Projecto de Lei

Prevenção da corrupção e da criminalidade económica e financeira

 

Adopta um programa nacional de prevenção da corrupção e da criminalidade económica e financeira

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(Preâmbulo)

No final de Maio de 2006, o GRECO (Grupos de Estados Contra a Corrupção) do Conselho da Europa, tornou público o seu segundo relatório de avaliação da situação de Portugal em matéria de corrupção e de combate ao crime económico em geral.

Esse relatório era muito severo para com a ausência de medidas eficazes de combate ao crime económico em Portugal e traçava um diagnóstico que a imprensa portuguesa que se lhe referiu qualificou de arrasador.

Referia esse relatório que desde 2002, as autoridades policiais desencadearam 1521 investigações de casos de corrupção, tendo completado 407. No entanto, o número de apreensões e de somas envolvidas foi mínimo. Em 2005 não se verificou um único caso de confisco de bens ilicitamente obtidos pela prática de crimes de natureza económica ou financeira.

Procurando encontrar explicações para este facto, os relatores concluíram que as investigações sobre esse tipo de crimes foram muitas vezes abandonadas por falta de recursos ou atrasadas devido a falta de comunicação adequada entre entidades públicas e privadas. Apesar dos poderes estabelecidos na lei quanto ao acesso a elementos de natureza bancária e fiscal, estes chegaram muitas vezes demasiado tarde. Por outro lado, a investigação sobre os bens suspeitos de terem sido ilicitamente obtidos, não foi feita de forma sistemática por falta de recursos e por não ser considerada uma prioridade.

Apesar de existir legislação que obriga a participar às autoridades judiciárias as operações financeiras suspeitas, apenas dois casos suspeitos de corrupção foram comunicados em 2005, o que segundo os relatores, revela a falta de uma relação estruturada entre as instituições que estão obrigadas a comunicar transacções suspeitas e o Ministério Público, a polícia, as autoridades de supervisão financeira e outras entidades reguladoras. Para além de que, as entidades sujeitas à obrigação de comunicar operações suspeitas não recebem qualquer indicação ou preparação específica que as ajude a estabelecer conexões entre as operações de que tomam conhecimento e a possível ocorrência de actos de corrupção.

No âmbito da Administração Pública, o relatório referia a ausência de coordenação entre diversas entidades que poderiam e deveriam ter um papel determinante na prevenção do fenómeno da corrupção. Chamava a atenção para os perigos de algumas medidas ditas de modernização e de simplificação administrativa e para os riscos de corrupção que tais medidas poderiam propiciar se não fossem devidamente acompanhadas. Considerava que o direito de acesso dos cidadãos aos documentos da administração nem sempre era garantido na prática, devido à lentidão da resposta dos serviços perante as solicitações dos cidadãos. Considerava que o recrutamento para a Administração Pública era vulnerável à corrupção e nem sempre era conduzido de forma transparente. Referia a insuficiência da fiscalização de conflitos de interesses entre o exercício de cargos públicos e a prossecução de interesses privados e considerava insatisfatória a regulação daquilo a que chamava a "migração" do sector público para o sector privado. Considerava ainda que aqueles que de boa-fé denunciassem actos de corrupção não tinham garantida a protecção legal adequada contra possíveis actos de retaliação.

De então para cá, esta situação não se alterou significativamente. O trabalho legislativo desenvolvido na Assembleia da República em torno do combate à corrupção a partir de 2007, apesar das grandes expectativas que foram criadas, saldou-se por uma enorme decepção, e ainda recentemente a rejeição da criação do tipo de crime de enriquecimento ilícito, traduziu-se na recusa de adoptar um poderoso meio legal de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.

Não obstante, as referências à corrupção e à criminalidade de colarinho branco em geral multiplicam-se na comunicação social e entre a opinião pública, o que foi sobremaneira agravado com os escândalos vindos a público a partir da falência iminente de instituições financeiras. Existe um clima de desconfiança no funcionamento da Justiça quando estão em causa interesses de poderosos e existe a convicção generalizada de que proliferam fenómenos impunes de corrupção, tráfico de influências, peculato, burlas, e todo o tipo de infracções de natureza económica e financeira, sem que se proceda ao apuramento dos factos e à responsabilização dos infractores.

Entretanto, a corrupção, o crime económico em geral, e a convicção que se vai gerando da sua impunidade, minam os fundamentos básicos e a credibilidade que deveria merecer o Estado de direito democrático, a sua Administração Pública e o sistema judiciário.

Para que esta situação possa ser eficazmente combatida é indispensável que o poder político dê um sinal muito claro de determinação no combate a todos os tipos de criminalidade económica e financeira. Este sinal terá de se traduzir no aperfeiçoamento dos mecanismos legais destinados a prevenir e punir este tipo de crimes e também na garantia de meios e condições para que esses fenómenos sejam prevenidos, e onde quer que ocorram, sejam detectados, investigados até ao fim e julgados em tempo útil.

O que não é aceitável para os cidadãos é que, apesar das referências à criminalidade económica e financeira encherem as páginas dos jornais, tudo se arraste sem fim à vista e as investigações se eternizem ou vão de incidente em incidente até à prescrição final.

O PCP tem apresentado sucessivamente inúmeras iniciativas legislativas no âmbito do reforço do quadro sancionatório para o crime económico e financeiro e da supervisão de instituições de crédito. Na verdade, o crime económico beneficia de um quadro penal injustificadamente compensador para quem o comete, tudo se passando no âmbito das contra-ordenações, ligeiramente agravadas com as últimas medidas aprovadas.

A alteração ao Código Penal e ao Regime Geral das Instituições de Crédito para permitir, designadamente, a protecção de testemunhas que declarem no âmbito destes crimes, a colocação permanente de equipas de supervisão onde e sempre que a entidade competente considere necessário, a divulgação e transparência dos negócios e informações consideradas de relevo; a autorização prévia do Banco de Portugal para a realização de determinadas operações, foram aspectos já propostos pelo Grupo Parlamentar do PCP, como medidas essenciais para o combate a este tipo de crime.

Os recentes exemplos tornados públicos, alguns deles ainda em investigação, saldam-se, desde já, pela constatação óbvia da falta de mecanismos eficazes e dissuasores. Manifestações públicas de directos intervenientes, com responsabilidade na investigação do chamado "crime de colarinho branco" e entidades com responsabilidades na supervisão, designadamente a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, têm de forma insistente apelado a uma maior determinação no cerco ao crime económico e financeiro.

Assim, com o objectivo de contribuir para suprir essas insuficiências, o PCP propõe a adopção de um programa nacional com o objectivo de prevenir a criminalidade económica e financeira.

Este Programa, enquanto conjunto coerente de medidas, terá como objectivos: garantir a coordenação das entidades de supervisão, fiscalização e controlo com intervenção na prevenção e combate à criminalidade económica e financeira; elaborar propostas relativas à intervenção das diversas entidades; apoiar a formação de pessoal qualificado; estudar a realidade europeia e internacional e desenvolver neste âmbito a cooperação respectiva.

O PCP não propõe a criação de uma estrutura burocrática, que seria mais uma, nem de uma comissão emanada do poder político e submetida à vontade de maiorias conjunturais, nem de uma agência de emprego de clientelas políticas. Tratar-se-ia de criar um espaço de coordenação de entidades que já existem e actuam, e cuja coordenação e articulação importa aprofundar. Não se trata igualmente de criar uma estrutura que pretenda substituir-se às que já existem. Pelo contrário. Trata-se de, no respeito estrito pelas competências próprias de cada entidade, e sem ingerências espúrias, melhorar o trabalho conjunto para que o trabalho de todas possa beneficiar com isso.

Nestes termos os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

(Programa Nacional)

Pela presente lei é criado o Programa Nacional de Prevenção da Criminalidade Económica e Financeira, adiante designado por Programa Nacional.

Artigo 2.º

(Definição)

Nos termos e para os efeitos da presente lei, considera-se abrangida pelo Programa Nacional a prevenção dos seguintes crimes:

•a)     Corrupção, peculato e participação económica em negócio;

•b)     Administração danosa em unidade económica do sector público;

•c)      Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;

•d)     Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, em recurso à tecnologia informática;

•e)      Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional;

•f)      Branqueamento de capitais e de outros bens provenientes de actividades económicas;

•g)     Crimes praticados em conexão com os crimes referidos nas alíneas anteriores.  

Artigo 3.º

(Objectivo)

O Programa Nacional tem como objectivo prevenir a prática dos crimes referidos no artigo anterior através de um conjunto integrado e concreto de medidas, e do aprofundamento e coordenação da acção das entidades que intervêm na prevenção e repressão desses tipos de crimes, sem prejuízo das competências próprias de cada uma delas, visando contribuir para a definição e concretização da política nacional nesta área.

Artigo 4.º

(Comissão Nacional)

Para a prossecução destes objectivos é criada a uma comissão de âmbito nacional para a prevenção da criminalidade económica e financeira, adiante designada por Comissão Nacional.

Artigo 5.º

(Atribuições)

1 - A Comissão Nacional tem por atribuições:

•a)     Coordenar a intervenção das entidades de supervisão, fiscalização e controlo em matéria de prevenção e combate à criminalidade económica e financeira;

•b)     Acompanhar e avaliar a situação nacional quanto à ocorrência de crimes de natureza económica e financeira, quanto às suas consequências, e quanto aos efeitos das medidas adoptadas e da legislação, nacional e internacional, existente a este respeito;

•c)      Elaborar, em conjunto com as entidades envolvidas, e submeter ao Governo, propostas relativas à prevenção da criminalidade económica e financeira, nomeadamente ao nível do controlo e fiscalização das entidades susceptíveis de ser utilizadas em operações previstas e punidas por lei;

•d)     Apoiar a formação técnica e cientifica de pessoal qualificado com intervenção nesta matéria, particularmente de profissionais das estruturas representadas na Comissão;

•e)      Desenvolver a cooperação internacional e estudar a realidade de outros países em matéria de prevenção e combate à criminalidade económica e financeira, com vista ao aperfeiçoamento das disposições legais sobre essa matéria.

2 - A Comissão Nacional pode submeter à consideração do Governo e da Assembleia da República as propostas legislativas e regulamentares, bem como os relatórios e as recomendações que tiver por convenientes.

Artigo 6.º

(Composição)

1 - A Comissão Nacional é presidida por um Juiz a designar pelo Conselho Superior da Magistratura e integra um representante de cada uma das seguintes entidades:

•a)     Tribunal de Contas;

•b)     Procuradoria Geral da República;

•c)      Ministério das Finanças;

•d)     Ministério da Justiça;

•e)      Ministério da Administração Interna;

•f)      Banco de Portugal;

•g)     Polícia Judiciária;

•h)     Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;

•i)       Instituto Português de Seguros;

•j)       Direcção Geral dos Impostos;

•k)     Inspecção Geral de Jogos;

•l)       Inspecção Geral das Actividades Económicas;

•m)   Inspecção Geral de Finanças;

•n)     Direcção Geral das Alfândegas.

2 - A Comissão Nacional integra ainda um Secretário Executivo, nomeado pelo Governo, que tem como funções secretariar a Comissão e assegurar o funcionamento dos respectivos serviços de apoio.

Artigo 7.º

(Serviços de apoio)

Compete ao Governo dotar a Comissão Nacional dos meios, serviços de apoio e assessoria técnica necessários à prossecução dos seus objectivos.

Artigo 8.º

(Dever de cooperação)

Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com a Comissão Nacional na prossecução dos seus objectivos, designadamente facultando-lhe todas as informações que aquela solicite no âmbito das suas competências.

Artigo 9.º

(Regulamentação)

O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 90 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 8 de Maio de 2009

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