Intervenção de

A política do audiovisual e o futuro da RTP e do serviço público de televisão<br />Intervenção do Deputado António Filipe

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência,V. Ex.ª, desde que assumiu funções, já conseguiu lançar uma total instabilidade na RTP e uma enorme inquietação em toda a sociedade portuguesa sobre o futuro do serviço público de televisão; tem ocultado sistematicamente as pesadas responsabilidades que também o seu partido tem na crise da RTP; arranjou uma trapalhada monumental com o processo de desautorização do Conselho de Opinião e tem revelado uma total falta de ideias acerca do que é e deve ser o serviço público de televisão.Daí que o Sr. Ministro se contradiga permanentemente. O Sr. Ministro diz que o problema da RTP é um problema financeiro e, depois, admite acabar com a publicidade na RTP; só que, a determinada altura, diz que, afinal, o que o Governo queria dizer não era bem aquilo que tinha dito e que já admitia que a publicidade até se pudesse manter na RTP.O Programa do Governo fala de uma conjunção entre a RTPi e a RTP África, mas ainda ninguém nos explicou em que consiste essa tal «conjunção».O Programa do Governo fala de uma nova empresa para substituir a RTP, mas, depois, o Sr. Ministro tanto diz que quer salvar a RTP como diz que a RTP já não tem salvação. Portanto, acabamos por não nos entender sobre o que pensa, afinal, o Governo: se a empresa é para salvar ou para enterrar definitivamente.O Sr. Ministro diz que quer desgovernamentalizar, mas a única medida que vemos da parte deste Governo é pretender contornar a participação do Conselho de Opinião, que, essa sim, era uma medida desgovernamentalizadora.Bom, a única certeza certa (permita-se a redundância) é que o Governo quer acabar com um dois canais generalistas da RTP. Isso todos sabemos. Mas não diz quanto é que se pouparia com isso e também não diz como é que se cumpririam os objectivos de serviço público, nessas condições. Também não diz!O Sr. Ministro vem aqui dizer que o serviço público tem este e aquele propósito, coisas muito justas, como promover a ficção e a cultura portuguesas, difundir a língua portuguesa, enfim, tudo isso, que, aliás, consta da lei da televisão - e muito se tem dito e escrito sobre o serviço público de televisão -, mas ainda ninguém nos disse como era possível concretizar isso apenas com um canal generalista e abdicando de um segundo canal generalista, no serviço público de televisão.Em suma, o Sr. Ministro diz que quer mais serviço público, que a RTP não o cumpre e que é preciso cumpri-lo, mas a única medida que nos transmite é que vai eliminar um dos canais do serviço público! O Sr. Ministro não nos explicou como é que se consegue ter mais serviço público reduzindo precisamente a sua dimensão. Não nos explicou e duvido muito que consiga explicar.Já sabíamos - e o Governo admitiu-o - que não sabe o que é serviço público, e tanto não sabe que anunciou, desde logo, que ia constituir uma comissão com a incumbência de lhe explicar o que era, afinal, o serviço público e como é que ele se cumpria.Então, anunciou a constituição de uma comissão composta maioritariamente por pessoas que já tomaram posições públicas contra o serviço público, o que significa que o Sr. Ministro quer nomear uma comissão para lhe dizer aquilo que o Sr. Ministro quer ouvir. E ninguém tem ilusões a esse respeito! Se a comissão ousasse contrariar a opinião do Sr. Ministro, acontecer-lhe-ia o mesmo que ao Conselho de Opinião.Isto é, o Governo, quando é contrariado, desautoriza aqueles que ousam contrariá-lo e seria esse o futuro desta comissão, dita independente.Peço a palavra, Sr. Presidente. Sr. Presidente, é para defesa da honra da bancada, uma vez que o Sr. Ministro acabou de dizer que o PCP nunca se indignou com a situação a que chegou a RTP, o que é notoriamente falso.Sr. Ministro da Presidência,O senhor não era Deputado na última legislatura, porque se tivesse sido teria ouvido intervenções, inclusivamente declarações políticas da bancada do PCP, criticando com frontalidade as opções que na altura estavam a ser tomadas pelo governo do Partido Socialista em relação à RTP.E uma delas foi o fim da publicidade na RTP2 e a redução da publicidade na RTP1. Há declarações políticas feitas por nós aqui, na Assembleia, acerca disso, o que nos valeu fortes críticas da bancada do Partido Socialista, que diziam, nessa altura, que éramos nós que estávamos contra a RTP.Sr. Ministro, não é verdade que o PCP alguma vez se tenha conformado ou tenha aceite a situação para que a qual a RTP vinha a ser arrastada, quer no tempo dos governos do PSD, quer no tempo dos governos do Partido Socialista, e, portanto, mantivemos uma posição de absoluta coerência relativamente a essa matéria.Sempre criticámos a RTP e sempre dissemos - e continuamos a dizer - que a RTP não tem estado à altura das responsabilidades de uma empresa concessionária de um serviço público de televisão como nós o entendemos, mas é uma injustiça dizer-se que, em Portugal, não há de todo serviço público de televisão e foi isso que o Sr. Ministro aqui disse.Creio que isso é ofensivo para muitas pessoas que trabalham na RTP de forma competente e que dão seu melhor para assegurar, em Portugal, um serviço público de televisão condigno, e infelizmente não têm tido as melhores condições para o poderem fazer.Na verdade, há elementos de programação televisiva em Portugal que só a RTP assegura. Há programas de divulgação cultural que só existem na RTP2, há programas que só existem na RTP porque é esta uma empresa de serviço público, não existindo, efectivamente, nos operadores privados, e isso não pode deixar de ser valorizado sob pena de cometermos uma profunda injustiça relativamente às pessoas que dão o seu esforço na RTP.O Sr. Ministro, injustamente, acusou-nos de estarmos aqui a fazer processos de intenção acerca das pessoas que vão integrar essa Comissão e de entrarmos em contradição relativamente às intenções do Governo, mas, Sr. Ministro, para nós, a questão é muito clara: a Comissão que o Sr. Ministro anunciou é composta por pessoas que têm tomado posições públicas maioritariamente - não digo que são todas - contrárias à própria existência de um serviço público de televisão, o que é profundamente inquietante quando se nomeiam essas pessoas para explicarem ao Governo o que é o serviço público, porque, evidentemente, algumas delas, coerentemente com aquilo que vêm defendendo publicamente, o que dirão é que o melhor é acabar com ele.Ora, isto converge com o seguinte: o Governo anuncia um conjunto de medidas que são, obviamente, lesivas do interesse público, do serviço público de televisão, que visam o seu desmantelamento e, depois, nomeia uma comissão a que chama independente mas que seguramente - porque nós já conhecemos o que é que pensam a maioria daquelas pessoas - vai dizer que o serviço público deve ser reduzido ao mínimo, não se podendo acabar com ele porque é uma imposição constitucional.Portanto, obviamente, é isso que o Governo quer ouvir e serve-se desta comissão como um mero instrumento para legitimar a sua política.Sr. Deputado Luís Marques Guedes,Peço-lhe este esclarecimento porque V. Ex.ª falou em «terra queimada» referindo-se também ao meu grupo parlamentar. Como tal, tenho de lhe perguntar o que é que quis dizer com isso, visto que se dirigiu a uma bancada, a do PCP, que nunca teve responsabilidades na gestão do serviço público de televisão, que sempre se preocupou com o serviço público quando eram previsíveis medidas que o lesariam, que, mesmo quando os senhores se calaram, criticou aqui medidas previsivelmente lesivas do interesse do serviço público de televisão e que agora defende o cumprimento da lei e o cumprimento do serviço público nos termos constitucionais.Depois de tudo isto, V. Ex.ª vira-se para nós e diz que seguimos uma política de «terra queimada»! O Sr. Deputado tem de nos dizer em que é que isto consiste, porque se há «pirómanos» neste processo - e temos a certeza de que há -, seguramente não somos nós!Sr. Presidente, Sr. Deputado João Teixeira LopesEstou numa situação incómoda para lhe fazer uma pergunta, dada a posição relativa em que nos situamos «geograficamente» no Plenário - a bancada onde se encontra fica por detrás da minha. Portanto, compreenderá o Sr. Deputado que eu faça a pergunta não propriamente voltado para si...A questão é a seguinte: na sua intervenção, o Sr. Deputado referiu-se a esta comissão, chamada independente, que o Governo hoje nos anunciou, não a sua posição mas a sua composição. E perante a composição que aqui nos foi anunciada, apetecia-me chamar a esta comissão a «MDC» - a «mais dependente das comissões», porque verificamos que é presidida por uma ilustre ex-Eurodeputada do PSD e que é integrada, maioritariamente, por um conjunto de personalidades, que, independentemente do respeito que nos devem merecer, têm assumido posições frontalmente contrárias à própria existência do serviço público televisão.Isso é conhecido do País. Portanto, como é que se pode aceitar que o Governo queira nomear uma comissão para a definição do que deve ser o serviço público televisão quando, à partida, essa comissão é integrada por pessoas que - todos sabemos, porque elas não o escondem, não fazem segredo disso, assumem posições públicas - são contra a própria existência do serviço público televisão ou, quando muito, são pela sua entrega a privados, defendendo como que uma espécie de privatização do serviço público televisão, sendo que essa comissão é integrada, também, por pessoas que têm ligações conhecidas, do ponto de vista profissional, a operadores privados de televisão ou grupos económicos que os suportam?!Por outro lado, uma outra questão sobre a qual também gostaria de saber a sua opinião, Sr. Deputado, é esta: que garantias é que entende que nos dá um Governo, no sentido de nomear um comissão independente e de respeitar uma posição independente de uma qualquer comissão, que, na primeira oportunidade em que um órgão independente, criado por lei, como é o Conselho de Opinião da RTP, quando o Governo toma uma iniciativa legislativa no primeiro momento em que esse Conselho de Opinião toma uma posição de que o Governo discorda? Portanto, que garantias é que nos pode dar um Governo com este curriculum da aceitação de uma qualquer decisão que viesse de uma comissão que se disse assumir como «independente»?Portanto, Sr. Deputado, gostaria de obter a sua opinião acerca deste ponto, mas creio que, manifestamente, não estamos perante um órgão independente. Estaremos perante uma comissão com a qual o Governo pretende dar uma aparência de legitimidade à execução da política, que já definiu para a RTP, e que passa, inelutavelmente, por um drástico empobrecimento e desvalorização do serviço público televisão.

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