Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 173/IX (PCP) «Programa de Rearborização para áreas percorridas»

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

É possível que nesta
sala, desde deputados a jornalistas, se interroguem da razão porquê, em
pleno Inverno, chovendo a potes, o PCP se lembrou de colocar na agenda
o dramático problema dos fogos florestais que, anualmente, lá mais para
o Verão, incendiarão o País e, então sim, farão as manchetes da nossa
imprensa e terão honras de abertura dos telejornais. Que diabo, porque
não esperar lá para Julho ou Agosto quando é o calendário mediático ?
Aliás, este também deve ser o pensamento do Governo, uma vez que tendo
anunciado que em Setembro passado apresentaria um programa de prevenção
e combate aos fogos florestais a verdade é que estamos em Janeiro e não
há novas dessa promessa. Mas, certo e sabido, quando os fogos
irromperem, então lá veremos Ministros, Directores-gerais, Presidentes
disto e daquilo, percorrerem os céus de helicópteros, descerem na
Lousã, convocarem Conferências de Imprensa e, apresentando um ar
compungido, expressarem a sua solidariedade com as vítimas anunciando
mais umas quantas promessas para a época seguinte ao mesmo tempo que os
editorialistas e analistas da nossa imprensa esgotarão então uns
milhares de caracteres para denunciarem a calamidade que periodicamente
se abate no País mas que silenciaram no momento em que a prevenção e o
combate aos fogos deve ser feito, exactamente no Inverno, porque tal
momento não é compaginável com o critério supremo da mediatização e da
visibilidade do tema. Uma vergonha. Toda a gente, incluindo o Governo,
afirma que os fogos de Verão se previnem e combatem no Inverno. Mas
todos se esquecem disso exactamente logo que passa o Verão.

Esta
é a razão porque precisamente nesta época invernosa, de chuva e sem
fogos, o PCP decidiu colocar esta magna questão na agenda política.
Portugal, viu arderem em 2002 117 294 hectares de floresta; em 2001,
106.592 hectares e de 1980 a 2000 mais de 2 milhões de hectares foram
percorridos por incêndios florestais. Somos o País da Europa com mais
área ardida em relação à respectiva superfície florestal (3,3 milhões
hectares). E esta é superior à área que anualmente é objecto de
reflorestação. Os dramas humanos, económicos e ambientais que
anualmente são vividos em Portugal exigem há muito respostas sérias,
sustentadas e não meras lamentações e proclamações mediáticas.
Infelizmente nada, ou muito pouco, tem sido feito quando as causas
estão há muito suficientemente detectadas: Falta de uma política de
ordenamento florestal. Grande parte da Lei de Bases, aprovada por
unanimidade nesta Assembleia, não é aplicada e os Planos Regionais de
Ordenamento Florestal bem como os Planos de Gestão Florestal não passam
de uma janela aberta no portal do Ministério da Agricultura. Uma
floresta velha, não ordenada, com dificuldades de acessos, sem limpeza
equilibrada, em grande parte dedicada à monocultura de resinosas, fácil
terreno para o deflagrar e a propagação dos fogos. Áreas florestais
alvo do interesse dos especuladores urbanísticos ou dos promotores da
floresta industrial de crescimento rápido. Uma política agrícola e uma
ausência de políticas de ordenamento do território que foram expulsando
das terras agrícolas e florestais milhares de famílias, agricultores,
pastores que eram eles próprios o melhor capital para a detecção, a
prevenção e o combate aos fogos. Falta de meios humanos e de combate
adequados mas também dispersão dos existentes. É manifesta a
proliferação de vários centros de comando e de várias entidades que
actuam no terreno. A própria política florestal está dependente de três
(quando não quatro) tutelas ministeriais. Ausência de políticas que
travem e esvaziem as condições em que prolifera a chamada indústria do
fogo, desde a que se movimenta em torno do aluguer de meios aéreos até
aos negócios com a madeira ardida. Falta de uma política de
rearborização das áreas ardidas. Tudo tendo em conta que a nossa
estrutura florestal se caracteriza por um elevado absentismo dos seus
proprietários, em que 87% da área é privada e 85% das explorações
florestais têm uma área inferior a cinco hectares.

É neste
quadro que o PCP apresenta duas iniciativas legislativas: um Projecto
de Resolução que contem um conjunto de recomendações com o objectivo de
melhorar as políticas de prevenção e combate aos fogos florestais.
Optámos, neste caso, por esta figura regimental porque se trata de
propor ao Parlamento que se pronuncie sobre um conjunto de medidas de
política abordando várias áreas que concorrem para prevenir e combater
com eficácia os fogos florestais.

Assim, propomos que sejam

·
acelerados os programas de compartimentação e diversificação da
floresta portuguesa o que implica a plena execução da Lei de Bases da
Política Florestal com a urgente elaboração de instrumentos essenciais
para o ordenamento florestal como são os PROF’s e os PGF’s;

·
reforçados os efectivos do Corpo Nacional de Guardas Florestais, que se
encontram com um déficit de 33% - 700 para necessidades detectadas de
1030 efectivos – o que faz com que cada um deles tenha à sua
responsabilidade a vigilância de áreas que chegam aos 23.000 hectares.
Reforçadas também devem ser as Brigadas de Vigilantes da Natureza e
dinamizadas as equipas de Sapadores Florestais;

· unificados
os comando das actividades de prevenção, vigilância e combate aos fogos
bem como uma melhor articulação entre as Comissões Especializadas de
Fogos Florestais, as autarquias e as Corporações de Bombeiros.
Igualmente é urgente a cooperação institucional permanente entre os
vários Ministérios que detêm a tutela sobre a floresta e a concertação
entres estes e as várias entidades privadas que intervêm na floresta,
designadamente as empresas florestais (que têm experiências de sucesso
na gestão da sua floresta);

· Promovidos meios de combate leves
e flexíveis, designadamente meios aéreos bem como multiplicadas as
brigadas motorizadas e helitransportadas. Estudar-se a possibilidade da
aquisição de meios aéreos próprios do Estado para o combate aos fogos
florestais (diminuindo-se assim a dependência da indústria de aluguer
desses meios), que poderiam ser reconvertidos para outras actividades
(como de fiscalização e regulação do trânsito) fora do período dos
fogos;

· Garantidos o funcionamento pleno, com pessoal
habilitado e durante um maior período de tempo, dos postos de vigia não
podendo voltar a acontecer o que sucedeu este ano em que, por razões
dos cortes orçamentais cegos, metade dos 210 postos estavam
desactivados no início da impropriamente chamada época dos fogos.
Programa activo de instalação de mais “pontos de água” e da abertura e
limpeza de caminhos e aceiros;

· Criados Parques de Recepção de
Material Lenhoso Ardido (a serem geridos entre o Ministério da
Agricultura e as organizações de produtores florestais) para assim se
impedir (ou no mínimo travar) a propensão para os negócios gerados pela
madeira ardida, tantas vezes causa dos incêndios criminosos;

·
Restringir drasticamente a possibilidade de reconversão de áreas
florestais ardidas para áreas a urbanizar ou para a reflorestação com
base na substituição por espécies industriais de crescimento rápido;

· Reforçar os meios de apoio, designadamente os meios especializados,
aos Corpos de Bombeiros e promover-se a sua correcta tipificação e
financiamento;

· Investir nos processos de investigação científica visando a prevenção, a detecção e o combate aos fogos florestais;

· Programa permanente de acções de sensibilização e educação ambiental
e florestal seja através dos grandes meios de comunicação social seja
através da sua inclusão nos curricula dos ensinos básico e secundário.

A
par com este projecto de resolução apresentamos um Projecto de Lei
visando a criação de um Programa de Rearborização das Áreas Percorridas
por Incêndios Florestais.

É sabido que grande parte das áreas
ardidas ou ficam por rearborizar, abandonadas, ou são regeneradas
naturalmente com a mesma espécie. Tendo em conta a estrutura das
explorações florestais a que já fizemos referência verifica-se que
grande parte dos produtores florestais não tem capacidade económica
para se lançar num programa de rearborização. Em nome da importância
nacional da floresta é imperioso que o Estado não fique passivo perante
um quadro que, anualmente, põe em causa tão importante e estratégico
património nacional que contribui para a existência de mais de sete mil
empresas, com mais de 164 mil postos de trabalho.

É por isso que
o Estado não se pode demitir das suas funções e tem de ter um papel
activo nos processos de reflorestação das áreas ardidas.

Assim, o PCP propõe:

·
Um Programa de Rearborização aplicável às áreas queimadas de forma
continua numa extensão igual ou superior a 100 hectares. Porquê 100
hectares? Porque os fogos nestes casos representam 62,2% da área total
ardida (apesar do número de incêndios respectivos não ultrapassar os
2,4%) – estamos a falar de dados deste ano mas que são sensivelmente
idênticos ao de outros anos - onde se estima que os prejuízos rondem os
58 milhões de euros. Abaixo deste valor de referência, sendo técnicas e
economicamente difícil a concretização de tal programa abrimos a
possibilidade de em cada caso concreto ser estudada a viabilidade da
existência de um projecto de rearborização promovido pelo Estado;

· A Direcção Geral de Florestas, no prazo de um ano após os incêndios
deverá elaborar os respectivos projectos de rearborização e planos
orientadores de gestão florestal, tendo em conta a Lei de Bases e os
PROF’s;

· A execução dos projectos é da responsabilidades dos
respectivos proprietários ou arrendatários florestais que terão um
prazo de dois anos para o concretizar. Decorrido este prazo a DGF
deverá substituir-se ao interessado, assumindo a execução do projecto e
promovendo o ressarcimento financeiro junto dos mesmos;

· No
caso de explorações florestais que confinem ou sejam atravessadas por
vias de comunicação – ou junto de povoações – a que estejam associadas
em elevado grau o risco de deflagração de incêndios, a respectiva
rearborização deverá obrigatoriamente ser efectuada com espécies mais
resistentes à propagação dos fogos, numa distância até, por exemplo, 25
metros das margens da via. Os produtores florestais atingidos por esta
obrigação terão direito, quando se justificar, a um apoio financeiro
compensatório da eventual quebra de rendimento resultante da
transformação cultural que lhes é exigida;

· O financiamento
dos projectos de rearborização bem como os apoios compensatórios
referidos serão garantidos pelo Fundo Financeiro previsto na Lei de
Bases e a execução daqueles projectos e respectiva gestão terão
prioridade na apreciação de candidaturas no âmbito do Quadro
Comunitário de Apoio;

· Todo este processo deverá ser
realizado, conforme os casos, em parceria entre a DGF, as organizações
de produtores florestais, as empresas florestais e os órgãos de
administração dos Baldios.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Poderá
haver – e haverá seguramente - neste hemiciclo, opiniões diversificadas
sobre as iniciativas que propomos. Mas seguramente que todos estaremos
de acordo que o problema dos fogos florestais é grave e que as
iniciativas que hoje colocamos à discussão são um contributo sério
senão para terminar com os incêndios, pelo menos, para os conter e
limitar. E, por isso, no mínimo, estes Projectos de Resolução e de Lei
devem ser analisados pelo seu valor em si mesmo, fora de estritos
interesses políticos de ocasião, porque eles constituem um esforço, que
mais ninguém ainda fez, de contribuir para uma política eficaz de
prevenção e combate aos fogos florestais. Por tal razão eles merecem
ser viabilizados.

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