Intervenção de

Políticas de Saúde - Intervenção de Jorge Machado na AR

Interpelação ao Governo sobre "Políticas de Saúde"

 

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados

Uma das características mais marcantes da política deste Governo, e muito particularmente deste Ministério da Saúde, é ao mesmo tempo uma das suas facetas mais negras.

Sob o falso e fraudulento pretexto de uma auto intitulada "reestruturação", "modernização" ou "racionalização", e utilizando sempre estudos técnicos feitos à medida, o Governo tem vindo a encerrar um conjunto significativo de serviços de saúde.

Esta opção, comporta gravíssimas consequências para os Portugueses, e viola claramente, quer a constituição, quer o programa eleitoral com que o Partido Socialista se apresentou nas eleições legislativas.

O artigo 64º da Constituição consagra no número 1 que "todos têm direito à prestação da saúde e o dever de a defender e promover" e incumbe prioritariamente ao Estado garantir "o acesso de todos os cidadãos..." e "Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde"

Se analisarmos o que diz o programa eleitoral do PS e o programa do Governo encontramos o seguinte:

"O programa do Governo tem em conta o contexto social no qual as pessoas nascem, crescem, vivem e morrem. E o contexto do País, neste domínio, é particularmente preocupante: elevadas taxas de pobreza, desemprego, abandono escolar precoce, média de rendimentos baixa e reduzido nível de literacia geram intoleráveis situações de exclusão social e desigualdades em saúde que devem ser combatidas.

Diz ainda o programa do Governo:

Esta situação cria um ambiente em que a política de saúde deva ser redefinida para mais e melhor saúde, isto é, para "ganhos em saúde". O sistema deve ser reorganizado a todos os níveis, colocando a centralidade no cidadão."

Ora a política de saúde do actual Governo pode estar centralizada no cifrão, no défice, nos interesses privados mas não está de certeza absoluta centralizada no cidadão.

Na verdade, o Governo não procede a nenhuma reestruturação ou reorganização porque isso implicaria uma melhor cobertura e uma melhor prestação de serviços à população, o que não acontece.

Na sua cruzada liquidatária, o Governo começa por encerrar maternidades e ameaça já encerrar urgências hospitalares e serviços de urgência dos centros de saúde.

Mais do que combater o défice, o objectivo é, à imagem do que acontece noutros sectores da Administração Pública, criar novas áreas e oportunidades de negócios para os grandes grupos económicos que vêem na saúde o negócio do século XXI.

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados

Se por um lado o Governo mantém uma política de desinvestimento, não alarga a rede de cuidados primários de saúde, não cria as condições para melhorar o Serviço Nacional de Saúde, por outro lado, secundado por estudos feitos à medida, utiliza e agrava as fragilidades do SNS para concretizar uma série de encerramentos.

O Governo encerrou as maternidades de Mirandela, Barcelos, Santo Tirso, Amarante, Oliveira de Azeméis e Elvas fundamentando essa decisão em critérios economicistas e no "sacrossanto" critério dos 1500 partos ano. Estes encerramentos, além de obrigar a percorrer elevadas distâncias para a maternidade, comporta o sério risco de outras valências desses hospitais virem a encerrar, tais como a pediatria, o que irá obrigar a deslocações consideráveis para uma simples consulta.

Curioso é que neste processo de encerramento de maternidades o Governo não tenha aplicado esses mesmos critérios às unidades privadas e importa salientar um caso concreto. Os critérios que levaram ao encerramento da maternidade de Santo Tirso não foram aplicados a uma maternidade do sector privado sita no concelho vizinho da Trofa.

O Governo criou assim as condições necessárias para que esta empresa privada receba uma fatia cada vez maior do mercado à custa da degradação do Serviço Nacional de Saúde.

Curioso é também o facto de esta mesma empresa anunciar recentemente um forte investimento no norte do país, precisamente nas valências a que corresponde o Centro Materno Infantil do Norte. Escusado será dizer que o desvirtuamento deste projecto encaixa que nem uma luva nos interesses do sector privado.

Mas depois das maternidades, e como este Ministério não poupa em encerramentos, estão já sob ameaça uma série de serviços da rede de urgências. Nas urgências hospitalares estão na mira do encerramento as urgências de Peso da Régua, Macedo de Cavaleiros, Ponte de Lima, Fafe, Vila do Conde, Santo Tirso, Anadia, São João da Madeira, Ovar, Espinho, Estarreja, Cantanhede, Fundão, Curry Cabral (Lisboa) e Montijo. Já quanto aos pontos de urgência nos centros de saúde são várias dezenas que encerram, o serviço de atendimento permanente de Celorico de Basto, Redondo, Oliveira do Hospital, Góis, Tábua, Lourinhã, Silves, Paredes de Coura, Ourique e Vieira do Minho entre muitos outros.

Estas medidas vão determinar que os Portugueses tenham serviços de urgência cada vez mais longe e em piores condições, já que as urgências que permanecem em funcionamento vão ficar claramente sobrecarregadas e sem capacidade de resposta face às necessidades dos utentes.

Como não podia deixar de ser o Governo envolveu a apresentação deste programa numa cuidada manobra de propaganda. O Governo vai repetir até à exaustão que esta rede vai melhorar os cuidados de saúde primários. Que estes encerramentos vão aproximar a rede de urgências aos utentes mas a verdade é que já toda a gente percebeu o que vai acontecer.

Se em 2003 existiam em Portugal 176 pontos da rede de urgência, com as medidas anunciadas pelo Governo passaríamos a ter 83 pontos. Isto significa o enceramento de 93 pontos fixos de urgências o que claramente compromete uma já debilitada rede de serviços de urgência.

Veja-se o exemplo paradigmático do distrito de Aveiro que com mais de 600 mil habitantes vê encerrar 5 urgências e diversos SAP´s, passando as urgências a serem asseguradas por apenas duas urgências médico-cirúrgicas e três SAP´s. Se tivermos em conta os mais de 40 mil atendimentos, o elevado risco industrial na zona de Estarreja, a mobilidade sazonal de uma parte significativa da população e que, por exemplo, entre Vale de Cambra e o primeiro ponto de urgência dista mais de uma hora de percurso, facilmente se percebe que o que está em causa pode significar a diferença entre a vida ou a morte.

E não venha dizer que a resposta para esta nova rede de serviços de urgência está no transporte. Infelizmente, os recentes acontecimentos, comprovam que o INEM não possui os meios adequados face às actuais necessidades, situação que se vai agravar com o encerramento de pontos fixos da rede de urgências.

Importa pois lembrar que o INEM possui apenas 35 viaturas médicas de emergência e reanimação e que Distritos como Bragança, Beja, Viana do Castelo e Aveiro apenas possuem uma destas viaturas. Já os Distritos de Évora e Portalegre não têm nenhuma destas viaturas, o que é bastante significativo.

Senhor Presidente
Senhor Ministro
Senhoras e Senhores Deputados

Assim, por muito que o Governo trabalhe na propaganda, por muitas voltas que dê, é absolutamente claro que esta política de saúde não visa colocar a centralidade no cidadão. O objectivo não é reforçar e melhorar o Serviço Nacional de Saúde.

O objectivo é encerrar para reduzir o défice e assim criar as condições para o sector privado ir tomando conta de partes cada vez mais significativas do Serviço Nacional de Saúde.

As consequências são uma saúde cada vez mais cara para os Portugueses, aumentando assim as injustiças sociais, e piores serviços de saúde.

Razão tinha o PCP quando afirmava numa campanha nacional que "Este Governo prejudica gravemente Portugal e os portugueses".

Disse.

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