Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia de República

«As políticas de coesão territorial deste governo são uma fraude»

Sobre o Projecto de Resolução N.º 75/XII/1.ª do PSD (Plano Nacional para a Coesão Territorial), Agostinho Lopes afirmou que este preojecto não pode ser considerado uma proposta de boas intenções (de que sabemos o inferno cheio), nem sequer de propaganda — não há eleições à vista! É pura e simplesmente uma fraude política!

(projecto de resolução n.º 75/XII (1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Luís Ramos,
Faço uma pergunta que um Deputado de Vila Real, Trás-os-Montes, percebe muito bem.
Considere um utente do Serviço Nacional de Saúde que more em Miranda do Douro. O seu m médico de família referencia-o para Bragança, para Vila real ou para um hospital no Porto. Suponha que o rendimento médio do agregado deste utente são 1000, 2000 ou 3000 euros (não interessa, interessa apenas que seja acima do IAS); conforme o Despacho n.º 7861, do Governo do Partido Socialista, que os senhores estão a aplicar, este utente vai pagar o transporte para a consulta ou tratamento.
Explique-me, Sr. Deputado, se considera que é coesão territorial que este cidadão pague 77 euros para ir a Bragança, 160 euros para ir a Vila Real ou 260 euros para ir ao Porto e que o mesmo utente, para ter acesso ao mesmo serviço na cidade do Porto ou de Lisboa, apenas pague o bilhete de metro.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O desenvolvimento desigual é uma lei intrínseca do capitalismo, mas, quando o motor foi o capitalismo neoliberal, a desigualdade explodiu, particularmente quando as políticas públicas, como sucedeu ao longo dos últimos 35 anos, não compensaram, nem atenuaram, antes a agravaram. Desigualdades com duas dimensões fundamentais: a social e a territorial.
O PSD, com o CDS, depois de ter descoberto o PES para o assistencialismo social, apresenta agora o PNCT para o assistencialismo territorial.
Depois do «visto familiar» do CDS, como aqui já foi referido, aparece o «visto» das assimetrias regionais do PSD!
Ao ler o projecto de resolução, vêm-nos à ideia duas frases feitas da sabedoria popular e da criminologia. «O criminoso volta sempre ao local do crime» e «o criminoso prepara o álibi para o crime que, não tem dúvidas, vai cometer».
O projecto de resolução constata — e não é difícil ver — o alargamento das desigualdades regionais, dos desequilíbrios territoriais, da desertificação económica e humana. Mas o projecto de resolução não faz uma análise séria, fundamentada e rigorosa das causas! E não faz, nem podia fazer, porque tal significaria o PSD assumir as responsabilidades políticas, que partilha com o CDS e o PS, de um grave e estrutural problema do País!
O projecto de resolução e o PSD não querem saber das responsabilidades das suas anteriores políticas agrícolas e florestais; das políticas industriais; das consequências da PAC, das suas reformas e aplicações; das políticas de encerramento de escolas; de unidades de saúde; do trespasse e do fecho de postos e estações dos CTT, que estão em curso; do encerramento de delegações da EDP ou do Banco de Portugal; do encerramento de muitos outros serviços públicos; das políticas orçamentais restritivas do PEC, com orçamentos do Estado que nunca corrigem desigualdades; da subversão e da travagem da regionalização, condição necessária mas, certamente, não suficiente para o desenvolvimento regional.
O PSD fala — e bem! — do prejuízo das «opções e vícios de execução do QREN e PRODER» — mas não os quis corrigir quando o PCP o propôs! —, mas esquece que, nos três anteriores Quadros Comunitários de Apoio, alguns sob a sua tutela e gestão exclusivas, se limitou igualmente a reproduzir o mapa das desigualdades territoriais e regionais!
Esquece a política ferroviária de encerramento de linhas férreas — lembram-se do Sabor, do Tua, do Corgo, do Tâmega?!… — e agora prepara-se para acabar com as poucas alternativas rodoviárias que ainda restam nalgumas dessas linhas!
E que dizer das portagens nas SCUT do interior? Aliás, nestas como em outras políticas de direita, sempre bem acompanhados pelo PS e CDS.
É extraordinário, Srs. Deputados, que ontem pudéssemos ter lido, num jornal diário, o que disse um expresidente da CCDRN, um ex-ministro da Economia do PS, um ex-deputado do PS, que por aqui passou durante da X Legislatura. Questionado sobre se a disparidade de verbas financeiras atribuídas a Lisboa e ao Norte prejudica o crescimento do Norte, Luís Braga da Cruz, que nesta Assembleia nunca disse uma palavra contra essa política do governo PS, afirma: «Essa disparidade na afectação de recursos não é uma questão de opinião. É um dado objectivo que se constata, por exemplo, pela análise comparativa da repartição do PIDDAC (…). Mas o pior é que essa injustiça, ou falta de coesão, já ocorre de forma continuada há muitos anos.»….
Notável amnésia!
Mas o pior, Srs. Deputados, é que o PSD, depois de enunciar todas as malfeitorias das assimetrias regionais, dos riscos para o grande valor da unidade nacional, depois de constatar que a perda de coesão territorial «é uma tendência grave, perigosa, presente e crescente no País», sabe, de ciência certa, que o «programa de agressão da tróica», em curso, que subscreveu com o PS e o CDS-PP, vai acentuar e acelerar o motor das desigualdades regionais e sociais!
É ver o que está aí, no investimento público, na saúde, no ensino, nos transportes…
E para «pôr a cereja no topo do bolo», aí está a proposta que o Ministro Miguel Relvas um destes virá trazer à Assembleia da República, isto é, depois de concretizada a «extinção material» de aldeias e povoações, por desertificação económica e humana, vai agora proceder-se à sua extinção simbólica com a liquidação de freguesias e concelhos.
É por isso que o projecto de resolução, apresentado pelo PSD, não pode ser considerado uma proposta de boas intenções — de que, sabemo-lo, o inferno está cheio…- , nem sequer de propaganda! É, pura e simplesmente, uma fraude política!
Termino, Sr. Presidente, dizendo que é assim que proponho, para um final alegre, que essa «fraude» seja inaugurada com a inscrição do PNCT numa lápide a afixar nas ruínas da estação ferroviária de Mogadouro, da extinta linha do Sabor, ou nos anexos silos abandonados da EPAC, que ainda hoje lembram que o planalto mirandês foi uma terra de pão!
Foi-se a linha do Sabor, foi-se o cereal, que tinha boas produtividades, vieram as vacas e hoje tudo se prepara para a liquidação também dessa produção — nem trigo nem leite!!
Consumatum est! Mas vai haver um plano nacional para a coesão territorial!

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Assembleia da República
  • Intervenções