Intervenção de

Projectos de Lei nº 340/VII e nº 341- Intervenção de Odete Santos

Projectos de Lei nº 340/VII e nº 341/VII,
do PCP, respectivamente, sobre a "garantia dos alimentos devidos a menores"
e que "cria uma licença especial para assistência a menores
portadores de deficiência profunda"
Intervenção de Odete Santos 

O P.C.P. optou por apresentar hoje,
num dia em que o debate começou por indiciar centrar-se
em torno de inciativas legislativas sobre o quadro legal da Família,
optou por apresentar duas iniciativas legislativas que reputa
da maior importância para a resolução de graves
problemas que crianças, mulheres e homens, vivendo sob
variadas formas de família, sentem na sociedade.

A que o Estado não pode nem deve
ser estranho.

Um desses projectos, o da Garantia de
Alimentos devidos a Menores, pretende resolver o calvário
que se abate sobretudo sobre as famílias monoparentais,
quando se torna difícil, quando não impossível,
receber do progenitor obrigado a alimentos, a contribuição
para os alimentos devidos às crianças.

A execução de uma sentença
obtida em processo de regulação do poder paternal,
torna-se muitas vezes numa caminhada que mãe e filho percorrem
aprendendo um novo desespero: o de saber que uma sentença
não é tudo, e pode mesmo ser nada.

Se o progenitor obrigado a alimentos
ainda se conta entre os bafejados pela sorte, dispondo de um emprego
fixo, com uma remuneração certa e permanente, tudo
está facilitado.

Mas se, como hoje se vai tornando tristemente
vulgar, se quer fazer valer uma sentença contra alguém
que trabalha com um recibo verde, um falso recibo verde, o recebimento
das pensões de alimentos devidas às crianças,
é impossível, na maioria das situações.

O patrão informará o Tribunal
de que o regime de trabalho é o de prestação
de serviços, e não terá de fazer os descontos
impostos na Organização Tutelar de Menores.

Mas pode ainda acontecer, com um pouco
de sorte, que o progenitor relapso, ainda esteja contratado a
prazo, avolumando-se as esperanças de que assim se mantenha,
para que as magras pensões possam ser recebidas.

Sabemos, no entanto, como nesta época
de instabilidade no emprego, a era apregoada como a da meta do
fim do emprego estável, proliferam contratos de 24 horas,
de 15 dias, enfim, dos mais variados prazos. Sabemos, como se
procura de fábrica em fábrica, de escritório
em escritório, de serviço em serviço, um
emprego que garanta a subsistência por uns tempos nesta
vida vivida em sucessivos prazos. E nestas situações,
quando o Tribunal procura o obrigado a alimentos para o fazer
cumprir, encontra muitas vezes apenas os sinais da sua meteórica
passagem por um emprego precário. E as pensões continuarão
por pagar, avoluma-se o montante da dívida, enquanto as
famílias monoparentais continuam a viver dificilmente.

A somar-se a todas estas situações
está ainda a daqueles que procurando no estrangeiro os
meios de subsistência conseguem assim eximir-sem à
execução da sentença que os obriga à
prestação de alimentos.

E há ainda a situação
daqueles que, querendo pagar pensões não o podem
fazer, porque também não lhes é paga a contraprestação
do seu trabalho. São os trabalhadores com salários
em atraso.Os trabalhadores que sofrem as consequências do
laxismo do Estado na aplicação das leis do trabalho.
Neste caso, a sentença é, de facto inexequível.

É tempo de pôr cobro ao
calvário daqueles , melhor diríamos daquelas, porque
a situação de que cuidamos atinge fundamentalmente
as mães, daquelas que conhecem de cor as escadas do Tribunal,
os nomes dos funcionários judiciais, os curadores de menores,
e que não encontram resposta para as suas interrogações.
Que têm uma sentença, mas vão aprendendo que
isso não é tudo. E que, mesmo que a consigam executar
depois de muitas buscas, depois de recorrerem por último
à lei penal e de superarem a difícil prova do crime
de omissão de assistência à família,
passaram anos a contas com a exclusão social para que são
remetidas as mulheres e as crianças. Exclusão onde
estas fazem cedo a aprendizagem do mundo dos adultos.

Com o Projecto de lei que apresentamos
procuramos dar resposta às situações que
resumimos.

Porque está em causa o direito
à vida das crianças.

Propomos assim que se o obrigado a alimentos não satisfizer as quantias
em dívida nos termos fixados na organização Tutelar de
Menores,o Tribunal fixe a prestação alimentar a adiantar pelo
Estado, enquanto durar a situação de incumprimento.

Tal prestação, nunca pode
exceder o montante do salário mínimo nacional, por
cada devedor, e só será atribuída se o alimentado
não tiver rendimento líquido superior ao salário
mínimo nacional., nem beneficie, nessa medida de rendimentos
de outrem a cuja guarda se encontre.

No projecto propõe-se a criação
de um Fundo no âmbito da Segurança Social, destinado
ao pagamento das prestações fixadas pelo Tribunal,
fixando-se a proveniência das receitas do mesmo Fundo.

Este Fundo fica subrogado em todos os
direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações,
com vista ao seu reembolso.

Cremos que a iniciativa legislativa
que apresentamos resolverá os problemas graves de muitas
famílias e o Estado cumprirá assim o seu dever de
apoiar a infância, as mães e os pais.

A outra iniciativa legislativa vem da
anterior legislatura, e foi apresentada então no âmbito
de outras iniciativas sobre a situação dos deficientes.
Não chegou sequer a ser discutida, ao contrário
do projecto, também relativo a crianças deficientes,
que hoje com algumas alterações, faz parte da Lei
da maternidade e paternidade.

Sabe-se como os pais e as mães
das crianças portadoras de deficiência profunda passam
por tremendas dificuldades para poderem conciliar a sua vida profissional
e pessoal, com a assistência que têm de prestar às
crianças.

Muitas vezes a comunicação
social faz-se eco da situação dramática daqueles
pais que têm de amarrar os filhos em casa, para poderem
ir trabalhar. Sabe-se como muitas vezes se culpabilizam injustamente
os próprios pais, quando é sobre o Estado que deve
recair o dedo acusador, por ter a obrigação de apoiar
as crianças e as famílias nesta situação.

Propomos, por isso, que o pai ou a mãe
de um deficiente profundo tenha direito no seu trabalho, a uma
licença especial se não tiverem ao seu dispor uma
instituição adequada onde a criança possa
ser acolhida durante o seu horário de trabalho. Licença
especial que durará até que o Centro Regional de
Segurança Social disponibilize a instituição,
sendo o prazo máximo da licença de dois anos.

Esta será, segundo propomos,
uma licença remunerada, implicando apenas a perda do subsídio
de refeição, devendo o Centro Regional de Segurança
Social compensar a entidade patronal dos vencimentos pagos por
esta durante a situação de licença.

Segundo um Presidente dos Estados Unidos
da América, que era, também ele, um deficiente,
a forma como um Estado trata os deficientes, serve, só
por si para aferir da forma como esse Estado trata os seus cidadãos.

Segundo este critério, podemos concluir, face à situação
existente no que toca aos deficientes, que o tratamento dispensado aos cidadãos
portugueses não é um tratamento próprio de um Estado de
Direito Democrático.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Das restantes iniciativas legislativas
hoje em debate, podemos distinguir as que dizem respeito a direitos
dos membros do agregado familiar, e as que pretendem que a Assembleia
legisle sobre os direitos da família.

E isto abre um campo de debate ideológico
já nosso conhecido.

O Grupo Parlamentar dos Verdes trouxe
a este debate uma realidade familiar que, acolhida na Constituição
da República como Família- a união de facto-
não tem ainda o tratamento legislativo devido.

O P.C.P já apresentou iniciativas
legislativas sobre a união de facto. Que entendemos, no
entanto, reponderar, por forma a aproximar o regime da família
baseada na união de facto da família baseada no
casamento.

Com efeito, tendo sido importantes os
passos que se deram na consagração de alguns direitos,
a verdade é que a lei ordinária se apresenta ainda
tímida e receosa, perante uma realidade social a que a
lei não pode voltar costas.

A união de facto está
enraízada há muito na sociedade portuguesa, e dela
encontramos eco nos próprios textos vicentinos, na união
por palavras de presente,como acontece na união entre Pero
marques e Inês Pereira na conhecida Farsa de Gil Vicente,
em contraposição com as uniões chamadas de
benção.

Sendo assim, há que proceder
à alteração da legislação existente,
por forma a que problemas graves, de que são normalmente
vítimas as mulheres, como os problemas resultantes de património
adquirido, sejam resolvidos.

Esta é uma forma de encarar a
realidade familiar sempre em mutação.

A lei não pode quedar-se em formas
fixistas de encarar a realidade familiar, porque ela muda pela
própria acção política dos que ainda
se apegam a um conceito de família que já não
existe, porque essa acção política destruiu-a.

Chegámos aos finais do Século
XX com uma realidade ao nível da unidade familiar sofrendo
os embates das novas transformações económicas
e sociais. Que se abatem sobre a família e a transformam.

A família não é
uma criação jurídica. Não o é,
segundo a nossa Constituição.

Todos nos recordamos como, em nome de
concepções de família já então
ultrapassadas, se impôs sofrimento a muitos homens e mulheres
portuguesas em nome de concepções transpessoais
de família, em nome daquilo a que se chamava valores
da família, Onde se imolava a felicidade pessoal de seres
humanos.

A família não é
um ente com personalidade , e por isso mesmo,não há
nada que se possa definir como política de família.

Aquilo que às famílias
interessa, para a realização pessoal dos seus membros,
como diz o nosso texto constitucional, são as várias
políticas de que resultará, ou não, o bem
estar daqueles.

As condições que se vivem
tornam ilusórias as esperanças dos que ainda esperam
ver reconstituída a natureza transpessoal da família.
Dos que ainda falam em valores da família sobrepostos aos
valores individuais dos que a constituem.

De facto, são os próprios
valores do Deus Mercado que , contraditoriamente , acentuam a
impossibilidade de consagração de valores transpessoais
da família.

É o Mercado que determina horários
de 50 horas semanais, que determina a flexibilidade privando
de convívio os membros do agregado familiar.

É o mercado que retira o direito
à convivência decorrente do nosso texto constitucional.

É o Mercado que , pelas condições
insuportáveis de vida que oferece à grande generalidade
dos seres humanos, contribui para o decréscimo assustador
das taxas de natalidade. Não só porque em função
da nova escravatura no trabalho, desagrega a família nuclear,
pela privação do direito à convivência
e do direito à felicidade, como porque priva os seres humanos
em geral da satisfação de necessidades básicas,
bem patentes nas tremendas taxas de feminização
das mulheres e das crianças.

A Família nuclear, unidade de
consumo de bens e serviços, e não unidade económica,
reduz-se, desagrega-se. As famílias monoparentais são
uma nova e expressiva realidade.

É neste quadro que se apresentam
como obsoletas todas e quaisquer políticas que teimem em
repor valores passadistas, de que, aliás são sempre
as primeiras vítimas as mulheres , logo seguidas pelas
crianças.

Crianças em nome das quais se torna urgente reclamar uma nova lei de
protecção da maternidade e da paternidade, que minore os efeitos
de jornadas de trabalho escravo que põem em causa a saúde das
grávidas e o futuro dos que vão nascer, que as privam dos contactos
com os pais, que tornam possível o aparecimento de novos fenómenos
de famílias em risco, de crianças maltratadas.

Lendo o Projecto de Lei do P.S.D. parece-nos
que será mais ou menos inócuo, pois tudo o que dele
consta tem de ser prosseguido com políticas sectoriais-
a política de educação, a política
de emprego, a política de saúde, a política
para a 3ª idade, a política fiscal, a política
de habitação, a política de segurança
social, a política de urbanismo, a política fiscal-
que não como uma política de família.

Inóquo já não é
o Projecto de lei do C.D.S./PP.

Embora tendo expurgado muitos dos artigos
do seu Projecto de lei de Bases da Família apresentado
nesta Assembleia em 1988, a verdade é que o actual projecto
não aceita as transformações bem patentes
na realidade familiar.

E há palavras perigosas. Que
adquiriram um significado de que alguns juristas pretendem extrair
consequências em termos legislativos. São palavras
como unidade e estabilidade que justificaram no passado hierarquias
dentro da própria família, e probições
da assunção de rupturas através do divórcio.

E não é a família
que é transmissora de valores. Já o foi por imposição.

São os membros da família,
é a sociedade que transmite valores. E esta é que
faz reflectir esses valores nos membros da família.

Deve tratar-se de um lapso, o que consta
do nº 3 da Base XXII do Projecto de lei do CDS/PP.

Pretende consagrar-se o direito, para
os pais, de se oporem a que os filhos sejam obrigados a receber
ensinamentos que não estejam de acordo com as suas convicções
éticas e religiosas.

Isto não é, como à
primeira vista poderia julgar-se, a consagração
do direito a não frequentar aulas de religião e
moral.

O que o CDS propõe redundaria
, por exemplo , na possibilidade de oposição dos
pais a que ,através do ensino científico ,os filhos
fossem encaminhados a respeito da criação do mundo
para um ensinamento diferente daquele que as religiões
estabelecem dogmaticamente sobre tal criação.

Redundaria, por exemplo, na impossibilidade
de um Professor de Direito explicar a alguns dos seus alunos
as razões constitucionais para a despenalização
do aborto.

Cremos acreditar que esta proposta reside
num lapso. Como lapso será ignorar o artigo 1886º
do Código Civil que estabelece que a partir dos 16 anos
já não podem os pais decidir sobre a educação
religiosa dos filhos.

Ou será que o C.D.S./ PP pretende
mesmo revogar este artigo em nome da transmissão de valores
pela Família.?

Lapso não será, não
é, o que consta da Base XIV. Aqui, os proponentes pretendem
fazer passar uma proposta que viram recusada, mais uma vez, na
revisão constitucional.

De facto, antes do nascimento, nos termos
da nossa Constituição, não pode falar-se
em pessoa, não pode falar-se em criança.

E esta proposta, só por si, se
mais indícios do facto não houvesse, revela que
por detrás deste Projecto de Lei, não está
a realização pessoal, a felicidade dos membros do
agregado familiar.

Mas a consagração de direitos
para a família como ente jurídico, o que aliás
resulta da Base IX, de que resultariam limitações
à felicidade pessoal, ao bem estar, à harmonia dos
seres humanos que compõem a realidade familiar.

Encaramos favoravelmente as iniciativas
legislativas que, visando as condições de vida dos
membros da família, têm por objectivo contribuir
para o bem estar e a felicidade dos mesmos.

Iniciativas como as do alargamento da licença de maternidade e paternidade,
como a relativa à união de facto, visam esse objectivo.

Meramente programática e inócua, nada acrescentará aos
direitos das mães e dos pais, dos cônjuges, das pessoas em união
de facto, das crianças. A outra, bem estruturada para o cumprimento dos
seus objectivos, não perdeu, apesar dos retoques, as características
passadistas já existentes na sua antecessora.

Disse.

 

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República
  • Intervenções