Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República, Debate do Programa do XIX Governo Constitucional

Programa do governo - PCP afirma necessidade de luta contra cada uma das medidas

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Sr.ª Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:

Estamos hoje a debater o programa de um novo Governo, no início de uma nova Legislatura. Mas se o Governo é novo, se a Legislatura é outra, a verdade é que a política que se apresenta é como vinho velho, azedo, em casco novo.

É a velha política de direita, com 35 anos, que em sucessivos governos se posicionou ao serviço dos grandes grupos económicos.

É a velha e estafada política de uma submissão às orientações de uma União Europeia ao serviço das suas principais potências e dos seus grupos económicos, que asfixia as economias periféricas, que promove a concentração do poder e se afasta, cada vez mais, da promessa da coesão económica e social.

A política deste Governo e deste programa é estruturalmente a mesma que arrastou o País para a situação em que está e por isso não pode resolver os problemas nacionais.

É intensa a campanha que procura dar como inevitáveis e consumadas as decisões políticas deste Programa do Governo e do seu antecedente, imposto pela tróica.

Mas a verdade é que este programa não está legitimado pelo facto de os três partidos da tróica serem maioritários nesta Assembleia; estes são os mesmos partidos que recusaram assumir as medidas que estão nesse Programa durante o debate eleitoral, para esconder as suas verdadeiras intenções dos portugueses.

Aliás, ao votarem contra o PEC 4, que foi a matriz do memorando da tróica, PSD e CDS confundiram e enganaram muitos portugueses quanto ao grau de identificação com as malfeitorias que ali eram propostas — nem estava em sítio nenhum o corte no 13.º mês!…

Este Programa não é legítimo, não está nem sairá, em qualquer circunstância, legitimado deste debate.

É hoje já claro que, a ser aplicado o Programa aqui apresentado e acordado com a tróica, apoiado por PSD, CDS e, ainda, PS, o resultado será um afundamento ainda maior do País. É por isso um Programa que terá o nosso combate mas também a apresentação de alternativas.

É por isso que propomos a imediata renegociação da dívida como alternativa a um empréstimo com condições inaceitáveis e incumpríveis, que provocará recessão, desemprego e maior dependência externa e que não poderá ser cumprido mesmo em relação à dívida.

Este Programa mata a nossa economia. Sem renegociação da dívida não haverá desenvolvimento, não haverá crescimento económico, não haverá criação de emprego.

É preciso diminuir os encargos imediatos da dívida para investir no aumento da produção nacional e adiante ter melhores condições para pagar o que devemos.

Renegociar a dívida não é dizer que não a queremos pagar, é dizer que nestas condições — em boa parte ilegitimamente resultantes da especulação financeira — chegaremos a um ponto em que não será possível pagar.

A saída para a crise e o atraso do País não está na recessão mas, sim, no aumento da produção nacional, apoiando a actividade produtiva e rejeitando a política de restrição do investimento público e de cedências aos grupos económicos, contra os interesses da nossa economia, das pequenas empresas, dos trabalhadores e da população em geral.

É verdade que é preciso também reduzir o custo de factores de produção, mas é preciso fazer incidir essa redução nos custos dos factores de produção ligados às grandes empresas e grupos económicos — na energia, nas telecomunicações, nos créditos, nos seguros — com lucros fabulosos à custa da economia nacional, e não através da redução da taxa social única, que não tem qualquer efeito real na competitividade, beneficiando em particular grandes empresas e grupos económicos e prejudicando gravemente a segurança social.

Este Governo, que se diz tão preocupado com a economia do País, teve uma primeira palavra para a situação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Ficámos a saber que os trabalhadores não podem contar com este Governo. Mais uma bandeira abatida, Sr. Ministro Paulo Portas! E acertem lá o ritmo, porque não vale, em Viana do Castelo, PS, PSD e CDS tomarem uma posição solidária, ao lado dos trabalhadores, e depois o Governo dizer que recusa qualquer ajuda para viabilizar os Estaleiros.

Este Programa, que é da tróica e, agora, deste Governo, tem como um dos principais alvos os direitos dos trabalhadores.

O que ninguém explica é o que tem a ver com a redução da dívida pública a diminuição efectiva dos salários, a destruição de direitos ou a instituição da precariedade como regra no mercado de trabalho.

As alterações propostas para a legislação laboral não pagam um cêntimo da dívida, são apenas uma nova e brutal ofensiva visando o aumento da exploração.
O Governo e os partidos da tróica querem despedimentos mais fáceis e mais baratos; pretendem pôr todos os trabalhadores em situação de precariedade, para os tratarem como material descartável e comprimirem as suas remunerações; querem condicionar a acção e organização sindical, designadamente através do ataque à contratação colectiva; querem a desregulamentação total dos horários de trabalho e o não pagamento de horas extraordinárias.

Não é com mais precariedade e com salários mais baixos que se desenvolve o País. É com emprego com direitos, com a valorização dos salários, com a estabilidade dos vínculos que se garante, que se constrói um desenvolvimento económico que rejeite o estafado modelo de baixos salários.

Este Governo, que tanto fala de apoiar as famílias, há-de explicar aos portugueses em que é que ajuda as famílias e a natalidade deixar de pagar horas extraordinárias; como se beneficiam as famílias se um trabalhador for facilmente despedido, perdendo a fonte do seu sustento; como se convence um jovem casal a ter filhos se ambos recebem o salário mínimo, ou menos, ou se estão sujeitos a trabalho temporário ou a um falso recibo verde, podendo ser despedidos a qualquer momento, se vão sofrer um novo rombo no crédito e no pagamento dos impostos com a habitação.

O que este programa quer é, de facto, aumentar a exploração sobre os trabalhadores, sujeitá-los à arbitrariedade.

Ainda no plano económico, há uma questão decisiva: a de saber quem controla e ao serviço de quem estão as alavancas fundamentais da nossa economia.
Os portugueses já conhecem o resultado das privatizações e da liberalização dos sectores económicos.

Sabem o que custa à generalidade da população e às nossas empresas a electricidade, o gás, os combustíveis.

É por isso que é indispensável a manutenção e recuperação de alavancas fundamentais da economia ao serviço das populações e a rejeição de uma política de privatizações, que entrega a riqueza nacional e o controlo da nossa economia a grupos económicos nacionais e, cada vez mais, a estrangeiros.

A ideia da privatização de áreas fundamentais da Caixa Geral de Depósitos, aliás, já avançada pelo Governo do PS, é bem o exemplo do absurdo desta política.
Privatizar o sector segurador da Caixa, que, em conjunto com a área da saúde, contribui em 36% para os resultados do grupo, ou alienar, como é proposto, as participações da Caixa em empresas estratégicas como a PT, a EDP, a GALP ou a REN, que renderam, em 2010, quase 200 milhões de euros, é um desastre económico e financeiro.

E o que dizer da privatização dos Correios, empresa estratégica e já na mira de uma grande multinacional deste sector, que o Governo anterior e o actual tratam de facilitar com uma razia de encerramentos de postos e estações de correios, degradando o serviço público e garantindo o lucro ao eventual futuro dono privado?!

Com este Programa do Governo, da tróica, do PSD, do CDS e do PS, a lista de privatizações chega a quase tudo. Este Governo quer acabar com o resto! A palavra de ordem é vender, entregar ao desbarato empresas, muitas lucrativas, que, em muitos casos, constituem verdadeiros monopólios naturais ou prestam serviços públicos essenciais, a grupos económicos privados, provavelmente a grandes grupos económicos europeus, alemães, franceses e outros, os mesmos que mandaram cá a tróica para impor este Programa, que lhes garante valiosos activos a baixo preço.

Pela via das privatizações ou pela via da diminuição de direitos, o Programa de desastre que nos apresentam quer negar direitos sociais e garantir a fatia dos sectores sociais para o negócio privado.

É a entrega de hospitais e centros de saúde, ainda em maior número, ao sector privado, mesmo depois dos resultados desastrosos da gestão do hospital Amadora-Sintra pelo Grupo Mello, agora em repetição, por exemplo, no Hospital de Braga; é o aumento do pagamento dos custos da saúde pelas populações, o que significará que muitos não terão, como já hoje, tratamentos.

É o prosseguimento da destruição da escola pública, a sua cada vez maior estratificação social, a elitização, como dizia aqui um jovem Deputado, como se nós não tivéssemos vivido aquilo do ensino para os filhos dos operários e o ensino para os filhos daqueles que mais tinham e mais podiam! Essa discriminação, que ouvimos a um jovem, aqui, ao propor, novamente, que as pessoas devem ser apenas preparadas para o mercado de trabalho, demonstra a concepção elitista deste Governo em relação à educação.

E tudo embrulhado na retórica neoliberal da «liberdade de escolha», que, à medida que se destroem os serviços públicos, é apenas a liberdade dos serviços privados para aqueles que os puderem pagar.

É a perspectiva de entregar uma parcela fundamental da segurança social e dos descontos dos trabalhadores ao sector financeiro.

Mas querem mais do que isso. Querem transformar direitos próprios de cada português — à saúde, à educação, ao apoio social — numa política de caridade pública e privada, de estigmatização da pobreza e dos mais desfavorecidos, numa certa recuperação do instituto da «sopa do Sidónio».

A pobreza combate-se evitando que as pessoas caiam nela.

Valorizando os salários, designadamente o salário mínimo nacional, dignificando as pensões e reformas, apoiando os desempregados e criando emprego, combatendo a precariedade dos vínculos que recaem sobre as novas gerações.

São estas coisas concretas, da vida concreta das pessoas, das políticas concretas, que nos separam, Sr. Primeiro-Ministro.

Fica bem ter pena dos pobres! O mal está nas políticas que empobrecem as pessoas, como se expressa neste Programa.

A nossa Constituição garante direitos e não a esmola e a caridade.

Entretanto e no momento em que se anunciam aumentos de impostos, aliás, em parte não descritos no Programa apresentado, comprova-se que, tal como o anterior, este Governo mantém a salvo os privilegiados do costume — os grandes grupos económicos e o sector financeiro em particular — e impõe sacrifícios aos mesmos de sempre.

É por isso que propomos que o Governo, em vez de aumentar o IRS, o IVA e os impostos sobre a habitação, que penalizam os trabalhadores, os reformados e a população em geral, vá buscar esse dinheiro onde ele efectivamente existe.

Que imponha uma taxa efectiva de 25% à banca; que tribute de forma agravada os bens de luxo; que aplique uma taxa, mesmo que percentualmente baixa, às transacções bolsistas; que tribute as transferências para paraísos fiscais, que continuam, impunemente, a lesar o Orçamento do Estado; que imponha um taxa mais elevada às empresas com mais de 50 milhões de euros de lucro.

E, tal como o programa acordado entre o PS, PSD e CDS e a União Europeia e o FMI é ilegítimo e tem de ser rejeitado, também este Programa e as suas medidas não serão legitimados neste debate.

Cada uma das medidas terá de ser submetida ao escrutínio político e popular. Terá, em muitos casos, de ser sujeita a votação ou apreciação na Assembleia da República.

O debate deste Programa do Governo não tem, por isso, nada de definitivo em relação ao seu conteúdo, não aprova nenhuma das suas medidas. É apenas o início de um percurso político em que, pela nossa parte, tudo faremos para que as suas intenções sejam derrotadas na maior amplitude possível, tal como o foram governos e coligações anteriores.

Cá estaremos para travar todas as batalhas contra cada uma e todas as medidas injustas e negativas, sempre demonstrando que há alternativas e que um outro rumo para o nosso País não só é possível como é indispensável.

Podem contar com isso!

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