Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Por uma nova política para as pescas

O PCP levou hoje à tribuna da Assembleia da República as dificuldades por que passa o sector pesqueiro português. João Ramos afirmou que, o futuro do país não poderá passar ao lado deste importante setor produtivo, são precisas medidas que o valorizem e que o protejam do ataque externo, por isso, exigimos que o governo o comece a fazer.

Declaração política chamando a atenção para os problemas com que se defronta o setor das pescas e exigindo do Governo medidas com vista à sua valorização e proteção
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Há um ano, quando o País se encontrava em plena campanha eleitoral, a produção nacional corria de boca em boca, apontada como remédio para os nossos males. E parecia ter ainda mais fulgor quando referida por aqueles que, não a sabendo ou não a querendo defender perante as agressões vindas especialmente de Bruxelas, têm fortes responsabilidades na sua destruição.
Constituídos em Governo os autoproclamados defensores da produção nacional, eis que as medidas tardam em chegar. O velho disco riscado do «estava pior do que pensávamos» ou «o estado em que eles deixaram isto» vai servindo de argumento para a falta de soluções.
É também deste ataque de anos e desta falta de soluções que sofre o setor das pescas em Portugal, um setor que teimam em condenar pela menorização a que o condenam. Basta ver que não há atividade ribeirinha que não se lhe sobreponha: é preciso fazer uma regata, saem os pescadores; é preciso espaço para a canoagem, saem os pescadores; é preciso qualificar a frente ribeirinha, saem os pescadores.
A atividade piscatória, uma atividade económica de grande importância para o País — é preciso lembrá-lo —, está depois de todas as outras.
Esta perspetiva está bem patente no principal instrumento de financiamento da atividade — o PROMAR —, da responsabilidade do anterior governo e não alterado pelo atual, que consagra mais verbas para a redução da frota e para a aquacultura do que para a pesca em si.
Trata-se de uma menorização da atividade também patente em mar e perante a concorrência para a sua utilização: é preciso fazer manobras militares, suspende-se a pesca; é preciso instalar cabos submarinos, limita-se a atividade; é preciso instalar estruturas de produção de energia, param os pescadores; é preciso fazer prospeções de petróleo ou gás natural, interditam-se zonas; é preciso instalar estruturas para a produção aquícola, rouba-se área de pesca.
Nada nos move contra essas atividades e, certamente, nada moverá também os pescadores; mas o que não se pode permitir é que, agora, que alguns descobriram que temos de nos virar para o mar, se pretenda expulsar precisamente aqueles que nunca o abandonaram.
Mas a pesca sofre de outro grave problema, infelizmente extensivo a outros setores produtivos nacionais. Asfixiada pelos custos de produção, em que tem especial relevo o preço dos combustíveis, é vítima dos preços de primeira venda de pescado.
A gasolina, utilizada pelas embarcações por questões de necessidade de rapidez e potência na entrada do mar, não é alvo que qualquer apoio, como acontece, por exemplo, com o gasóleo para agricultura.
O PCP apresentou propostas para a resolução do problema e a Sr.ª Ministra já o reconhece, mas remete a resolução para quando houver disponibilidade financeira para tal. Mais uma vez, outros passam à frente da pesca.
Quanto aos preços da primeira venda e à asfixia provocada aos produtos por comercialização e intermediários, bem se fala na necessidade de intervir, mas medidas nem vê-las!
Outra questão preocupante e muito abordada, principalmente depois de qualquer catástrofe, é a da segurança.
Como já dissemos, fundamental para garantir a segurança é a existência de uma rentabilidade da pesca digna. Quanto menos rendimentos os pescadores tirarem da sua atividade, mais terão de se arriscar para conseguir o sustento. Mas a segurança passa também por garantir boas condições de operacionalidade nos portos de pesca e nas barras, coisa que não se passa neste momento. O assoreamento das barras, desde Caminha a Vila Real de Santo António, é uma realidade — o assoreamento condiciona a entrada e a saída das embarcações e é altamente potenciador de acidentes, que já aconteceram.
Perante o questionamento do PCP, o Governo reconheceu o problema, mas não se comprometeu, nem com prioridades nem com calendarização de intervenções.
Nesta semana, novamente por insistência do PCP, a Sr.ª Ministra já assumiu a intervenção na Póvoa de Varzim a iniciar brevemente. Pela falta de outras indicações e por só ser possível intervir na época estival, tememos que este ano não se realize mais nenhuma.
Exemplificativo ainda da situação do setor e da falta de visão para o mesmo está a situação dos portos na zona de Lisboa. A realização de uma atividade pontual — uma regata — determinou a expulsão da atividade que deveria ser estratégica. À conta desta decisão do anterior governo do PS, confirmada pelo atual do PSD e do CDS, os pescadores tornaram-se nómadas em procura de um abrigo.
A decisão de expulsão foi imediata e a solução tarda em chegar!
E assim a capital do País que lançou para a humanidade as rotas marítimas, com uma das maiores áreas económicas exclusivas de mar, com o terceiro maior consumo mundial de peixe, ficou sem qualquer porto de pesca.
O PCP visitou as comunidades, viu os portos de abrigo, falou com pescadores e apresentou as suas propostas nesta Assembleia.
Ao mesmo tempo que é necessária uma intervenção nacional, o País tem de acautelar os seus interesses face à política comum de pescas. Entre as questões mais gravosas, está a possibilidade de privatização dos mares, aberta pelas quotas de pesca transferíveis e cujo risco de concentração nos grandes pesqueiros europeus não foi afastado pela Comissária Europeia das Pescas, em reunião aqui, na Assembleia.
Temos de nos bater pelo alargamento da zona exclusiva das 12 para as 24 milhas e das 100 para as 200 milhas nas regiões ultraperiféricas. Esta solução promove a salvaguarda de populações relevantes, das frotas europeias mais depredadoras.
Quando está em cima da mesa a necessidade de preservar os recursos piscícolas, evitar a privatização dos mares e aumentar a zona exclusiva são fundamentais para essa preservação. Como o são a valorização da pequena pesca, mais consciente da sua dependência dos recursos, e também a garantia de rentabilidade.
O futuro do País não poderá passar ao lado deste importante setor produtivo. Mas para que tal aconteça é preciso medidas que o valorizem e que o protejam do ataque externo.
Exigimos que o Governo o comece a fazer!
(…)
Sr. Presidente,
Começo por agradecer ao Sr. Deputado Miguel Freitas a questão que colocou.
Efetivamente, o problema do ordenamento do espaço marítimo é complexo e, aliás, esta falta de ordenamento é reveladora das dificuldades que existem no setor. Basta olhar, por exemplo, para o Estuário do Tejo, em que a Administração do Porto de Lisboa (APL), por falta dos planos de ordenamento, tem limitado as intervenções dos municípios nos espaços ribeirinhos, o que era fundamental para os qualificar.
A venda é uma matéria sobre a qual precisamos de refletir, porque se prende diretamente com a rentabilidade e a asfixia que está a ocorrer no setor da pesca. Neste momento, já temos barcos que não saem para a pesca porque o saldo entre o que gastam com os combustíveis e o valor que recebem da venda do pescado não compensa, é um saldo negativo. Por isso, não saem para a pesca.
Também estamos preocupados com as questões da prospeção.
O PCP já fez uma pergunta sobre a compensação dos pescadores que ficam inibidos de pescar por causa das prospeções que estão a ocorrer no Algarve e o Ministério respondeu que os pescadores não são inibidos da sua atividade ou do seu rendimento e, se têm quebras de rendimento, tal é insignificante. Ora, nós entendemos que temos de encontrar mecanismos de compensação, porque as entidades que estão a fazer prospeção no âmbito da sua atividade económica têm de compensar aqueles que sempre estiveram no mar, que nunca o abandonaram e que sempre se viraram para o mar.
Sr. Deputado Miguel Freitas, não poderia deixar de dizer-lhe que esta matéria da utilização do mar e da necessidade de compensação já se punha no anterior governo e já então não foram criados os mecanismos de compensação. Aliás, o PS tem especiais responsabilidades numa série de matérias — e já referi algumas da tribuna.
Por exemplo, as barras não assorearam em 10 meses, as barras vêm a assorear desde há muito tempo!
Também foi o governo do PS que definiu o PROMAR, as iniciativas do PROMAR que têm as dificuldades que o Sr. Deputado também referiu.
Quanto às paragens obrigatórias das embarcações devido ao preço dos combustíveis, a solução do PS era uma solução em que ninguém acreditava. Refiro-me à solução do GPL, que já foi abandonada.
A questão do Código Contributivo, que bastante afetou as pescas, e até a expulsão dos pescadores da Doca de Pedrouços foram iniciativas do governo do PS. É verdade que não foram revertidas pelo PSD e pelo CDS, mas foram iniciativas do governo do PS!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Ulisses Pereira,
Terei todo o prazer em responder-lhe, bem como à bancada do CDS, que esteve para este debate como a Sr.ª Ministra da Agricultura tem estado para a pesca: um bocadinho ausente da resolução desses problemas.
O Sr. Deputado falou na alteração do Código Contributivo e eu lembro que o PCP também esteve sempre do lado da resolução do Código Contributivo, inclusivamente apresentou propostas que permitiam evitar o que está a acontecer neste momento, isto é, que tenha ficado um período de tempo por resolver, em termos de Código Contributivo.
A proposta do PCP permitia que tivesse efeitos retroativos para o ano de 2011, ano em que esteve em vigor, e o que foi feito pelo Governo, afinal, não conseguiu ter esse efeito.
Em relação às conquistas, e as conquistas são sempre importantes, o Sr. Deputado diz que já foi feito muito pelo setor, mas o que podemos dizer é que a intervenção deste Governo tem sido completamente ineficiente, porque faz coisas — nas palavras do Sr. Deputado —, mas os problemas não se resolvem!
O que temos de perguntar é o que melhorou, em concreto, na vida dos pescadores ao longo destes 10 meses, ou que garantias têm hoje os pescadores de que a sua atividade tem futuro. E, sobre isso, temos muito pouco. Aliás, já aqui foram feitas referência aos barcos que não saem porque não têm condições para sair, já que o saldo não é positivo.
Também temos agora a notícia, que o Sr. Secretário de Estado do Mar aqui nos trouxe, da possibilidade de encerramento de alguns portos de pesca e da passagem da sua gestão para a Docapesca, em desarticulação total com o sistema. Ou seja, os portos mais pequenos e menos rentáveis ficam para a Docapesca e, depois, serão encerrados; os portos maiores, certamente, serão privatizados para dar rendimento noutros sítios.
Aliás, este é um processo que, infelizmente, já é bem conhecido em Portugal.
Para terminar, quanto às questões de segurança, as barras que precisam de intervenção são mais do que muitas, de norte a sul do País. Infelizmente, não temos quaisquer garantias, apenas nos dizem que vai ser feita uma intervenção na Póvoa do Varzim. Tememos ou, melhor, temos a certeza de que isso não é suficiente, porque os problemas são muitos e, logicamente, teremos de atribuir responsabilidades políticas, quer pelas opções políticas do Governo quer por eventuais acidentes que venham a acontecer.

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