Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Audição Pública «A sustentabilidade financeira da Segurança Social e a diversificação das suas fontes de finaciamento»

É preciso dar combate a opções de destruição da Segurança Social e a sua transformação numa estrutura de cariz assistencialista

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Realizamos esta Audição sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social para reflectir e recolher contributos sobre os caminhos que devem ser trilhados para responder aos desafios que estão colocados, desafios no presente e para o futuro.

E saímos desta iniciativa com importantes contributos.

Não temos a pretensão de ter todo o apuramento e informação para responder a esta questão, mas temos reflexão, temos ideias, temos propostas e, acima de tudo, temos vontade e queremos construir as soluções que se impõem.

É nesse sentido que gostaria de agradecer os contributos e reflexões que aqui vieram, contributos de gente que sabe do que fala, opiniões que muito contribuem para a construção das soluções que o País precisa.

Assumimos como ponto de partida que a resposta aos desafios que estão colocados exige consolidar e aprofundar o Sistema Público de Segurança Social – universal e solidário.

Para este objectivo é preciso ter em conta, desde logo, a realidade objectiva em que nos encontramos e a procura de soluções que garantam os princípios universais e de solidariedade da Segurança Social.

É necessário consolidar o Sistema Público de Segurança Social promovendo uma  adequada gestão das contribuições dos trabalhadores e a ampliação das receitas que permitam garantir a  sua protecção social. 

A Segurança Social não é o centro de tudo mas sobre ela recaem, em grande medida, os impactos das opções políticas de fundo.

Uma política geradora de precariedade, é necessário ter presente que 70% do emprego criado em 2022 foi com contratos precários, tem consequências na vida de quem está nessa situação mas também na Segurança Social.

O desemprego é um drama para quem o enfrenta, incluindo para os que não acedem ao respectivo subsídio, mas também gera constrangimentos para a Segurança Social.

Os baixos salários, num País onde 70% dos trabalhadores, cerca de 3 milhões, ganham menos de 1000 euros brutos, constituem um problema de todos os dias para os trabalhadores, mas tem também consequências na redução das possibilidades de ampliar o financiamento da Segurança Social.

São apenas alguns exemplos em que se verificam relações profundas entre opções políticas diversas e a Segurança Social. Mas não tem de ser assim!

O sistema público de Segurança Social, universal e solidário, resultante das contribuições dos rendimentos do trabalho, desempenha um papel central para assegurar as condições de vida necessárias, quer para quem perdeu as suas remunerações, quer para quem se reformou, ou ainda no apoio e prestações sociais à generalidade da população.

Mais emprego, mais estabilidade laboral e melhores salários são, simultaneamente, garantia de mais e melhor Segurança Social. Só assim será possível assegurar o direito à Segurança Social para todas as gerações como elemento central para a elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo e para o desenvolvimento do País.

A Segurança Social é uma conquista dos trabalhadores, uma forma de redistribuição da riqueza, elemento fundamental de garantia de apoio e justiça social.

Nesse sentido as opções para a Segurança Social não podem estar desligadas de opções políticas de fundo, opções mais amplas e gerais.

Promover uma adequada gestão das contribuições dos trabalhadores para garantir a sua protecção social, ampliando essa mesma contribuição desde logo a partir de uma questão que se coloca hoje como determinante, e em si mesmo uma emergência nacional, que é o aumento geral dos salários, de todos os salários.

Esta é a medida central que defende e dá resposta a quem trabalha, que garante a sustentabilidade de quem trabalhou e da própria Segurança Social.

Naturalmente que a questão decisiva do aumento dos salários está profundamente ligada à criação de emprego com direitos, ao investimento público e à promoção da produção nacional.

E há que procurar, como já afirmámos, soluções novas e criativas que acrescentem às premissas onde assentam os princípios universais e de solidariedade da Segurança Social, nomeadamente a diversificação das fontes de financiamento.

Medida urgente e imediata de forma a responder, e já, ao desafio que o País enfrenta relativamente ao défice demográfico.

Não desvalorizamos os impactos do envelhecimento demográfico e os seus reflexos também na Segurança Social.

Um défice demográfico desde logo na relação entre o número da população em idade activa e o número dos que se encontram reformados e os impactos que daí decorrem, de desequilíbrios futuros entre o volume das receitas e o volume das despesas inerentes com o pagamento do conjunto das prestações sociais por desemprego, por maternidade e paternidade, por velhice.

Aliás, não só não menosprezamos esta realidade, como procuramos e apresentamos soluções.

O envelhecimento demográfico não é uma questão da Segurança Social, o défice demográfico é um desafio de toda a sociedade.

Os indicadores demográficos e o envelhecimento da população devem servir, isso sim, para antever problemas e para antecipar soluções e não para trilhar o caminho de redução das despesas sociais através do pagamento das pensões, caminho seguido pelos mesmos que exigem o aumento consecutivo da idade de reforma.

São necessárias soluções novas e criativas que salvaguardem receitas e a garantia de direitos que respondam às novas realidades que o envelhecimento coloca.

Soluções que garantam a valorização de todas as pensões designadamente dos que têm longas carreiras contributivas.

Soluções que valorizem os montantes das prestações sociais, a rede de equipamentos e serviços para responder a necessidades que o aumento da esperança de vida coloca.

Soluções que estão para lá da esfera restrita da Segurança Social, colocando-se a necessidade de intervir no sentido de estancar a emigração de jovens e de reverter a continuada redução do número de crianças que nascem.

Segundo os Censos de 2011 e 2021 o peso da população com 65 e mais anos no conjunto da população passou de 19% para 23,4%.

As causas são diversas e múltiplas, mas afirmamos com clareza não há idosos a mais, temos é jovens a menos.

Para inverter esta realidade é fundamental criar todas as condições para garantir os direitos dos pais e das crianças, nomeadamente nos direitos laborais, salários, estabilidade, horários, mas também no que diz respeito aos direitos próprios da criança com meios, recursos e equipamentos. 

A dimensão da população activa, que assegura o financiamento da Segurança Social, não é só determinada pela estrutura etária da população, mas pela capacidade de criação de riqueza e, acima de tudo, pela sua repartição. É, como já afirmámos, na valorização dos salários que se ampliam as receitas para a Segurança Social e se cumpre o seu papel redistributivo.

Vale a pena ainda referir que a população com mais de 65 anos corresponde a cerca de dois milhões e quatrocentos mil portugueses, enquanto a população em idade activa, entre os 25 e 64 anos, corresponde a mais de cinco milhões e meio de portugueses.

Por esta relação percebemos que o potencial de trabalho e de criação de riqueza está longe de estar a ser potenciado ao serviço do progresso social do País e da garantia do direito a nascer, crescer, estudar, trabalhar e envelhecer com direitos.

A reflexão a fazer e as soluções a adoptar para a defesa da sustentabilidade financeira da Segurança Social, no futuro, sim no futuro, porque não há nenhum risco no presente, tem de assentar no reforço da justiça contributiva. Os trabalhadores descontam em função dos seus salários para assegurar direitos de protecção social, e é esta a fonte de financiamento decisiva, mas não é nem pode ser a única.

Mas é ainda necessário ter em conta outros três aspectos.

Entre 2016 e 2022, nos últimos 7 anos, a Segurança Social acumulou um excedente de 17 milhões e 465 mil de euros e para 2023 o Governo prevê um novo excedente de 4 milhões de euros.

Falta a informação sobre as contas da Segurança Social de 2021, não se conhece o valor das isenções e reduções contributivas, sobre o montante derivado da subdeclaração de salários, sobre as dívidas e a sua cobrança, em 2020 a dívida de terceiros era de mais de 13 mil milhões de euros dos quais apenas se cobraram 500 milhões.

Num universo de 3 milhões e 139 mil reformados, a pensão média da Segurança Social por velhice foi 471 euros e nesse mesmo ano de 2021, o limiar da pobreza foi de 472 euros por pessoa por mês. Ora aí estão razões acrescidas para o aumento intercalar de todas as pensões e reformas em 9,1%, não podendo o montante da actualização ser inferior a 60 euros por pensionista, com efeitos imediatos, tal como o PCP propôs ainda na passada quarta-feira.

Medida tão mais urgente num momento como o actual, em que o aumento do custo de vida, o aumento dos preços nos alimentos, na habitação, na energia, em praticamente tudo, incluindo no que é verdadeiramente essencial para a vida das pessoas, piora objectivamente as condições de vida e piora de maneira particularmente violenta a vida dos reformados e pensionistas. É inadmissível que se continue a adiar esta medida urgente e essencial.

São necessárias soluções novas e criativas que diversifiquem as fontes de financiamento que, para lá das contribuições das empresas em função do número de trabalhadores, possa também assentar na contribuição complementar das empresas com incidência no valor acrescentado líquido.

Ao mesmo tempo é necessário dar combate às opções de isenções ou reduções de pagamento da Taxa Social Única para os mais variados fins, bem como ao elevado nível de dívida de contribuições e de fraude e evasão contributivas.

É necessário dar combate a propostas que, apregoando defender o sistema público, na prática visam fragilizar o sistema de repartição em que assenta o regime de Segurança Social dos trabalhadores e dar corpo a um regime de capitalização, parcial ou total a partir do plafonamento.

É necessário dar combate às medidas de defesa dos interesses do capital financeiro e dos seus fundos de pensões com a incerteza de futuro que a experiência internacional revela e o risco de deixar pelo caminho milhares de pessoas, empurrando-as ainda para a miséria.

Tal como é necessário dar combate a opções que, em nome da sustentabilidade financeira do sistema de pensões, se encaminhem para a sua destruição enquanto instrumento de redistribuição da riqueza produzida, transformando a Segurança Social em estrutura de mínimos e de cariz assistencialista. 

Para essas opções, os trabalhadores contam com o PS, com o PSD, CDS, Chega e IL, mas não contam com o PCP.

Contaram, contam e contarão com o PCP, isso sim, para dar firme combate a esses projectos que estão em curso de assalto àquela que é uma grande conquista do trabalho e dos trabalhadores, o sistema público de Segurança Social, universal e solidário, resultante das contribuições dos rendimentos do trabalho.

É este projecto, é esta conquista, é esta realidade, que permite contribuir para o combate à pobreza, assegurar que ninguém fica pelo caminho, garantir o direito à Segurança Social para todas as gerações, melhorar a protecção social dos trabalhadores desempregados, garantir o direito à reforma e a pensões dignas para todas as gerações, garantir o acesso à reforma aos 40 anos de descontos sem penalizações, melhorar a protecção social para as pessoas com deficiência, reforçar as prestações familiares, nomeadamente o direito de todas as crianças ao abono de família, entre outras importantes necessidades que se nos colocarão, mais cedo ou mais tarde, a todos e a cada um de nós.

Uma palavra ainda para todos os profissionais da Segurança Social. Trabalhadores incansáveis, muitas das vezes injustiçados, que trabalham sem meios suficientes.

São necessários mais recursos, mais meios técnicos e acima de tudo mais trabalhadores, trabalhadores com direitos, valorizados, respeitados e que se sintam em condições de levar por diante a sua missão.

É isto que se exige, é disto que o País, os trabalhadores e o povo precisam, para isto contam com o PCP, mas não só com o PCP, contam com todos os que consideram que é no sistema público da Segurança Social que deve assentar a opção solidária e universal do Estado.

A Segurança Social, o seu carácter público, solidário e universal, não é uma questão dos reformados, é um desafio, uma tarefa, uma responsabilidade e um projecto de todos, dos que estão hoje a trabalhar, dos que são empurrados para o desemprego, dos que precisam de auxílio na doença, dos pais, das crianças, dos imigrantes, e naturalmente também dos que trabalharam uma vida inteira.

Este é um desafio de todos nós, não perder o que com as nossas mãos construímos, encontrar as soluções para garantir a sustentabilidade deste projecto extraordinário.

É este o nosso compromisso, é este o caminho que serve a este País, que queremos mais justo e solidário.

 

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