Intervenção de

Procriação medicamente assistida - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Realização de um referendo nacional sobre as questões da procriação medicamente assistida

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

 

A Assembleia da República aprovou uma lei sobre procriação medicamente assistida e em boa hora o fez. É uma lei progressista e que permite avanços no tratamento da infertilidade e na investigação científica, criando um quadro legal que há muito faltava no nosso país e cuja falta era sentida por investigadores, por profissionais de saúde e por muitas pessoas interessadas nesta matéria.

Não estamos de acordo com a realização de um referendo sobre esta matéria porque se trata de um problema de saúde pública, de direitos fundamentais no acesso a esta saúde e em que, portanto, a Assembleia da República tem, e deve ter, a legitimidade e a competência para produzir legislação que a enquadre. É preciso salientar que estes são os mesmos argumentos que se aplicariam também à questão da interrupção voluntária da gravidez, mas, infelizmente, nessa matéria o PS não teve a mesma posição.

A infertilidade é um problema de saúde que afecta 300 000 casais no nosso país e que deve ser considerado como fonte de sofrimento, como fonte de problemas de saúde e de complicações na vida das famílias e das pessoas.

Esta lei versa também sobre a possibilidade de abrir um campo essencial para a investigação científica, designadamente em relação às células estaminais, que poderão permitir encontrar soluções e tratamentos para doenças que causam grande sofrimento humano a muitas pessoas, e também a muitos portugueses.

É importante que no prosseguimento deste debate se lute contra as confusões que alguns pretendem fomentar a propósito de certos aspectos desta lei. É que alguns pretendem confundir a clonagem terapêutica de algumas células com a clonagem reprodutiva, sendo que a nossa lei proíbe, e bem, a clonagem reprodutiva, mas também sabe distinguir, na criminalização apenas da implantação do útero, aquilo que é a clonagem terapêutica, permitindo-a e permitindo que ela seja utilizada para a investigação científica, o que é uma matéria imprescindível nos tempos que correm.

E é também é preciso dizer que, ao contrário do que alguns procuram, pretendo criar a confusão, não é clonagem a transferência para o útero de um embrião com transferência do núcleo, caso em que o embrião, aliás, tem os genes do pai e da mãe e que, portanto, não pode ser confundido com um processo de clonagem.

Quanto à matéria processual, esta é uma proposta evidentemente fora de tempo, cuja entrega na Assembleia da República foi apressada, como bem nos deu nota, na altura, o Sr. Presidente, porque os proponentes descobriram que o processo legislativo, que, aliás, foi longuíssimo, estava prestes a concluir-se, tendo os principais subscritores vindo «a correr», entretanto, apresentar esta proposta.

Não concordámos, na altura, com a decisão de admissão que o Sr. Presidente proferiu nesta matéria - e já discutimos no tempo próprio essa divergência -, pois essa decisão permitiu que os subscritores adaptassem a iniciativa que tinham feito de referendar uma iniciativa legislativa que tinha estado em discussão na Assembleia da República mas que, entretanto, já tinha sido aprovada em votação final global, propondo, eles próprios, as normas legislativas sobre as quais deveria incidir o referendo.

Mas é justo perguntar se as pessoas que subscreveram esta iniciativa o fizeram para referendar uma iniciativa que então estava na Assembleia ou se o fizeram para referendar uma coisa que foi depois acrescentada e que, quando foi da subscrição, não estava presente naquilo que era proposto às pessoas que, no seu legítimo direito, a subscrevam.

Há, portanto, aqui uma dissonância, que não foi explicada e que é ignorada por alguns mas que existe na realidade, e nem é de excluir que algum dos subscritores desta iniciativa pudesse não estar de acordo com a nova iniciativa, tendo dado a sua assinatura àquela que originariamente versava sobre o que tinha estado em discussão na Assembleia da República.

Resumindo, é uma iniciativa que está fora do tempo regimental e, evidentemente, fora do tempo político, porque o tempo político é de regular, permitindo a investigação científica, permitindo o quadro de acesso ao tratamento da infertilidade a que tantos casais, tantas famílias e tantos portugueses individualmente considerados anseiam poder ter direito e que temos obrigação de lhes poder dar.

 

 

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