Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Preparam-se novos ataques aos salários dos trabalhadores

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Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
«Diminuir salários não é uma política, é uma urgência» — esta foi a afirmação com que, com todo o descaramento e sem nenhum pudor, António Borges, homem de mão do grande capital, indignou os trabalhadores e o povo português.
Mas quem é este António Borges? É o homem da Goldman Sachs, entidade responsável pelo desastre económico em muitos países, nomeadamente pela manipulação das contas públicas na Grécia; foi um alto funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI); ocupa um lugar no conselho de administração do Grupo Jerónimo Martins; e recentemente — pasme-se — foi convidado pelo Governo português para acompanhar as privatizações, as parcerias público-privadas e o sector empresarial do Estado. O mesmo António Borges que, enquanto funcionário do FMI, auferiu 225 000 € livres de impostos.
Provavelmente, estava a referir-se ao salário médio, que ronda os 700 €, ou talvez ao salário mínimo nacional, no valor de 485 €, auferido por mais de 400 000 trabalhadores. São estes os montantes dos «elevadíssimos salários» que têm de ser reduzidos urgentemente, segundo este senhor!
Embora o Primeiro-Ministro declare que não pretende implementar uma política de redução de salários — apesar de esta estar em velocidade cruzeiro —, a manutenção de António Borges como consultor do Governo indicia exatamente o oposto. Aliás, o Governo recomendou «a toda a sociedade portuguesa que houvesse contenção salarial».
Por sua vez, o Ministro de Estado e das Finanças disse que a sua visão para o País assenta em bons salários e em bons empregos, mas logo de seguida refere que «a economia precisa de se ajustar», designadamente através da redução dos custos unitários do trabalho para ganhar competitividade. E acrescentou ainda que o aumento do desemprego e a redução de salários são «uma consequência indesejável, mas inevitável». São inaceitáveis tais declarações!
Para a troica internacional, o aumento do desemprego em Portugal não se deve à destruição do aparelho produtivo ao longo de décadas e às políticas que conduzem à recessão económica mas, sim, aos elevadíssimos salários, aconselhando, na prática, à sua redução.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A política de redução de salários há muito que está a ser aplicada no nosso País pelos Governos do PS, do PSD e do CDS.
Desde 2005 que os Governos procederam ao congelamento dos salários na Administração Pública, à exceção do ano de 2009 por motivos eleitoralistas e sem repor os cortes dos anos anteriores, conduzindo à redução real dos salários devido à inflação e ao aumento dos preços, induzindo igual política para os trabalhadores no setor privado.
Aos trabalhadores da Administração Pública foi imposto um corte salarial em 2011 e o roubo nos subsídios de férias e de Natal a partir de 2012, cuja reposição o novo PEC remete como mera hipótese lá para o ano de 2018.
Em 2011, o Governo aplicou uma sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos do trabalho, enquanto os rendimentos de capital permanecem intocáveis.
Contrariamente ao que é propalado vezes sem conta, as sucessivas alterações ao Código do Trabalho nunca contribuíram nem para criar emprego nem para aumentar a produtividade e a competitividade. No entanto, foram exatamente estes os argumentos utilizados pelo Governo PSD/CDS para impor mais uma alteração ao Código do Trabalho, que exercerá fortes pressões para reduzir ainda mais os salários, particularmente o embaratecimento e a facilitação do despedimento, a redução dos montantes e do tempo de atribuição do subsídio de desemprego, para além de obrigarem o trabalhador com subsídio de desemprego a aceitar um trabalho com um salário inferior ao que atualmente aufere.
O corte de 50% no pagamento das horas extraordinárias reduz diretamente a remuneração, o que, acrescida a aplicação dos bancos de horas, implica a realização de trabalho suplementar, sem o respetivo pagamento.
A redução de feriados e de dias de férias significa mais dias de trabalho pelo mesmo salário, reduzindo o custo do trabalho, e o ataque à contratação coletiva, com vista à caducidade e à retirada dos sindicatos da negociação com o patronato para enfraquecer a posição dos trabalhadores.
Importa relembrar que os Governos do PS, PSD e CDS não cumpriram o acordo assumido em sede de concertação social para aumentar o salário mínimo nacional e rejeitaram as propostas do PCP sobre esta matéria.
Os estágios profissionais, com baixos salários para pessoas altamente qualificadas ou o atual «exército de desempregados» constituem uma brutal pressão sobre os salários.
Está amplamente comprovado que as políticas dos baixos salários não são solução para o crescimento económico e a competitividade. Antes, contribuem para a contração do mercado interno e para o progressivo empobrecimento dos trabalhadores e do povo.
É a inovação, o investimento e a formação dos trabalhadores que potenciam o aumento da produtividade e da competitividade.
A pretexto do défice das contas públicas, as troicas nacional e internacional pretendem extorquir uma maior fatia da riqueza criada pelos trabalhadores, concentrando-a no patronato. As medidas implementadas revelam uma conceção ideológica ao serviço do capital — atacar os rendimentos do trabalho e os direitos dos trabalhadores para aumentar a exploração e, simultaneamente, aumentar os lucros dos grandes grupos económicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É urgente derrotar o pacto de agressão da troica! É urgente renegociar a dívida, nos seus prazos, taxas e montantes, o quanto antes! É urgente pôr Portugal a produzir, criar riqueza e valorizar os salários, reformas e pensões!
Os trabalhadores não se deixam iludir e sabem que a receita da austeridade não serve. Nos próximos dias 9 e 16 de junho, no Porto e em Lisboa, respetivamente, podem contar com a grande combatividade dos trabalhadores, contra o pacto de agressão, contra a exploração, pela defesa dos seus direitos e por salários dignos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Aiveca,
De facto, a contratação deste Sr. António Borges revela bem as opções políticas deste Governo, nomeadamente em matéria salarial, quando já tem aprovado, e continua nesse rumo a aprovar, um conjunto de medidas que paulatinamente conduzem à redução progressiva dos salários dos portugueses.
Ainda hoje, o Conselho das Finanças Públicas referia que, para os funcionários públicos, se previa uma redução de cerca de 40% das suas remunerações, o que explica e sintetiza bem as pretensões deste Governo e quão encapotadas estão as várias declarações que vamos ouvindo no sentido de que não, de que o Governo não vai reduzir salários, de que não, de que o Governo está preocupado com os desempregados, nomeadamente os jovens desempregados, tendo já apresentado um conjunto de medidas que não vão resolver problema algum. Aliás, a questão referente à taxa social única cria benefícios para um conjunto de empresas que contratem jovens trabalhadores mas, principalmente, que contratem jovens trabalhadores qualificados com baixos salários, porque o incentivo é à contratação com baixos salários, precariedade e instabilidade, taxa social única, essa, que é dinheiro dos trabalhadores, é dinheiro que está a ser retirado aos trabalhadores para as reformas, para as pensões, para o subsídio de desemprego, para o conjunto de apoios e prestações sociais.
Por isso, está bem claro e espelha as várias medidas que cada vez mais evidenciam as opções claras, quer das medidas que vão sendo implementadas pelo pacto de agressão, subscrito pelo PS, PSD e CDS, quer um conjunto de medidas de austeridade deste Governo, que penalizam e atacam cada vez mais os rendimentos do trabalho, retiram os direitos dos trabalhadores para manter intocáveis e concentrar riqueza no grande patronato e nos grupos económicos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado,
Agradeço a sua questão, mas não vale a pena o PSD vir aqui, numa tentativa de se afastar deste conjunto de declarações de António Borges, como se não tivesse nenhuma responsabilidade ou como se não tivesse nada a ver com o assunto, porque a verdade é que as afirmações de António Borges responsabilizam também o Governo, apesar de o Governo e de o PSD virem aqui dizer que não é essa a política do Governo e nem é essa a pretensão por parte do PSD.
Mas já lá iremos, Sr. Deputado.
O conjunto de afirmações que o Sr. Deputado aqui referiu também diz muito sobre o comportamento do PSD: quando dá jeito, contratam e o Sr. António Borges é equiparado a ministro; quando não dá jeito, é equiparado a um quadro superior.
Isto é consoante as luas, ou consoante o momento político, ou consoante também o facto de o PSD estar amarrado a estas políticas mas querer transmitir e enganar os portugueses como se estivesse muito preocupado com a sua situação económica, com a situação de pobreza e com os desempregados.
O Sr. Deputado falou nos acordos de concertação social. Mas onde está o cumprimento do acordo que previa o aumento do salário mínimo nacional que o PS, o PSD e o CDS rejeitaram aqui, nesta Assembleia da República? Onde está essa preocupação? Por que não aprovaram e por que não se implementou o aumento do salário mínimo para os trabalhadores, tendo em conta que há cada vez mais trabalhadores a auferir o salário mínimo no nosso País?
Sr. Deputado, a verdade é que as políticas concretas do PSD e do CDS, que têm tido o apoio do PS, e quando o PS foi Governo tiveram o apoio do PSD e do CDS, ou seja, estamos todos aqui a falar da troica nacional e da unidade entre estes três partidos em relação a estas matérias, vão no sentido de reduzir o salário dos trabalhadores, do corte nas horas extraordinárias, do roubo nos subsídios de férias e de Natal, como também o conjunto de medidas que este Governo impôs agora aos trabalhadores portugueses, com as alterações do Código do Trabalho, vão significar, no concreto, na vida destes trabalhadores, menor poder de compra, menor salário e mais dificuldades.
O que este Governo está a promover é, de facto, a distribuição e o alargamento da pobreza para quem trabalha no nosso País.
(…)
Sr. Presidente,
Parece que o CDS está aqui numa clara contradição porque suporta o Governo, está de acordo com a contratação de António Borges para ser o consultor para as privatizações, para as parcerias público-privada, mas depois vem aqui dizer: «Nós não concordamos com essas declarações».
Então, se não concordam e se atribuem tais responsabilidades a António Borges, por que não o demitem?!
Ele está a comprometer e está também a responsabilizar o Governo relativamente a estas mesmas declarações para reduzir os salários.
Sr. Deputado, digo-lhe mais: parece que, se calhar, pelas suas palavras, há também uma contradição entre PSD e CDS.
O Ministro Vítor Gaspar tem dito que para que Portugal possa sair desta situação será necessário reduzir os custos unitários do trabalho, isto é, ter salários mais baixos. É o seu Governo que defende e que considera ser inevitável que os salários sejam reduzidos. Mas, Sr. Deputado, não há mais produtividade nem competitividade com salários baixos!
Não há desenvolvimento do País com salários baixos! Aliás, o que o seu Governo está a fazer — e para isso, não estamos disponíveis, para isso não contam com o PCP — é a afundar o País, é a levar as pessoas ao empobrecimento, é a aumentar as desigualdades e é a criar mais dificuldades e mais pobreza entre os portugueses.
Para isso claramente não contam com o PCP. Contam com o PCP, sim, para o desenvolvimento, para apostar na produção nacional, porque para haver produtividade é preciso haver investimento, é preciso haver inovação, é preciso haver aposta na formação dos trabalhadores, é preciso reforçar salários, reformas e pensões e garantir os direitos da nossa população.
É esse o rumo: aumentar o salário mínimo nacional, pôr o País a produzir e não, como os senhores estão a fazer, a levar cada vez mais o nosso País para o declínio, para favorecer os interesses de uma pequena minoria, os grandes grupos económicos e o setor financeiro, que, em todo este processo e em todas estas medidas de austeridade que estão a ser aplicadas, são sempre os que se mantêm intocáveis e são aqueles a quem não são apontadas responsabilidades perante o País mas que têm responsabilidades pela situação em que o País se encontra.
Sr. Deputado, com o PCP, não contam para afundar o País, contam, sim, para defender os trabalhadores, para valorizar o salário mínimo nacional e para que o País possa sair da situação em que está, mas com progresso, com desenvolvimento e com investimento.

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