Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

A problemática do emprego e a situação social

(interpelação ao Governo n.º 9/XI/2.ª)

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Senhores Membros do Governo

O passado mês de Agosto, brindou-nos com mais uma subida da taxa de desemprego. Logo se apressaram os membros do Governo em desvalorizar este drama que tem vindo a atingir de modo progressivo os portugueses.
Tanto o Sr. Ministro da Economia, como o Sr. Secretário de Estado do Emprego, nos vieram descansar com a estabilização do desemprego. O que infelizmente não está estabilizada é a situação de milhares de desempregados por esse país fora. Não lhes bastava terem ficado sem a sua fonte de rendimento, ainda são brindados com a desconsideração de verem desvalorizada a situação.
Mas nós sabemos porque desvalorizam, porque passam ao lado, porque fingem estar tudo controlado. Será esta a resposta de quem quer esconder as suas culpas?
E culpas não faltam. O que falta é quem as queira assumir.
Os números de desemprego que atingiram este ano os dois dígitos percentuais, valor este a que nunca tinham chegado em 36 anos de democracia, têm sido alvo preferencial das estratégias do governo para manipular a verdade que apresenta ao país.
Se olharmos para o gráfico da taxa de desemprego por trimestres desde 1999, possível de construir com os dados do INE, visualizamos uma curva ascendente, mas também facilmente se visualizam dois saltos na curva. Se a primeira vez que isso acontece, a partir do final de 2002, não é clara uma eventual relação com o Código do Trabalho, então aprovado, a 2ª subida, de 1,1 ponto percentual só num semestre, coincide plenamente com a publicação do Código do Trabalho da responsabilidade do Governo do PS. Coincidência dirão muitos nesta sala, certamente tantos quantos os que têm responsabilidade nesta matéria.
Outra desconsideração feita aos desempregados é a manipulação dos números de desemprego. Um desempregado é chamado ao Centro de Emprego. Não comparece no dia e hora indicados, automaticamente vê a sua inscrição suspensa. No dia seguinte apresenta-se no Centro de Emprego, e justifica a sua falta de uma forma perfeitamente legal, daquelas aceites por qualquer entidade patronal ou até mesmo aqui na Assembleia da República, mas a sua inscrição não é activada, porque uma vez suspensa só poderá ser reinscrito passados três meses. Não é difícil imaginar que será esta estratégia e outras desta natureza que fizeram desaparecer dos ficheiros dos Centros de Emprego, só nos primeiros 7 meses de ano, 334 303 inscrições. Não temos menos portugueses com problemas, mas o governo tem mais argumentos para continuar aquilo a que chama: “defesa do estado social”.
Outra estratégia criada para granjear apoios para os ataques dirigidos, agora aos desempregados, como já o foram antes dirigidos aos professores ou aos funcionários públicos, consiste em apresentá-los como parasitas da sociedade.
E se há coisa que os desempregados não são, é parasitas. Apenas recebem aquilo que descontaram e que é seu por direito. O Decreto-lei 200/99, da responsabilidade de um governo do PS, estabelece que 5,22% da taxa social única, têm como justificação o pagamento do subsídio de desemprego. O trabalhador que chega à situação de desempregado irá receber aquilo que já descontou e logo que é seu por direito. E estamos a falar de 16 660 milhões de € descontados pelos trabalhadores entre 2000 e 2009. Nesse mesmo período o estado pagou em subsídios de desemprego, em apoios ao emprego e em lay-off, apenas 15 187 milhões de €. O que significa que nestes 10 anos a Segurança Social teve um saldo positivo de 1473 milhões de €, à custa do desconto dos trabalhadores para cobrir situações de desemprego.
E é este o contexto do desemprego em Portugal. É nesta trama que, quem ficou sem trabalho, se vê envolvido.
E agora ainda com mais dificuldades em enfrentar a situação. As novas regras impostas obrigam os trabalhadores a aceitar trabalho por menos do que auferiam antes; Limitam o acesso ao subsídio social de desemprego, com medidas administrativas que fazem aumentar o rendimento per capita; E reduzem em média 46 € na prestação de desemprego do trabalhador. Quarenta e seis euros que certamente não significarão muito para a maioria dos que aprovaram estas medidas, mas que, para quem tem apenas como fonte de rendimento o seu trabalho, têm muita utilidade. Quarenta e seis euros que dariam, e numa situação em que o poder de compra é outro atentado à vida dos trabalhadores, para comprar 23 Kg de fruta, ou 32 pães, ou 15 Kg de peixe, ou 23 dúzias de ovos, ou 76 litros de leite. Quarenta e seis euros parecem pouco, mas podem fazer muita diferença.
Infelizmente, para todos, as noticias dos últimos dias falam-nos das reprimendas que o governo português tem recebido vindas do sistema financeiro e isso não augura nada de bom. Quem irá agora sofrer novos cortes? Haverá mais para cortar em quem tem já tão pouco?

Senhora Ministra,
Para quando o tratamento digno para quem trabalhou e quer voltar a trabalhar? Para quando a justa entrega aos desempregados do que é seu por direito à luz das regras criadas pelos PS em anterior governo? Para quando a definição de uma estratégia clara que envolva todos estes portugueses na produção de riqueza nacional?
De uma coisa podemos ter a certeza. Os desempregados poderão continuar a contar com o PCP, na denúncia destas situações, assim como o Governo continuará a contar com a oposição do PCP, sempre que as medidas que preconiza sejam para penalizar os que mais dificuldades têm.
Disse.

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