Declaração de Vladimiro Vale, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

A Política Patriótica e de Esquerda e a Defesa do Equilíbrio Ambiental

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Os problemas ambientais, criados pelo modo de produção capitalista, são reais e graves. Face à maior disputa económica, política e geoestratégica entre potências e à finitude de recursos, o capital tudo faz para aproveitar estes problemas para aprofundar os mecanismos de exploração e de acumulação de riqueza, o que confirma a frase do activista ambiental Chico Mendes “Ambientalismo sem luta de classes é jardinagem”.

As medidas em torno do programa do Governo do PS na área do ambiente ajudam a ilustrar as opções estruturais que pretendem afirmar mecanismos que se destinam a garantir a acumulação da riqueza mascarados de preocupações ambientalistas.

Logo à cabeça, o programa do Governo PS aposta nos chamados instrumentos de mercado na área ambiental. As licenças de emissão de CO2 são apelidadas de «instrumento principal», passando por cima da evidência de que estes mecanismos já demonstraram que não resolvem o problema, tiveram efeitos contrários aos anunciados no plano da UE e apenas criam mecanismos especulativos desenhados para acumular dinheiro nas mãos dos grupos que têm responsabilidades na degradação ambiental.

O Governo reafirma aquilo que os centros do capital chamam de Fiscalidade Verde que, como sabemos, o adjectivo verde esconde a penalização das camadas laboriosas, passando o ónus da degradação ambiental do modo de produção capitalista para todos e cada um dos trabalhadores e para os seus comportamentos individuais. A financeirização do ambiente encontra ainda expressão na aposta na «transformação da Instituição Financeira de Desenvolvimento SA num Banco Verde» e na criação de «produtos financeiros», nas palavras do Governo «atractivos a cidadãos para a aplicação das suas poupanças» e também as Obrigações Verdes (Green Bonds). Ou seja, claramente aposta na financeirização do ambiente, querendo aplicar o capitalismo à Natureza, apresentando-o como sistema natural e expondo as políticas ambientais e a sociedade aos mecanismos que têm conduzido a bolhas especulativas e a crises financeiras que têm resultado em efeitos nefastos do ponto de vista económico e social.

No campo dos resíduos, o programa do Governo avança com o princípio (dito em inglês para credibilizar e amenizar as consequências) «Pay as you throw» – «pagas se deitas fora» –, ou seja, a aplicação do princípio do poluidor pagador, que significa que quem tem dinheiro pode «deitar fora», ou seja, quem será penalizado, em primeira análise, serão as populações que ficarão com o ónus da degradação ambiental. Medidas que não combatem a pressão para a mercantilização da gestão de resíduos, raiz dos problemas no nosso País no sector, em particular na importação de resíduos. As pressões são muitas, o processo de privatização da EGF foi uma peça chave neste processo, em que os grandes grupos pretendem implementar sistemas próprios para desenvolver o mercado dos resíduos à custa das autarquias e populações.
Apesar de referir medidas no âmbito de aumento de garantias de produtos, na possibilidade de reparação e substituição de peças, está longe de aprofundar a questão colocada pelo projecto do PCP contra a obsolescência programada.

No domínio da gestão dos recursos hídricos, como consequência de anos de política de direita, as estruturas públicas perderam trabalhadores, meios e competências, foram afastadas da gestão de albufeiras. A má gestão ou gestão concentrada na obtenção de lucro nas barragens de produção energética, agravando problemas de poluição e de perda de qualidade da água. Agravaram-se os problemas, sendo que as estruturas públicas perderam capacidade de assegurar a gestão, a planificação e até a monitorização de protocolos internacionais.

Garantir a propriedade pública da água passa por combater a pressão para a mercantilização da água, combatendo a entrega da captação e distribuição de águas e saneamento de águas residuais a empresas privadas, valorizando o papel das autarquias, respeitando as competências municipais em particular no que se refere aos Serviços Urbanos da Água, ao invés do actual processo de chantagem no sentido de agregação de sistemas, enquanto etapa para a sua privatização.

No texto do Governo são variadíssimas as referências à educação ambiental mas sempre da perspectiva do consumidor, ou seja, vincando esta intenção de ilibar o modo de produção capitalista do seu papel de destruição ambiental e passar o ónus ao indivíduo.

No programa é reafirmada a intenção de avançar com os chamados projectos de cogestão das áreas protegidas. Projectos que pretendem avançar com a desresponsabilização do Estado, também na área do ambiente, significarão um incentivo à privatização de importantes áreas com vista à mercantilização da Natureza e dos recursos naturais. Afastando a gestão das áreas protegidas daquilo que é a proposta do PCP, de que a cada Área Protegida de âmbito nacional deve corresponder uma unidade orgânica de direcção intermédia da administração central, dotada dos meios humanos e técnicos, com um director.

Falam da criação do Cluster do Lítio mas, como é óbvio, nada dizem sobre medidas que recuperem o controlo público sobre a prospecção e exploração de recursos geológicos e minerais, assim como para o desenvolvimento das capacidades técnicas e científicas neste sector, fugindo à evidência que a prospecção e exploração por empresas privadas e grupos económicos multinacionais não garantem a salvaguarda dos interesses do País, do ponto de vista económico, social e ambiental.

O programa do Governo aponta ainda a criação de incentivos económicos ao sequestro do carbono. Ora isto pode permitir, por exemplo, atribuição de incentivos económicos aos grupos da pasta de papel pela captura de CO2 feita pelas monoculturas de eucalipto. Ou seja, é uma contabilidade que acrescenta riscos para o ambiente.

O anúncio do fecho das centrais a carvão, apesar do tratamento mediático, não esclareceu as previsíveis consequências em termos de soberania energética, nem avançou com explicações sobre as consequências no sistema electroprodutor nacional, por absurdo (ou não) sem estes esclarecimentos este encerramento pode conduzir ao aumento da importação de energia gerada em centrais a carvão de outros países europeus. Nem tão pouco avança com a avaliação do impacto ambiental que significará o desmantelamento dos equipamentos instalados, nem muito menos com as consequências para os trabalhadores afectados.
Assim o programa do Governo insere-se numa linha de mercantilização da Natureza que tende a penalizar os trabalhadores e o povo, desresponsabilizando o modo de produção capitalista.

Numa perspectiva patriótica e de esquerda é fundamental responder às necessidades de hamonização do ser humano com a Natureza, para isso e face aos problemas ambientais criados pelo modo de produção capitalista, é fundamental que não se legitimem mecanismos de mercantilização da Natureza, não se apaguem as responsabilidades do capitalismo na degradação da Natureza, não se transfiram custos para as camadas empobrecidas e para os povos do mundo.

Temos afirmado que Portugal precisa de uma viragem na política ambiental. Uma política ambiental visando a preservação do equilíbrio da Natureza e dos seus sistemas ecológicos, que respeite o «princípio da precaução» face a novas ameaças e problemas, contribuindo para prevenir os efeitos das alterações climáticas, e que garanta a democratização do acesso e usufruto da Natureza, combatendo a mercantilização do ambiente e a sua instrumentalização ideológica e política pelo grande capital.

Política patriótica e de esquerda que passa pela luta contra a mercantilização da Natureza, de exigência de reforço dos meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da Natureza.

É necessário diminuir a dependência dos combustíveis fósseis com a promoção de alternativas energéticas de domínio público. Promover o transporte público em detrimento de soluções que apontam para manter o paradigma do transporte individual.

Reduzir emissões com um normativo específico, e não com atribuição de licenças transaccionáveis que potenciam a especulação e não resolvem o problema. Combater a pressão para a mercantilização da água e a desresponsabilização do Estado na defesa da Natureza e do ambiente.

Defender a produção local, contrariando a liberalização do comércio mundial - a divisão internacional do trabalho imposta pelo imperialismo leva à irracionalidade dos sistemas logísticos com impactos ambientais tremendos.

A luta pelo equilíbrio ambiental tem de estar sempre associada à luta pela Paz. A guerra, o militarismo e a indústria do armamento são dos fenómenos mais poluentes no nosso mundo.