Projecto de Lei N.º 882/XII/4.ª

Primeira alteração à Lei nº 21/2014, de 16 de abril que "Aprova a Lei da Investigação Clínica"

Primeira alteração à Lei nº 21/2014, de 16 de abril que

Exposição de Motivos

Na abordagem das matérias associadas à investigação clínica, importa ter em conta três considerações prévias que nunca poderão ser ignoradas e desrespeitadas:

1 - A dignidade e os direitos das pessoas que participam em projetos de investigação clínica. As pessoas são o elemento central de qualquer investigação clínica; e nada, nem nenhum interesse pode sobrepor-se aos interesses individuais de cada participante no ensaio clínico.

2 – Qualquer investigação clínica só se deve realizar se conduzir à aquisição de conhecimento e de novas técnicas de intervenção De outro modo não há qualquer legitimidade para a sua realização em pessoas.

3 – Os estudos clínicos devem integrar-se numa estratégia definida pelo Governo para a investigação clínica, que vá ao encontro dos interesses e necessidades do Serviço Nacional de Saúde e dos utentes.

No entendimento do PCP estas considerações não estão devidamente salvaguardadas na Lei n.º 21/2014, de 16 de abril que aprova a lei da investigação clínica, à qual nos opusemos. Apesar de o PCP ter proposto soluções concretas que correspondiam a esses aspetos, estas não foram tidas em conta por PSD, PS e CDS-PP.

Numa análise ao articulado que compõe a Lei n.º 21/2014, de 16 abril podemos concluir que foi construído com um único objetivo – responder aos interesses da indústria farmacêutica em detrimento das prioridades e das necessidades de investigação clínica no Serviço Nacional de Saúde.

No seu objeto, a lei propõe-se abordar toda a dimensão da investigação clínica, mas na prática só se debruça sobre os ensaios clínicos, inclusivamente, reduzindo a investigação clínica àquela que é orientada pela indústria farmacêutica. Os ensaios clínicos são somente um dos aspetos da investigação clínica. Os estudos observacionais, os estudos desenvolvidos por instituições de ensino superior, por estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde ou por laboratórios de estado também integram a investigação clínica, mas são completamente negligenciados. Não há um tratamento específico para a investigação clínica promovida pelo investigador a título individual.

Refere-se a participação das pessoas nos ensaios clínicos como um grande benefício para os próprios, porque podem ter acesso a medicamentos inovadores. Nunca se refere os riscos que estão subjacentes a essa participação. Não se pode ignorar, que um ensaio clínico envolve a experimentação de medicamentos, portanto, o ensaio pode correr bem ou pode correr mal. É errado transmitir uma ideia de que há um benefício para os participantes, quando não há nenhuma garantia desse benefício e quando, inclusivamente, pode provocar danos do ponto de vista da saúde do participante. Neste sentido, a salvaguarda da integridade física e psíquica dos participantes é imprescindível e deve ser garantida acima de tudo.

A realização de ensaios clínicos não constitui nenhum ato de bondade da indústria farmacêutica. A sua área de negócio é a comercialização de medicamentos e como tal, a realização de ensaios clínicos são precisos, para poderem ter novos “produtos” – os medicamentos – para os comercializar.

Entendemos a necessidade de investir na inovação e na investigação de novos medicamentos. Mas o problema reside no facto de o Estado português se desresponsabilizar completamente, ficando completamente refém da investigação privada. Infelizmente a investigação pública na área do medicamento é insipiente.
A lei possibilita excecionar alguns requisitos, como o seguro ou a obtenção do consentimento informado, para as pessoas participarem em estudos clínicos. Mesmo que essas exceções sejam fundamentadas e decididas por uma comissão de ética, na nossa opinião, consagra uma desproteção das pessoas que participam em ensaios clínicos.

Noutro plano, são determinadas um conjunto de competências para a Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC) que extravasam muito o âmbito desta comissão. A CEIC deveria manter as suas atuais competências, associadas aos ensaios clínicos. A CEIC ficou ainda com a competência de coordenar a Rede Nacional de Comissões de Ética, menorizando as comissões de ética para a saúde.

A criação da Rede Nacional de Comissões de Ética é positivo, no entanto o modelo de organização e de funcionamento, não valoriza as Comissões de Ética para a Saúde.

A lei menoriza o papel das Comissões de Ética para a Saúde e descarateriza a sua essência enquanto representante dos valores e de culturas específicas das instituições e das comunidades onde estas se inserem. Despersonaliza, desta forma, a relação entre os investigadores, as instituições e a comunidade que eles representam. Por outro lado, ao criar e fomentar uma rede que persegue uma orientação única e exclusiva descarateriza, menoriza, desinteressa-se, despreza os valores e a cultura das instituições de saúde, a sua humanização e a promoção da bioética, na sua vertente assistencial.

Para o PCP a defesa dos interesses dos utentes e do Serviço Nacional de Saúde é primordial. Destacamos as seguintes propostas que correspondem a este desígnio:

- Salvaguarda da dignidade e dos direitos dos participantes nos ensaios clínicos através da eliminação da possibilidade de serem excecionados determinados requisitos para a participação num ensaio clínico;

- Valorização dos ensaios clínicos de iniciativa do investigador ou promovidos pelas instituições do Serviço Nacional de Saúde, determinando a sua regulamentação, nomeadamente no que concerne ao financiamento, seguros, alocação de recursos humanos e técnicos e promoção da farmacovigilância;

- Criação de mecanismos que valorizem e reconheçam a investigação clínica desenvolvida pelo investigador, em particular, através da progressão na carreira;

- Atribuição ao centro de estudo clínico a competência para a aprovação da realização do estudo clínico, assim como se garanta a alocação dos meios necessários para o seu desenvolvimento;

- Valorização e reconhecimento das comissões de ética para a saúde;

- Desgovernamentalização e democratização do funcionamento da Rede Nacional de Comissões de Ética para a Saúde, e alargamento do seu quadro de competências.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Alteração à Lei nº 21/2014, de 16 de abril
Os artigos 1º, 2º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 12º, 14º, 15º, 16º, 19º, 23º, 26º, 34º, 35º, 37º, 44º e 47º, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 1º
[…]
1. (…)
2. (…)
3. A realização de estudos clínicos deve conduzir à aquisição de conhecimento potencialmente generalizável.
4. (anterior nº 3)
Artigo 2.º
[…]
[…]

g) «Comissão de Ética para a Investigação Clínica», o organismo independente constituído por profissionais de saúde e outros, incumbido de assegurar a proteção dos direitos, da segurança e do bem-estar dos participantes nos ensaios clínicos e de garantir os mesmos junto da sociedade;

h) «Comissões de ética para a saúde (CES)» é um órgão consultivo que funciona, obrigatoriamente, em todas as instituições de saúde, assim como nas instituições de ensino superior, de todas as áreas do saber e de qualquer setor, onde se realize investigação científica e/ou prestação de cuidados de saúde em seres humanos e em animais não humanos, com responsabilidade na análise e reflexão das questões relacionadas com a ética e bioética.
(…)

j)«Consentimento informado» é o processo comunicacional que comporta a transmissão da informação, julgada necessária e suficiente e levada a cabo com adequação e clareza de linguagem, permitindo ao sujeito proposto, esclarecer dúvidas, ter tempo para ouvir opiniões e deliberar sobre a sua vontade de participação no estudo proposto, tendo em conta o seu sistema de valores e de crenças. Em ensaios clínicos de medicamentos e/ou de dispositivos médicos, resultam obrigatoriamente de documento escrito, sendo que das informações a prestar ao proposto sujeito de investigação consta a possibilidade de em qualquer momento, sem necessidade de prestar qualquer justificação, se retirar o Consentimento e interromper a sua participação, sem que daí advenham quaisquer quebras na qualidade da prestação de cuidados a que tem direito.
(…)

w) «Investigador» o profissional de saúde, com habilitações científicas e provas curriculares, bem como experiência na área que pretende investigar, que se responsabiliza pela realização do estudo clínico no centro de estudo e, sendo caso disso, pela equipa de investigação que executa o estudo nesse centro, podendo, neste caso, ser designado investigador principal;
(…)

aa) «Monitor», o profissional de saúde, dotado da necessária competência científica ou clínica, designado pelo promotor para acompanhar o estudo clínico e para o manter permanentemente informado, relatando a sua evolução e verificando as informações e dados coligidos;
(…)

ee) «Reação adversa», qualquer manifestação nociva ou indesejada registada a um medicamento, dispositivo médico, produto cosmético e de higiene corporal ou substância administrada a um doente ou participante no decurso do estudo clínico, independentemente da dose administrada.

Artigo 6º
[…]
1. (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) For obtido consentimento informado nos termos da presente lei, o qual deverá constar obrigatoriamente de documento escrito.
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
2 – (eliminar)
3 – (eliminar)
4 – (…)
5 – (…)
6 – (…)

Artigo 7º
[…]
1. (…)
a) For obtido o consentimento informado do representante legal, o qual deve respeitar a vontade do menor, podendo ser revogado a todo o tempo, sem prejuízo para o menor;
b) (…)
c) (…)
2. (…)
3. (eliminar)
4. (eliminar)
5. (eliminar)

Artigo 8º
[…]

1. (…)
2. (…)
a) For obtido o consentimento informado do respetivo representante legal, nos termos do número seguinte, o qual deve respeitar a vontade do participante;
b) (…)
c) (…)
3. (…)
4. (eliminar)
5. (eliminar)
6. (eliminar)

Artigo 9º
[…]
1. (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) Celebrar o contrato financeiro com o centro de estudo clínico, nos termos estabelecidos no artigo 13º.
e) (…)
f) (…)
g) Estabelecer e manter um sistema de segurança e vigilância do estudo clínico mediante monitorização efetuada sob responsabilidade de um profissional de saúde.
h) (…)
i) (…)
j) (…)
k) (…)
2. (…)

Artigo 10º
[…]

1. (…)
2. Promover e valorizar a realização de estudos clínicos pelo investigador, nomeadamente pela progressão da carreira.

Artigo 12º

[…]

1. (…)
a) Deliberar sobre a aceitação da realização do estudo clínico.
b) (anterior alínea a))
c) Aprovar o contrato financeiro no prazo máximo de 30 dias a contar da data do pedido do investigador ou do promotor;
d) (anterior alínea c))
e) (anterior alínea d))
2. (…)
3. (…)
4. Deve-se assegurar que o centro de estudo clínico dispõe das condições necessárias à realização do ensaio, nomeadamente ao nível da estrutura organizacional e dos meios técnicos e humanos.
5. A prossecução do ensaio não acarreta discriminação para os doentes portadores da mesma patologia que o estudo visa, mas nele não são incluídos.

Artigo 14º
[…]
1. (…)
2. Sempre que o investigador ou o investigador principal ou os membros da sua equipa de investigação sejam trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, a remuneração prevista no contrato financeiro é paga pelo centro de estudo clínico, com observância das regras gerais sobre a acumulação de funções previstas na lei.

Artigo 15º
[…]
1. (…)
2. O promotor deve obrigatoriamente contratar um seguro destinado a cobrir a responsabilidade civil referida no número anterior.
3. Nos estudos clínicos com intervenção, presumem-se imputáveis pelo estudo clínico os danos que afetem a saúde do participante durante a realização do estudo clínico e posteriormente, independentemente do número de anos que tenha passado, desde que o dano possa ser atribuído claramente à intervenção em causa.
4. (…)
5. (…)

Artigo 16.º
[…]
1. (…)
2. (…)
3. (eliminar)
a) (eliminar)
b) (eliminar)
4. (…)
5. O pedido de parecer é apresentado à CEC pelo promotor, através do RNEC, instruído de acordo com as indicações pormenorizadas a estabelecer pelo INFARMED.
6. No seu parecer a CEC deve pronunciar-se obrigatoriamente sobre:
a) (…)
b) Se o resultado da avaliação dos benefícios e riscos previsíveis é favorável;
c) (…)
d) (…)
e) A brochura do investigador;
f) A qualidade das instalações;
g) (anterior alínea e))
h) (anterior alínea f))
i) (anterior alínea g))
j) A declaração de conflito de interesses por parte do promotor, do investigador e da equipa de investigação envolvidos no estudo clínico.
k) (anterior alínea i))
l) (anterior alínea j))

m) A adequação e o carácter exaustivo das informações escritas a prestar, assim como o procedimento de obtenção do consentimento livre e esclarecido;

n) A fundamentação da realização do ensaio em pessoas incapazes de prestar o consentimento livre e esclarecido, nos termos da presente lei.

o) As disposições sobre indemnização e compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo o dano morte, imputáveis ao ensaio;

p) Todos os seguros destinados a cobrir a responsabilidade do investigador e do promotor;
n)
7 – (eliminar)
8 – (…)
9 – (…)

Artigo 19.
[…]
1 - (…)
2 - (…)

3 - O relatório final, o desenho do estudo, os instrumentos de recolha de dados de domínio público, e a meta-informação das bases de dados do estudo clínico devem ser disponibilizados à CEC, através do RNEC, no prazo de 365 dias após a conclusão da participação do último participante no estudo clínico nos adultos e de 180 dias nas crianças.

4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) A antecipação da conclusão do ensaio clínico só deverá ocorrer por razões de segurança ou futilidade, verificadas no decurso do mesmo.
7 - (…)

Artigo 23.º
[…]
1 - (…)
2 - Após a conclusão do estudo clínico com intervenção, os tratamentos referidos no número anterior devem, até à decisão de atribuição de financiamento pelo Ministério da Saúde, ser disponibilizados gratuitamente pelo promotor ao participante, desde que o investigador considere indispensável a continuação da sua utilização pelo mesmo e não existam alternativas terapêuticas de eficácia e segurança equiparáveis.
3 - (…)

Artigo 26.º
[…]
1. O pedido de autorização para a realização de ensaios clínicos é apresentado ao INFARMED, I.P., pelo promotor, através do RNEC, e é instruído com os seguintes elementos:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) A declaração de interesses de todos os membros que constituem a equipa de investigação;
j) Outros elementos considerados necessários.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (eliminar)
5 – (…)
6 – (…)

Artigo 34.º
[…]
1. A realização de estudos clínicos com intervenção de produtos cosméticos e de higiene corporal depende da autorização do INFARMED, I.P.
2. (…)
3. Após o pedido de autorização, o INFARMED, I.P. emite a sua decisão no prazo de 30 dias.

Artigo 35.º
[…]
1 - (…)
2 - Compete à CEIC:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) (…)
j) (…)
k) (…)
l) (…)
m) (…)
n) (…)
o) (…)
p) (…)
q) (…)
r) Receber e validar o pedido de parecer apresentado pelo promotor;
s) Dinamizar e colaborar com a Rede Nacional de Comissões de Ética para a Saúde (RNCES)
3 - (…)
4 – (…)
5 – (…)

Artigo 37.º
[…]
1 - A RNCES é constituída pela CEIC e pelas CES.

2 - São objetivos da RNCES:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) (…);
f) (…);
g) Promover a normalização e uniformização dos conceitos, procedimentos e avaliações pelas CES;
h) Promover ações de formação aos investigadores e profissionais associados à realização de estudos clínicos, nas áreas de sua competência;
i) Acompanhar a atividade das CES, no que concerne às suas responsabilidades de avaliação e acompanhamento dos estudos clínicos;
j) Prestar esclarecimentos e serviços de apoio às CES, que lhes sejam solicitados nas áreas da sua competência;
k) Prestar esclarecimentos e serviços de apoio aos investigadores que o solicitarem, nas áreas da sua competência;
l) Promover a literacia e a divulgação social do papel da investigação clínica, da sua relevância e das garantias éticas e sociais decorrentes da sua função e da função das CES.

3 – A coordenação da RNCES funciona junto da DGS, e integra o presidente, vice-presidente e secretariado sendo estes eleitos pelos representantes da CEIC e da CES.

4 – No prazo de 60 dias a contar da sua eleição, a coordenação da RNCES apresenta proposta relativa ao seu funcionamento, devendo tais normas ser aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde.

Artigo 44.º
[…]
1 - (…)
2 - A CEC é a autoridade competente para os efeitos previstos na presente lei.
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)
7 - (…)
8 - (…)
Artigo 47.º»
[…]
1 - (…):
a) (…);
b) 40% para a autoridade competente;
c) (eliminado)
2 - (eliminado)

Artigo 2.º
Eliminações

Artigo 42.º
[…]
(eliminar)
Artigo 43.º
[…]
(eliminar)

Artigo 3.º
Aditamento
É aditado o artigo 10º - A à Lei nº 21/2014, de 16 de abril, com a seguinte redação:

Artigo 10º - A (novo)
Ensaios da Iniciativa do Investigador

O Governo regulamenta no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, os ensaios clínicos realizados por iniciativa do investigador ou promovidos pelas instituições do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no que concerne ao financiamento, seguros, alocação de recursos humanos e técnicos e promoção da farmacovigilância.

Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 17 de abril de 2015

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