Intervenção de

Polícia de Segurança Pública; Guarda Nacional Republicana; Programação de instalações e equipamentos - Intervenção de António Filipe na AR

Orgânica da Polícia de Segurança Pública; Orgânica da Guarda Nacional Republicana; Programação de instalações e equipamentos das forças de segurança

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Administração Interna,

Referir-me-ei, na intervenção que farei dentro em breve, à proposta de lei de programação de instalações e equipamentos das forças de segurança.

Queria, entretanto, colocar duas questões relativas às leis orgânicas que aqui nos são propostas  (proposta de lei nº 137/X e proposta de lei nº 138/X), começando desde logo pela que consideramos ser a questão de fundo relativa à proposta de lei orgânica da Guarda Nacional Republicana, que tem logo que ver com o seu artigo 1.º e com a natureza que é conferida a esta força de segurança.

Diz-se, nesse artigo, que a GNR «(...) é uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas (...)». Creio que esta é a questão de fundo. Gostaria, pois, de saber, neste momento em que estamos a discutir a lei orgânica, por que é que o Governo entende que deve ser assim.

Até aqui, o Governo tem-se referido a uma questão de tradição - há muitos anos que a GNR tem esta natureza, que nunca foi alterada; há países do sul da Europa que também têm forças de segurança com estas características - e ao facto de constar do Programa do Governo.

Gostaria de saber quais as razões válidas e substanciais para que seja assim, porque se confrontarmos as missões que estão atribuídas pelas respectivas leis de organização e funcionamento à GNR e à PSP e, nomeadamente, o artigo 3.º, sobre atribuições, verificamos que são em larguíssima medida coincidentes.

Aliás, a maior parte das alíneas são repetidas ipsis verbis de uma lei orgânica para outra.

Portanto, o que é que vemos? Que não há missões que estejam atribuídas à GNR que não possam ser atribuídas a uma força de segurança que tenha natureza civil, porque a esmagadora maioria dessas atribuições são também conferidas à PSP.

Dir-se-á que, relativamente à GNR, está previsto que ela possa colaborar com a política de defesa nacional. Ó Sr. Ministro, mas isso também se aplica à PSP: em situações que não sejam de absoluta normalidade, está igualmente previsto que a PSP tenha alguma participação. E, mesmo em matéria de participação em missões internacionais, na lei orgânica da PSP está prevista essa possibilidade de participação!

Portanto, também para isso não é preciso que uma força de segurança tenha natureza militar.

Portanto, aquilo que constatamos é que, na prática, a GNR aparece como uma espécie de ramo das Forças Armadas subtraído à defesa nacional. E entendemos que as coisas devem ser claras: se há características da GNR, designadamente de ocupação do território nacional, que são próprias do Exército é no Exército que elas devem estar e é o Exército que deve ter esse papel e essa incumbência.

Se o que queremos da GNR é uma força de segurança, então não tem de haver confusão nessa matéria.

Se é uma força de segurança, deve ter a mesma natureza que têm as outras, ou seja, natureza civil.

Não há aqui nenhum menosprezo da nossa parte para com o estatuto e o papel das Forças Armadas, contudo achamos é que deve haver clareza: aquilo que é militar, que diz respeito às Forças Armadas, deve ser assegurado pelos três ramos das Forças Armadas; aquilo que compete a uma força de segurança deve ser atribuído a uma força de segurança, que, do nosso ponto de vista, não tem nada que ter natureza militar.

É esta a primeira questão que queria colocar. Gostava de saber por que razão é que o Governo entende, em termos substanciais, que uma das forças de segurança deve ter natureza militar.

A segunda questão tem que ver com matérias do estatuto dos efectivos dessas forças de segurança.

Da lei orgânica da PSP deixa de constar a matéria relativa ao regime de pessoal, que, aliás, também não consta da lei orgânica da GNR.

Provavelmente, o Governo dirá que vai elaborar novos estatutos quer para os militares da GNR, como são designados, quer para o pessoal da PSP. Mas chamaria a atenção para a importância que esses estatutos têm, designadamente em matéria de direitos dos profissionais que estão envolvidos, porque da resolução do Conselho de Ministros sobre a reestruturação das forças de segurança faz parte, explicitamente, a definição de um horário de serviço para a GNR. E essa é uma questão importantíssima, não consta da respectiva lei orgânica.

Aliás, a matéria de horário deixa de constar também da lei orgânica da PSP e seria importante que houvesse, da parte do Governo, um compromisso sólido no sentido do cumprimento do que dispõe a resolução do Conselho de Ministros.

Também não percebemos - e com isto terminaria, Sr. Presidente - por que é que não se define, explicitamente, na lei orgânica, designadamente da GNR, a forma de eleição dos representantes dos profissionais dessa força de segurança quer no Conselho Superior da Guarda, quer no Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina. Não entendemos por que é assim, por que se remete para portaria, mas, do nosso ponto de vista, não víamos mal nenhum, pelo contrário, em que fosse a própria lei orgânica a definir como é que esses elementos vão ser eleitos. Ganhava a transparência, ganhava, se quiser, Sr. Ministro, a democraticidade da participação no âmbito da força de segurança e, pela nossa parte, repito, não havia inconveniente nenhum nisso, antes pelo contrário, até apelo ao Governo a que, na especialidade, possa rever esta sua posição, de modo a ficar claramente definido como é que são eleitos todos os elementos, como é que são designados todos os elementos que compõem esses Conselhos.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Na 1.ª Sessão Legislativa desta Legislatura, e dando cumprimento pronto ao seu programa eleitoral, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projecto de lei que está hoje em discussão  (projecto de lei nº 229/X), visando inscrever na Lei de Segurança Interna a obrigatoriedade da elaboração e aprovação de uma lei de programação de investimentos das forças e serviços de segurança.

Desde há muitos anos que o PCP tem vindo a manifestar a sua enorme preocupação com a falta de meios e equipamentos das forças de segurança e com a exiguidade, a degradação e a falta de condições de muitas das instalações que lhes estão afectas, o que põe em causa a capacidade de resposta destas forças no cumprimento das suas missões, com grave prejuízo para a segurança e tranquilidade das populações, e torna extremamente penoso o desempenho das funções por parte dos profissionais destas forças de segurança, sujeitos não apenas à penosidade própria das suas missões e aos duros horários que lhes são impostos mas também à degradação, por vezes a raiar o insuportável, das instalações em que trabalham.

Desde há muitos anos - insisto - temos consciência desta realidade e é com perplexidade que assistimos, ano após ano, à rejeição sistemática das propostas que fazemos em PIDDAC para que, ao menos, algumas destas situações sejam corrigidas.

É muito frequente, especialmente nas zonas mais densamente povoadas e onde existem maiores problemas de criminalidade e insegurança, ouvir as queixas das populações e dos autarcas quanto à insuficiência do policiamento das suas localidades, não obstante a dedicação e a competência reconhecidas aos profissionais das forças de segurança.

E é também frequente ouvir as queixas dos próprios profissionais quanto à insuficiência e degradação das instalações em que trabalham e quanto à escassez e desactualização dos equipamentos de que dispõem para o cumprimento das suas missões.

O investimento necessário para o funcionamento adequado das forças de segurança exige, como é óbvio, vontade política e só será concretizado se houver um plano coerente e devidamente reflectido quanto às suas prioridades. O investimento nas forças de segurança deve ser feito de uma forma programada, que tenha em conta as reais necessidades em infra-estruturas e equipamentos e não pode ficar ao sabor de prioridades ditadas por interesses casuísticos ou remendos conjunturais.

A modernização das forças e serviços de segurança é um elemento importante para a sua eficácia no quadro das suas missões constitucionais. Dadas as suas complexas necessidades e os elevados custos do equipamento e infra-estruturas e a indispensabilidade de projectar programas de forma faseada e a médio prazo, torna-se evidente que só através de uma lei de programação de investimentos será possível enquadrar, programar e racionalizar as necessidades logísticas e operacionais das forças e serviços de segurança, bem como das próprias infra-estruturas de segurança interna.

Foi esta a razão que levou o PCP a apresentar o projecto de lei que está hoje em discussão e que converge, em alguns aspectos, com a proposta de lei do Governo (proposta de lei n.º 142/X), embora seja divergente quanto a outros, como passarei a explicitar.

Ambas as iniciativas convergem no ponto essencial que é o reconhecimento da necessidade de uma lei de programação de investimentos e de efectuar os investimentos nela especificados. Porém, o PCP entende que a lei de programação de investimentos das forças de segurança não deve ser um episódio legislativo transitório mas, sim, uma verdadeira instituição legal, à semelhança do que acontece com a Lei de Programação Militar, e, por isso mesmo, deve ser inscrita a obrigatoriedade da sua aprovação na própria Lei de Segurança Interna.

A obrigatoriedade da Lei de Programação Militar decorre da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas. A obrigatoriedade da lei de programação de investimentos deve decorrer da própria Lei de Segurança Interna. É isso que propomos e é isso que nos parece adequado.

Ainda à semelhança da Lei de Programação Militar, entendemos que a lei de programação de investimentos das forças de segurança deve ser objecto de um processo de elaboração legalmente regulado que preveja a aprovação pela Assembleia da República mediante proposta do Governo e que essa proposta seja elaborada na base de propostas sectoriais apresentadas pelas chefias das forças e serviços de segurança, ouvidos os respectivos conselhos superiores.

Entendemos também que a lei de programação de investimentos das forças e serviços de segurança deverá ter um horizonte de vigência de 10 anos, sujeito a revisão de dois em dois anos, e conter uma calendarização precisa dos investimentos a efectuar e do respectivo cronograma financeiro que deverá, obviamente, ter correspondência em dotações do Orçamento do Estado de cada ano económico.

Há aqui um ponto de divergência em relação à proposta do Governo que importa assinalar. O horizonte temporal de cinco anos proposto parece-nos demasiado exíguo, e essa é uma das fragilidades desta proposta de lei.

As forças e serviços de segurança estão numa situação de penúria que é reconhecida. É preciso um aumento urgente dos investimentos e é natural que haja um esforço particular nos primeiros anos. Só que as forças de segurança não fecham daqui a cinco anos e, como é evidente, as instalações e os equipamentos não deixam de envelhecer e de se degradar naturalmente.

Dir-se-á que o que está na proposta de lei é que, de dois em dois anos, se prevejam os investimentos para os cinco anos seguintes. É certo. Mas não é menos certo que a proposta que o Governo apresenta para os próximos cinco anos assenta quase exclusivamente em receitas extraordinárias: 60 milhões de euros hão-de vir da alienação de instalações a libertar; 130 milhões de euros hão-de vir da não incorporação de efectivos nos próximos dois anos; 10 milhões de euros hão-de vir de fundos comunitários. Isto para os próximos cinco anos.

Perguntamos, então, como vai ser daqui a cinco anos, quando não houver instalações que possam ser alienadas e quando for necessário admitir novos elementos. Sempre poderão dizer que nessa altura já o actual Governo não estará em funções e que quem vier a seguir «feche a porta». Só que o País não «fecha a porta» e seria desejável que as forças de segurança também não fechassem.

Entendemos, por isso, que a necessária programação a médio prazo dos investimentos para as forças de segurança não se compadece com um plano quinquenal esporádico assente em receitas extraordinárias e, em certa medida, eventuais.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Administração Interna,

Começo pelo seu apelo final para fazer outro apelo: o Sr. Ministro apela a que, com o nosso sentido de responsabilidade, apresentemos propostas que possam vir a melhorar os textos que vamos ter em discussão em sede de especialidade, e eu faço um apelo a que o Governo tenha também o sentido de responsabilidade de aceitar alguma proposta que seja feita pela oposição.

Portanto, o sentido de responsabilidade é recíproco.

Nós, pela nossa parte, trataremos do nosso; o Governo que trate do seu.

Depois, no fim, saber-se-á quem neste processo se portou com o sentido de responsabilidade.

Hoje, não está em discussão aqui, directamente, a questão do sistema integrado de segurança interna. Já tivemos oportunidade de fazer esse debate, mas já que isso foi aqui referido queria deixar muito clara a posição do PCP, no sentido de que a coordenação das forças de segurança que é necessária não exige, minimamente, a existência de um cargo como o de secretário-geral do sistema integrado de informação de segurança interna, com carácter permanente e reportando directamente ao Primeiro-Ministro - uma espécie de super polícia. Não nos parece que o regime democrático ganhe alguma coisa com isso e parece-nos que seria de todo em todo dispensável a existência desse cargo e dessa entidade.

Mas a questão que gostaria de colocar-lhe tem que ver com a lei dos investimentos nas forças de segurança e com aquilo que nos parece ser uma fragilidade, que é o seguinte: de facto, o financiamento deste programa para cinco anos assenta em duas componentes fundamentais, excluindo os fundos comunitários que são 10 milhões. E essas duas componentes são a receita da alienação de instalações actualmente afectas às forças de segurança e a poupança resultante do facto de não haver novas admissões nos anos de 2008 e de 2009. Bem, esta última é datada, porque obviamente, a partir de 2009, imagino que seja necessário haver mais admissões de novos elementos, sob pena de haver uma degradação e uma redução óbvia, e creio que insuportável, dos efectivos.

Mas a outra componente tem que ver com a alienação de instalações. Pergunto: o Governo já tem a garantia sólida de que haverá alienação de instalações por forma a cumprir as metas financeiras que se propõe? É que o Governo propõe-se, para o ano de 2008, que começa daqui a poucos meses, a dispor de 62,5 milhões de euros.

Gostaria de saber, no caso de a receita das alienações não ser aquela que o Governo agora prevê, se o Governo vai cumprir este compromisso, isto é, se tem um plano B para financiar este programa que aqui propõe.

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