes e pessimistas de um especialista só na Suíça estarão parqueados cerca de 30 mil milhões de euros de cidadãos ou entidades nacionais, e não será difícil supor que nos outros paraísos fiscais, estarão volumes largamente superiores a 100 mil milhões de euros!

Várias questões se levantam, do ponto de vista prático, sobre a eficácia de um sistema fiscal e de um sistema jurídico e financeiro que se dizem vigilantes mas que coexistem com zonas onde nem a lei fiscal, nem as autoridades judiciárias ou sequer a supervisão financeira podem entrar. Evidentemente, do ponto de vista ideológico torna-se evidente que a existência de regimes não cooperantes, de paraísos fiscais ou centros off-shore, apesar de servir os interesses de acumulação dos grandes grupos económicos e financeiros e outras organizações choca com a sua propaganda de disciplina e transparência corroborada pelos estados em que a política se submeteu ao poder económico e financeiro, sendo que prevalece invariavelmente o interesse da acumulação sobre quaisquer outros. Não se trata de uma questão de moral ou da boa ou má-fé de um ou outro indivíduo, trata-se da natureza intrínseca do capital, que busca incessantemente a acumulação, o aumento dos proveitos e a sua cada vez mais concentrada distribuição.

Ora, tem sido várias vezes afirmado por sucessivos governos que a existência de paraísos fiscais ultrapassa a capacidade de intervenção e decisão de um só estado, assim desresponsabilizando cada governo da República Portuguesa pela existência de paraísos fiscais e a sua utilização para constituição de contas bancárias, empresas e veículos de propósitos especiais off-shore que, objetiva e comprovadamente, são utilizados para lesar o Estado e drenar recursos da economia de forma não detetável e muitas vezes nem sequer rastreável. Neste contexto, qualquer propaganda sobre branqueamento de capitais, fraude fiscal ou fuga de capitais, não passa disso mesmo e esbarra na impossibilidade gerada pela exclusividade mútua que existe entre transparência e off-shores.

Se é verdade que um Governo não pode decidir o fim dos paraísos fiscais além das suas fronteiras, não é menos verdade que um Governo tem toda a legitimidade para pugnar pelo seu fim junto dos restantes estados e instituições internacionais, nomeadamente União Europeia e Nações Unidas, seja pela negociação, seja pela subscrição ou conceção de tratados internacionais no sentido de combater a existência de jurisdições não cooperantes e de sedes fiscais incompatíveis com as necessidades de financiamento dos Estados em que operam as empresas correspondentes. Além disso, cada Governo tem plena capacidade para, na sua própria sede, impedir o envolvimento de paraísos fiscais e jurisdições não cooperantes em fluxos financeiros ou operações que envolvam riqueza gerada nos seus territórios ou com os seus recursos.

Se só uma ação concertada entre Estados pode impedir o recurso a sociedades ou contas off-shores, (e outros instrumentos da Banca Sombra) então o Governo português, até pelas sucessivas ondas de choque sofridas pelas implosões de instituições bancárias e de grandes empresas – de que é exemplo impressivo o caso do GES/BES e também do BPN - tem o dever de combater ativamente, nos planos nacional e internacional e no âmbito das normais relações entre Estados, a constituição e utilização de paraísos fiscais, verdadeiras câmaras obscuras da economia e da finança.

A natureza global do capitalismo, a banalização da utilização de plataformas off-shore para esconder a riqueza, muitas vezes amassada de formas inescrutináveis, não pode servir de pretexto para a tolerância perante as operações que sucessiva e persistentemente lesam o interesse nacional em dimensões várias, com prejuízo para a receita fiscal e para a economia nacional. Ultrapassar o constrangimento da dimensão global do problema implica pois que o Estado português inicie um plano de ação nacional e internacional para estabelecer as regras e as metas que conduzam ao fim da constituição e da atual existência de paraísos fiscais, assim também contribuindo decisivamente para estimular o fim da não cooperação de algumas regiões ou jurisdições que as usam como forma de captação de recursos num contexto de concorrência destrutiva que prejudica o conjunto das populações, dos estados e até das economias, unicamente em benefício dos grandes grupos económicos e financeiros e outras organizações ou mesmo apenas em benefício de alguns dos seus acionistas ou dos titulares, muitas vezes ocultos, das empresas, contas e veículos sedeados "fora de costa".

Registe-se por fim que o Governo que tem sido muito ativo a propagandear e exibir o combate à prevaricação dos agentes económicos de pequena dimensão, nada diz ou informa sobre a grande criminalidade fiscal, ou evasão através do planeamento fiscal agressivo, com recurso aos mecanismo atrás descritos, apesar dos avisos e recomendações de diversos órgãos do Estado português e mesmo com origem em instâncias da União Europeia.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do nº 1 do artigo 4º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte

Projeto de Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo:

1 - A adoção das iniciativas políticas e diplomáticas, nomeadamente junto da UE e da ONU, necessárias à extinção dos centros off-shore;

2 - A definição, para os efeitos previstos no número anterior, de centro off-shore como o território, nacional ou estrangeiro, caracterizado por atrair um volume significativo de atividade económica ou financeira com não residentes em virtude, designadamente, da existência de uma das seguintes circunstâncias:

a) regimes menos exigentes de supervisão ou de obtenção de autorização para o exercício de atividade;
b) regime especial de sigilo bancário;
c) condições fiscais que determinem a classificação como país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável, nos termos previstos pela Lei Geral Tributária; ou
d) legislação diferenciada para residentes e não residentes ou facilidades na criação de veículos ou entidades de finalidade especial (special purpose vehicles - SPV; special purpose entities - SPE);

3 - A realização de diligências junto das autoridades judiciárias, das entidades com competências de regulação e supervisão e outras que se entenda relevantes, com vista à aferição do cumprimento das regras legais ou regulamentares em vigor e da adequação dos mecanismos e meios existentes para o combate à criminalidade económica e financeira, designadamente de combate à fraude e evasão fiscal, ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo;

4 - A apresentação à Assembleia da República, no prazo de 90 dias, de um programa de iniciativas, no plano nacional e internacional, de intervenção política e diplomática do Estado português visando a extinção dos centros off-shore, prevendo designadamente:

a) as medidas legislativas necessárias à extinção do centro off-shore da Madeira;
b) os mecanismos de consulta e articulação com entidades nacionais de supervisão e regulação, bem como com as autoridades judiciárias nacionais;
c) a apresentação de relatórios periódicos de balanço da ação política e diplomática desenvolvida.

Assembleia da República, em 6 de abril de 2016

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