Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Procede à segunda alteração à Lei-Quadro das Privatizações, aprovada pela Lei n.º 11/90, de 5 de Abril

(proposta de lei n.º 6/XII/1.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,
Há-de explicar-nos como é que todo o processo de privatizações que tivemos, ao longo dos últimos anos — um ruinoso processo! —, criou mais emprego e mais riqueza nacional, como é que ajudou a economia portuguesa, como é que ajudou o povo português. Ou não é verdade que às empresas portuguesas é imposto um custo de muitos dos serviços prestados por algumas das empresas privatizadas, o qual onera, de facto, o seu funcionamento, diminui a sua competitividade e transforma-as em menos viáveis e mais passíveis de fecharem as suas portas e aumentarem o desemprego?! Ou não é verdade que muitas das empresas privatizadas carregam a população com tarifas que protegem os seus lucros mas não protegem os direitos de acesso a esses serviços essenciais?!
Qual foi, então, o benefício desse processo que os senhores, agora, querem continuar, terminando com os direitos especiais?!
No próximo ponto da ordem de trabalhos, que tem alguma conexão com este, vamos debater uma apreciação parlamentar, pedida pelo PCP, sobre as golden shares em três empresas. E aqui estamos, de facto, a discutir o mesmo assunto. Pergunto: abdicando destes instrumentos, a economia nacional fica mais protegida? Abdicando destes instrumentos, é possível desenvolver melhor o País? Abdicando destes instrumentos, é possível garantir melhor decisões que podem pôr em causa a soberania do País, em razão das infra-estruturas que são detidas por estas empresas e do seu peso na actividade económica?! A soberania do País fica assegurada, se o Estado abdicar dos seus direitos especiais?
O Sr. Ministro diz que esta decisão traz benefícios, aumentando o valor das empresas. Ó Sr. Ministro, e quem é que vai ganhar com esse aumento do valor das empresas? Serão os accionistas privados que já lá estão ou que lá vão estar! Então, e o Governo abdica dos seus direitos para beneficiar esses accionistas?!
Mais, Sr. Ministro: explique-nos que vantagem há, para o País, em entregar estes direitos especiais e privatizar acções detidas pelo Estado, mesmo sem direitos especiais, quando isso significa sempre diminuir a receita do Estado, para além de libertar o País de alavancas económicas e instrumentos que podem ser usados na defesa das populações.
Ao longo dos anos, disseram-nos sempre que era preciso privatizar para diminuir a dívida pública e, no entanto, 20 anos depois do início do processo de privatizações, a dívida pública é cada vez maior e as receitas que o Governo quer obter com este processo de privatizações são uma «migalha» no meio da dívida pública que hoje temos.
Agora, nós perguntamos: como é que alienar direitos especiais numa empresa como a Galp, que paga menos dividendos ao Estado se o Estado não tiver lá participação e cujos principais accionistas não pagam 1 cêntimo de imposto em Portugal, dos dividendos que aqui recebem, porque vai tudo para as suas empresas na Holanda, na Itália e em todos esses países, permite que o País seja melhor defendido?!
Como estava a dizer, Sr. Ministro, explique-nos, porque, ao longo de 20 anos, nunca ninguém percebeu como é que isso era possível.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A alteração hoje proposta é o corolário de um longo processo de privatizações que tem vindo a alienar um importante património público e a transferir para os grupos económicos privados chorudos dividendos e alavancas fundamentais da nossa economia.
O Sr. Ministro falou em anacronismos. Esta alteração à lei das privatizações tem a curiosidade de deixar cair os falsos objectivos das privatizações com que, durante anos, tentaram enganar os portugueses.
Era para reforçar a capacidade empresarial nacional; para desenvolver o mercado de capitais; para promover a dispersão accionista por trabalhadores das empresas e por pequenos subscritores — era o famoso capitalismo popular! —; para preservar os interesses patrimoniais do Estado; para valorizar outros interesses nacionais. Tudo isto estava na lei e era invocado como a grande razão, os objectivos das privatizações. Agora, é tudo revogado. Ao menos, é claro que não é para nada disso que servem as privatizações! É para transferir riqueza, alavancas e poder económico para os grupos económicos privados, deixando o Estado com menos possibilidade de defender o interesse público, o interesse nacional.
Os resultados desta política são bem conhecidos de todos os portugueses: uma economia fortemente penalizada, por exemplo, pelos elevados custos dos factores de produção e uma elevada factura nos serviços prestados às populações.
Claro que este Governo, tal como o anterior, nunca olha para estes custos como factores que condicionam a competitividade das empresas. Para estes executores da política dos grupos económicos, é sempre nos trabalhadores — que, aliás, não são peças, não são uma matéria-prima, são pessoas —, nos seus salários e nos seus direitos que reside o problema do País. Nada mais falso, como se vê! Nada mais falso, como a realidade tem vindo a provar!
Para que a EDP tivesse lucros de mais de 1200 milhões de euros em 2010 ou para que aumentasse os lucros, já no 1.º semestre de 2011, em relação ao mesmo período do ano passado, em 8%, foi preciso que as tarifas se mantivessem incomportavelmente elevadas, com todo o prejuízo económico e social que isso acarreta.
É certo que os sucessivos governos raramente utilizaram as acções com direitos especiais para promover o interesse público; em geral, limitaram-se a acolher as pretensões dos principais accionistas privados. Mas agora querem ainda deixar o Estado sem qualquer intervenção especial accionista relevante em empresas estratégicas, que, até por razões de segurança e de soberania, é indispensável em empresas como a REN, a ANA, a TAP, os CTT, a EDP, a Galp, a PT, e outras, estratégicas para qualquer Estado soberano, para qualquer Estado que queira defender, no mínimo, os interesses da sua população. E há-de explicar-nos o Sr. Ministro por que é que o Governo quer vender, por exemplo, os 20,9% da EDP — ou, pelo menos, estuda essa hipótese — a uma empresa alemã que, veja-se bem, tem 21% de participação pública!
Isto é, nós não podemos ter participação pública na EDP, mas podemos vender essa participação pública a uma empresa alemã que tem uma participação pública no seu capital social!
Aí está o que é, de facto, este processo de privatizações: é entregar a outros aquilo que é do nosso País!
Poderia dizer-se — e vou terminar, Sr. Presidente — que o Estado vai vender o interesse público ao interesse privado. Mas é pior do que isso: o Estado vai dar, de borla, o que resta das alavancas da economia aos grupos económicos nacionais e cada vez mais estrangeiros. É uma espécie de liquidação total do País, dos seus activos, das suas estruturas fundamentais, da sua soberania económica. E contra isso estaremos!

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