Projecto de Lei N.º 667/XV/1.ª

Procede à actualização das bolsas de investigação científica e respetivas componentes, repõe os subsídios cortados e elimina as taxas de doutoramento

Exposição de motivos

O Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) é um elemento estruturante para uma estratégia de desenvolvimento nacional assente numa evolução tecnológica ao serviço do país, tal como é um elemento essencial para a modernização do aparelho produtivo e para o progresso geral.

No entanto, décadas de política de direita protagonizada por sucessivos governos levaram a que o SCTN fosse condenado à ausência de um quadro consistente, estável e permanente de prioridades temáticas e de financiamento, afetando-o muito negativamente enquanto serviço público de interesse estratégico.

Ao mesmo tempo grande parte dos trabalhadores do SCTN mantém com a instituição em que desempenha as suas diversas tarefas uma relação baseada no Estatuto de Bolseiros de Investigação que não dão acesso à integração na carreira.

Nos últimos anos a vertente de bolsas em ambiente não académico tem sido incentivada exponencialmente, prevendo o MCTES a atribuição de 50% das bolsas por esta via a curto prazo. A justificação é a necessidade de acabar com a precariedade na ciência, mas com uma medida que alarga a figura das bolsas de investigação como forma de contratação a outros sectores laborais. Mão de obra barata, altamente qualificada, paga pelo Estado, que muda de contrato de bolsa em contrato de bolsa.

Sujeitar indiscriminadamente os trabalhadores às bolsas de investigação é uma forma de desvalorização do trabalho científico para suprir necessidades permanentes dos Laboratórios Associados, Laboratórios do Estado, Instituições de Ensino Superior Público. Trata-se de trabalhadores científicos que produzem trabalho, imaterial e material, imprescindível para o SCTN e para o desenvolvimento do nosso país. Bem recentemente esta situação foi evidente, tendo em conta o enorme esforço que os investigadores portugueses realizaram no contexto da pandemia.

O PCP defende que a generalização do recrutamento de trabalhadores para suprir as necessidades do SCTN passa, necessariamente, pela abertura da contratação para as carreiras de investigador, docente ou técnico superior, pela integração progressiva de todos os trabalhadores sujeitos a bolsa e pelo fim do Estatuto do Bolseiro de Investigação.

Contudo e até que a integração de todos os bolseiros de investigação científica seja uma realidade, conforme proposta que tem vindo sucessivamente a apresentar, o PCP considera que é necessário dar resposta aos problemas concretos vividos pelos bolseiros.

Os bolseiros sentem os problemas da perda de poder de compra desde 2002. Desde então, tiveram uma perda acumulada de salário que varia entre os 19% e os 28%, consoante o tipo de bolsa. Em média, a cada 5 meses, perdem um mês de salário, na grande maioria dos casos ultrapassando os 240 euros por mês. Há que somar a esta perda de poder de compra, presente em vários sectores da função pública e da população portuguesa, a perda de salário decorrente da condição de bolseiros que estes investigadores têm. Ao receberem bolsa apenas durante 12 meses ao invés de 14, há uma perda de salário anual correspondente a 14%, caso estes trabalhadores tivessem direito a um contrato de trabalho, como defende o PCP.

Conhecedores desta situação, Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) e Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) decidiram, no início de fevereiro, atualizar as bolsas de investigação em 55 euros, considerando o aumento absoluto do Salário Mínimo Nacional (SMN), de acordo com o estipulado no Regulamento de Bolsas de Investigação (RBI) da FCT. Tal atualização mantém-se consideravelmente abaixo da inflação média de 2022 e dos aumentos homólogos recentes. A título de exemplo, as bolsas de doutoramento e as bolsas de investigação para mestres (as duas tipologias de bolsas mais prevalentes no país) tiveram uma atualização de 4,8%, 3% abaixo da inflação, as bolsas de pós-doutoramento em 3,3%, 4,5% abaixo da inflação, e as bolsas de investigação para licenciados em 6,3%, 1,5% abaixo da inflação.

Finalmente, é relevante referir o caso dos investigadores contratados com bolsas de iniciação científica, que correspondem a 541,12 euros, significando que existem trabalhadores científicos em fase inicial de formação que recebem 219 euros abaixo do SMN, em regime de exclusividade, não podendo, portanto, complementar esses salários com outros trabalhos, com potenciais repercussões graves na sua qualidade de vida e capacidade de aguentar a subida de preços que todos vivemos.

Ao mesmo tempo foram múltiplos os apoios que foram cortados, como os relativos às propinas no estrangeiro, subsídios de viagem e de participação em conferências, redução do tempo de estadia no estrangeiro para bolsas mistas e bolsas nacionais, o que tem trazido dificuldades adicionais aos bolseiros de investigação científica.

O governo PSD/CDS acabou com o subsídio de execução gráfica da tese, transformou o subsídio anual para idas a congressos em subsídio único por bolsa e reduziu o período/financiamento das estadias no estrangeiro. Terminada a obrigação de entrega impressa da tese, permanecem ainda por repor rendimentos importantes para os bolseiros de investigação científica.

A falta destes apoios limita grandemente a possibilidade de participação em conferências. Existem muito poucas organizações nacionais fora da tutela da Ciência que atribuam este tipo de apoios. No caso de instituições ou sociedades científicas estrangeiras que ainda o fazem, a verdade é que frequentemente limitam os subsídios a doutorandos ou outros investigadores que trabalhem nas universidades desses países, o que invalida a possibilidade de bolseiros portugueses beneficiarem desses apoios.

Repor estes apoios não é mais que repor um direito que foi retirado aos bolseiros, visto que tanto a ida a congressos para apresentação de trabalhos, como os períodos no estrangeiro são elementos constituintes da vida profissional de um investigador, devendo, por isso, ser contemplados em termos de subsídios.

Assim, com este projeto de lei o PCP propõe uma atualização extraordinária no valor de 12,8% para as bolsas superiores a 1000 euros, correspondendo à estimativa do Banco de Portugal para a taxa de inflação em 2022 (7,8%) acrescido de um aumento extraordinário de 5% e no valor de 17,8% para as bolsas inferiores a 1000 euros, que resulta da estimativa taxa de inflação acrescido de um aumento extraordinário de 10%.

O PCP propõe a reposição do subsídio anual para a participação em missões e ida a congressos como a remoção dos limites impostos para as propinas e períodos no estrangeiro, tal como, passe a existir uma atualização anual das componentes de bolsa, tendo em consideração a atualização do valor da Retribuição Mínima Mensal Garantida, designadamente:

  1. Subsídio para atividades de formação complementar;
  2. Subsídio de trabalhos em reuniões científicas;
  3. Subsídio para inscrição, matrícula ou propinas;
  4. Subsídio único de viagem;
  5. Subsídio único de instalação.

Por fim, o PCP propõe ainda a eliminação das propinas, taxas e emolumentos, nomeadamente as taxas de doutoramento.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à atualização das bolsas de investigação científica e respetivas componentes, repõe os subsídios cortados e elimina as propinas, taxas e emolumentos.

Artigo 2.º

Atualização do valor das bolsas de investigação científica

  1. O valor das bolsas de investigação científica é atualizado extraordinariamente nos seguintes termos:
    1. Em 12,8% do valor atribuído, para as bolsas de investigação científica superiores a €1000;
    2. Em 17,8% do valor atribuído, para as bolsas de investigação científica inferiores a €1000.
  2. O previsto no presente artigo aplica-se também às Bolsas de Gestão de Ciência e Tecnologia e às Bolsas de Técnico de Investigação ou outras equiparadas, cujo contrato de bolsa ainda se encontre em execução.

Artigo 3.º

Atualização anual do valor das componentes das bolsas de investigação científica

  1. As componentes das bolsas de investigação científicas previstas no n.º 5 do artigo 18.º do Regulamento n.º 950/2019, que aprova o Regulamento de Bolsas de Investigação Científica da FCT, I.P., na sua redação atual, são objeto de atualização anual.
  2. A atualização referida no número anterior reflete a atualização percentual do valor da Retribuição Mínima Mensal Garantida fixada e produz efeitos a 1 de janeiro de cada ano.
  3. A atualização prevista no presente artigo é aplicável às bolsas cujo aviso de abertura tenha sido publicado a partir de 2019.
  4. O mecanismo de atualização referido no n.º 2 é igualmente aplicável às bolsas de investigação científica previstas no Regulamento n.º 950/2019, na sua redação atual, que aprova o Regulamento de Bolsas de Investigação Científica da FCT, I.P.

Artigo 4.º

Reposição dos subsídios a bolseiros para participação em missões e idas a congressos

  1. São retomados os seguintes apoios aos bolseiros de investigação científica:
    1. subsídio anual para participação em missões e ida a congressos;
    2. remoção dos limites impostos para as propinas e períodos no estrangeiro.
  2. Nas situações em que não seja possível a entrega de teses em formato digital, assim como naquelas em que é necessário entregar a tese em formato digital mas num suporte físico, tal como CD ou disco USB, os bolseiros têm direito a um subsídio para a entrega da tese.

Artigo 5.º

Eliminação das propinas, taxas e emolumentos no ensino superior público

  1. São eliminados, para os estudantes nacionais e de países com os quais Portugal tenha protocolos de cooperação bilateral, todos os custos de acesso e frequência no ensino superior público.
  2. São considerados custos de acesso e frequência, entre outros, as propinas, taxas e emolumentos cobrados nos cursos de licenciatura, mestrado integrado, mestrado, doutoramento, pós-graduação e cursos técnicos superiores profissionais, assim como os custos com pedidos de reconhecimento de grau ou diploma, necessários para a candidatura e/ou contratualização a esses cursos e a concursos de bolsa.
  3. Para cumprimento do disposto no presente artigo, são transferidas para as instituições do ensino superior públicas as verbas correspondentes à redução das referidas receitas.
  4. O Governo, através do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, procede à alteração do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior nos termos previstos nos números anteriores, salvaguardando o direito de todos os estudantes a serem apoiados no âmbito da Ação Social Escolar.

Artigo 7.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

  1. A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado subsequente, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
  2. Compete ao Governo a criação de condições para que a presente lei produza efeitos em 2023, considerando a disponibilidade orçamental para o ano económico de 2023, incluindo a possibilidade de recurso a financiamento comunitário.