Intervenção de Duarte Alves na Assembleia de República, Comissão Permanente

É preciso uma política alternativa, com o controlo público do sector da energia

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Senhor Presidente,
Senhores deputados

Senhores secretários de estado,

O PCP tomou a iniciativa de convocar esta audição perante a escalada de preços dos combustíveis, que prejudicam a vida do povo, a sobrevivência de muitas MPME, com efeitos desastrosos também nos preços dos bens de consumo.

É preciso começar por dizer que este aumento de preço tem um carácter especulativo, e só vai beneficiar os lucros milionários das petrolíferas, se não houver coragem política para enfrentar os grandes interesses.

As medidas apresentadas pelo Governo são insuficientes, quer porque do ponto de vista fiscal ficam aquém da resposta necessária, quer porque sem regular os preços, nada garante que qualquer alívio fiscal não seja total ou parcialmente absorvido pelas petrolíferas, limitando os efeitos reais no preço que é pago pelos consumidores.

O problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: a cotação internacional, as margens, e a fiscalidade.

Começando nas cotações internacionais, porque é aí que está a origem deste brutal aumento.

É preciso questionar este modelo, baseado nos índices Platts da Praça de Roterdão, um índice construído por uma consultora privada, a partir da informação dada pelas próprias petrolíferas, sem qualquer escrutínio, e que determina o preço de referência.

É por causa deste sistema de cotações especulativo que temos este absurdo: o preço do petróleo aumenta um dia; logo a seguir aumentam os preços dos combustíveis, quando esses combustíveis foram já refinados há meses, a partir de petróleo comprado a um preço inferior.

Depois, temos as margens.

A comunicação da ENSE do passado mês de julho é clara: em 2020 e 2021 as margens das petrolíferas foram em média superiores às de 2019, atingindo o máximo do período analisado.

Diz ainda a ENSE que é a margem bruta que explica o aumento que então se verificava, e que entretanto se agravou.

Basta pensarmos: como é que é possível que quando o barril de petróleo atingiu o seu valor máximo histórico – em julho de 2008, acima de 140 dólares – o gasóleo era vendido a 1,41 €; e agora, que o petróleo chegou aos 130 dólares no dia 7 de março, o gasóleo está a ser vendido quase a 2 euros.

Há aqui quem esteja a ganhar (e muito!) à custa desta especulação!

Neste momento, a Galp está com margens de refinação na ordem dos 9,8 dólares por barril de petróleo refinado, quando o normal nos meses homólogos do ano anterior era de 2 ou 3 dólares, tendo chegado a 7 dólares em alturas extraordinárias.

Uma margem de refinação de 9,8 dólares por barril em Março, face a margens de 3,6 dólares por barril em Fevereiro, com uma refinação superior a 300 mil barris por dia em Sines, dá cerca de 1,8 milhões de euros por dia de ganho suplementar, (a que se junta a margem comercial grossista e também os ganhos da exploração de petróleo) – e quem paga este negócio é o povo português!

O Governo tem instrumentos – aprovados nesta AR – para intervir sobre as margens, mas até agora nada fez nesse sentido.

Por fim, a fiscalidade, que representa um enorme peso sobre os consumidores portugueses.

Nessa matéria, o PCP tem defendido 1) o fim do chamado “adicional ao ISP” criado pelo Governo em 2016; 2) o fim da dupla tributação do ISP em sede de IVA.

Não faz sentido algum que o IVA incida sobre o combustível mais o ISP. É um imposto que paga imposto, e essa dupla tributação deve acabar.

A solução imediata é a conjugação destas medidas fiscais com a actuação sobre as margens e o preço máximo, para garantir que as medidas fiscais não caem em saco roto.

Hoje estamos aqui a tratar de respostas de emergência. Mas esta situação é mais uma vez reveladora da falta de uma política energética soberana que sirva o país.

O caminho das privatizações, da liberalização de preços, de deixar ao capital privado decisões fundamentais sobre este sector estratégico, o caminho de destruição de ativos como a Refinaria de Matosinhos, colocando o país numa situação de maior dependência face a situações externas que não controla (como a que agora vivemos), é também o caminho que é preciso alterar.

Os combustíveis, o sector da energia, é demasiado estratégico para ser deixado ao mercado, ou melhor, aos oligopólios que fazem cartel para manter os seus lucros milionários.

É preciso responder a esta situação no imediato, e as medidas do Governo não chegam! Mas é também preciso uma política alternativa, com o controlo público do sector da energia, que o PCP continuará a defender.

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