Projecto de Resolução N.º 388/XI-1ª

O Pronto-Socorro rodoviário como serviço prioritário, de interesse público

O Pronto-Socorro rodoviário como serviço prioritário, de interesse público

1. A prestação de serviços através de veículos pronto-socorro, vulgo rebocadores, constitui hoje, no quadro de elevado fluxo de veículos, quando não congestionamento rodoviário, uma atividade essencial para a manutenção da fluidez, regularidade e segurança de trânsito. O que está em causa, para veículos e cidadãos, quer seja na circulação rodoviária no interior das localidades, quer nas estradas nacionais e municipais, quer nas auto-estradas, sempre que se verificam situações de avaria, acidentes de viação ou mesmo acontecimentos meteorológicos e outros, que perturbam as condições ótimas de circulação.
É uma atividade que, para lá do enquadramento empresarial económico, tem um relevante interesse público, desempenhando os seus veículos funções semelhantes a veículos de proteção civil ou de bombeiros.
Devem, assim, ser criadas todas as condições para que possa ser desempenhado com prontidão, qualidade e eficiência, e assegurando a sustentabilidade das empresas que o prestam.
2. O quadro legal que regulamenta a atividade dos prontos-socorros é o constante do Decreto-Lei n.º 193/2001, de 26 de Junho, que estabelece o regime de acesso e exercício dessa atividade. Quadro completado com outra legislação e normativos, caso do Decreto-lei n.º 239/2003, de 4 de Outubro, que estabelece o regime jurídico do contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias, alterado pelo Decreto-Lei n.º 145/2008, de 28 de Julho, impondo que na remuneração do contrato de transporte o preço do transporte seja calculado com base no preço de referência e tipo de combustível necessário à realização da operação, aplicável aos veículos de pronto-socorro, nos termos do Artigo 2.º do referido Decreto-Lei n.º 145/2008. Caso do Regulamento n.º 561/2006, de 15 de Março (dispensando a veículos pronto-socorro o uso de tacógrafo), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho (transpôs a Diretiva 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Março) e da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, que regulamentam horários e registo de atividade dos trabalhadores afetos a esta atividade.
Ora, esta legislação está longe de constituir um quadro legal, coerente e integrado, capaz de responder às atuais necessidades da atividade de pronto-socorro, como serviço prioritário e de interesse público. Antes se mostra insuficiente e contraditório, incapaz de responder à especificidade da atividade e permite que da parte das empresas (Agências de Assistência em Viagem) intermediárias entre os cidadãos proprietários dos veículos e as empresas que prestam o serviço de desempanagem e rebocagem (empresas de pronto-socorro/rebocadores), quer mesmo da parte de agentes do Estado, imposições e intervenções que põem em causa a boa eficiência e qualidade do serviço, como a própria sobrevivência empresarial de quem o presta.
3. O universo das entidades económicas que asseguram o serviço é constituído por dois segmentos completamente diferenciados pela sua estrutura empresarial e poder económico.
De um lado, temos cerca de 500 micro e pequenas empresas, em geral empresas familiares, em nome individual ou com o estatuto de trabalhador por conta própria, ocupando mais de 3000 trabalhadores, uma grande parte, titulares da própria empresa, sujeitos a uma feroz concorrência pela captação dos clientes. Clientes dos serviços intermediados em mais de 90% dos casos pelas empresas de Assistência em Viagem, estabelecendo assim uma relação de forte dependência económica entre os dois segmentos.
Por seu lado, a estas empresas de Assistência em Viagem, pertencentes a Companhias de Seguros, todas as empresas subsidiárias do sector bancário/financeiro, com uma presença claramente oligopolizada no mercado. Os seus nomes são bem conhecidos.
A Companhia de Seguros CARES pertencente à Caixa Geral de Depósitos, EuropAssistance, Interpartner, Mondial Assistance, AIDE e Mapfre.
4. Esta forte e irrecusável ligação de dependência económica num quadro de um mercado oligopolizado, é um incentivo poderoso ao abuso de posição económica dominante e a um consequente abuso de dependência económica.
As empresas de pronto-socorro enfrentam, assim, enormes dificuldades no que respeita às negociações (se as há!) dos preços dos seus serviços.
Por exemplo, sendo mais de 50% dos seus custos operacionais, os custos com combustíveis, o que é certo é que, no quadro da contínua elevação do preço do gasóleo verificada desde 2008, particularmente agudizada em determinados períodos, e do estabelecido no Artigo 4.º A aditado pelo Decreto-Lei n.º 145/2008 ao Decreto-Lei n.º 239/2003, preço do serviço versus preço de referência do combustível, as empresas de Assistência em Viagem não têm aceite, até hoje, ficar regulado de forma adequada na contratação do serviço a atualização do preço dos combustíveis.
Há mais de dois anos que uma associação representativa do sector apresentou uma proposta concreta junto do IMTT de alteração daquele Decreto-Lei, elaborado em função do transporte de mercadorias, mas que não se adapta minimamente ao sector dos reboques. Até hoje, mau grado a insistência junto daquele organismo e da sua tutela, a respetiva Secretaria de Estado de Transportes, nunca ninguém deu qualquer tipo de resposta.
Outro exemplo, a prática imposição de aparelhos de GPS ligados às suas centrais. Assim, não só lhes encomendam os serviços, como esse registo passou a servir de conta-quilómetros, sem ter em conta a possível diferença entre a medição pelo GPS e a distância real a percorrer por pronto-socorro, como sucede quando este se encontra numa faixa contrária da auto-estrada ou numa via sinuosa! Uso do GPS que viola, além do mais, a privacidade da atividade das empresas e dos seus trabalhadores, pela possível monitorização permanente da sua localização, estejam ou não em período de serviço da empresa de Assistência em Viagem que os contratou. Controlo desproporcionado e ilegal da informação da atividade das empresas de pronto-socorro, como já reconheceu a própria Comissão Nacional de Protecção de Dados.
5. Poder-se-ia sempre dizer que as empresas de pronto-socorro podem recusar a instalação de GPS, como afirma o governo na resposta à Pergunta n.º 2490/XII/1.ª, de 23 de Março de 2012, do Grupo Parlamentar do PCP: «A atividade de pronto-socorro encontra-se devidamente regulamentada pelo regime constante do Decreto-Lei n.º 193/2001, de 26 de junho, que estabelece o regime de acesso e exercício dessa atividade. O referido diploma não impõe o uso de qualquer GPS nos veículos licenciados para o exercício da atividade.»
Mas argumentar assim é partir do princípio inexistente, referido na resposta do governo de que «A existirem imposição ou pressão (...) por parte das empresas de assistência em viagem sobre as empresas de pronto-socorro, as mesmas situam-se na esfera da liberdade contratual destas entidades». (A mesma «liberdade» que existe entre as empresas fornecedoras e as cadeias da grande distribuição que levou o governo a criar a PARCA!)
De facto, o exercício da «liberdade contratual», de que fala o governo, pelas empresas de pronto-socorro, significa ficar sem clientes, deixar de ter atividade, falir por falta de procura para os seus serviços!
Registe-se ainda que a Autoridade da Concorrência tem sido completamente insensível ou incompetente na abordagem do problema, apesar das reclamações feitas.
Igualmente, o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) não desmerecendo a sua instituição ao serviço das companhias de seguros, se tem mostrado totalmente omisso na regulação do problema.
Assim,
-porque considera o pronto-socorro como um serviço prioritário e de relevante interesse público,
-porque considera que é necessário o desenvolvimento do quadro legislativo e regulamentar que ponha cobro aos abusos de posição económica dominante e da dependência económica pelos grandes grupos económicos do sector financeiro/companhias de seguros, sobre as micro e pequenas empresas de pronto-socorro/rebocadores,
O Grupo Parlamentar do PCP ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe o seguinte Projecto de Resolução.
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. A atividade de pronto-socorro rodoviário deve ser considerada um serviço com natureza prioritária e de relevante interesse público, com a correspondente criação de condições facilitadoras da circulação dos seus veículos, à semelhança de veículos de proteção civil e bombeiros, e a atribuição de outras discriminações positivas conforme essa natureza e função pública do serviço.
2. Os competentes departamentos da Administração Pública, em articulação com as associações empresariais e sindicais do sector, deverão proceder:
2.1. a uma avaliação global do atual quadro legislativo e regulamentar da atividade de pronto-socorro, no sentido de o adequar à sua natureza e função de relevante serviço público;
2.2. a uma avaliação da atual situação das relações entre os diversos agentes/operadores que intervêm no sector e promover a fixação em convenção regulamentadora de mecanismos de fixação de preços, qualidade dos serviços e condições obrigatórias, assegurando o equilíbrio e a justa repartição das margens de negócio.

Assembleia da República, em 22 de Junho de 2012

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