Intervenção de

Política Orçamental - Intervenção de Honório Novo na AR

Relatório de Orientação da Política Orçamental e, na generalidade, da proposta de lei n.º 77/X — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2007

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,

Penso que, no Governo, com a provável excepção do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que ultimamente tem feito alguns esforços, já ninguém se preocupa em «dourar a pílula», isto é, já ninguém se preocupa em tentar disfarçar qualquer coisa.

O Governo decidiu que já não vale a pena tentar convencer o País de que as reformas são feitas para modernizar, para simplificar, para desenvolver o País, que não são feitas para despedir ou tirar direitos aos trabalhadores.

O Relatório de Orientação da Política Orçamental, Sr. Ministro, mostra muito bem o que interessa, o que está, de facto, por detrás das reformas anunciadas, que objectivos fundamentais é que se pretendem atingir.

Portanto, dispensam-se pretextos, explicações e tentativas de «dourar a pílula».

O que se pretende, Sr. Ministro, está lá bem claro: é cortar nos salários, nos direitos, nas reformas, nos subsídios de desemprego, nas escolas, nos centros de saúde e na saúde, aumentar os medicamentos, despedir trabalhadores, fechar serviços públicos um pouco por todo o País. É, sem dúvida, isto que lá está, Sr. Ministro! Tudo o que diminua despesas sociais do Estado serve, com dois únicos objectivos: primeiro, reduzir o défice; segundo, obedecer às imposições do Pacto de Estabilidade. Sem tirar nem pôr!

Mas há um aspecto em que o Governo ainda insiste no Relatório de Orientação da Política Orçamental: o Governo ainda tenta convencer o País de que o défice só pode ser combatido por cortes na despesa, porque do lado da receita está quase tudo resolvido, está quase tudo feito, o que é, evidentemente, uma grande inverdade e, com licença do Sr. Presidente da Assembleia da República, uma manifesta e refinada aldrabice.

O Governo insinua que, do lado da receita, basta prosseguir aquele que é o actual combate à evasão fiscal, que regista evolução positiva — não nego! —, basta eliminar o sigilo bancário, como foi ontem anunciado.

Mas, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, cuidado com a propaganda, porque se trata de eliminar o sigilo bancário apenas para quem não tenha dinheiro, porque quem tem dinheiro continua a ter sigilo bancário, bastando, para tal, contratar um advogado.

Diz o Governo que basta eliminar os benefícios fiscais da educação ou das energias renováveis, conforme parece ser o resultado de um estudo em vigor. Importava que os senhores aqui dissessem se estão ou não dispostos a aumentar a carga fiscal por esta via, mas, de todo o modo, são benefícios fiscais que, naturalmente, ainda que eliminados, não mexem, nem como uma mosca sequer, como aqueles que são os grandes milhões dos grandes benefícios e isenções fiscais neste país.

O que o Governo não diz, Sr. Ministro, é por que é que esconde os valores, por exemplo, das dívidas fiscais prescritas em 2005. Por que é que os está a esconder? Por que é que Portugal continua a ser o País com pior produtividade fiscal na zona euro, Sr. Ministro?! Com mais baixa eficiência na cobrança fiscal, Sr. Ministro?! Com maior número de regimes fiscais e com níveis mais elevados de benefícios e isenções fiscais?! Ó Sr. Ministro, não é o PCP que afirma isto — garanto-lhe! —, é uma reputada e independente corretora internacional, que dá pelo nome de Standard & Poor’s. Não é o PCP!

Então, diga lá, Sr. Ministro, por que é que Portugal continua a ser o País mais fiscalmente injusto da zona euro e da União Europeia?! Esta é a questão central que os senhores escondem, propositadamente, no Relatório de Orientação da Política Orçamental, com o objectivo único de continuar a impor a quem trabalha todos os custos do combate ao défice. Era importante que o Sr. Ministro aqui explicasse esta questão.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo
Sr.as e Srs. Deputados:

É notória a redução homóloga de 4,4% nas despesas de pessoal nos primeiros três meses de 2006.

Tal redução concentra-se sobretudo no Ministério da Educação, reflectindo a diminuição de professores dos ensinos básico e secundário e o congelamento dos escalões, prova segura de que a trajectória definida pelo Governo está a ser implementada com rigor e determinação para atingir os objectivos orçamentais de 2006.

É isto que está escrito na página 27 do Relatório de Orientação da Política Orçamental do Governo.

Assim se prova, pelas palavras do próprio Governo, que o que está em causa com o despedimento de professores ou o congelamento de carreiras não era, nem é, melhorar a educação em Portugal ou criar mecanismos para modernizar ou racionalizar o sistema educativo no País.

O que estava, e está, em causa é diminuir as despesas, controlar o défice, obedecer a Bruxelas! Custe o que custar, doa a quem doer! E todos sabemos nesta Casa a quem dói!

E assim se prova também, através das palavras do próprio Relatório, como é no fundamental retórica e propagandística a anunciada prioridade do Governo na formação dos recursos humanos e na elevação dos níveis educacionais dos portugueses.

No Relatório de Orientação da Política Orçamental, o Governo deixou cair a máscara e já não busca pretextos ou explicações mais ou menos elaboradas para justificar o corte cego nas despesas ou nas prestações sociais e para justificar a eliminação de direitos e a destruição de serviços públicos um pouco por todo o País. O Governo já não busca pretextos e o Sr. Ministro já nem sequer responde às perguntas que lhe são feitas em debate parlamentar. Falei-lhe no combate ao défice pelo lado da receita, no corte dos grandes benefícios e isenções fiscais, perguntei se o corte nos benefícios recentemente anunciado apenas iria atingir quem trabalha, por exemplo, na educação, disse — e repito — que Portugal é o país da União Europeia com mais baixa produtividade fiscal e o Sr. Ministro, aqui presente, nem uma resposta concreta tem a veleidade de me dar!

As justificações e os objectivos transformaram-se em obsessão: a obsessão de controlar e fazer diminuir o défice e de respeitar de forma cega as imposições orçamentais do Pacto de Estabilidade!

Mas, Sr. Presidente e Srs. Membros do Governo, a verdade é que quando a manta é curta, se se puxa para um lado, descobre-se logo o outro! Que é como quem diz que se faz diminuir o défice orçamental à custa do sacrifício dos portugueses que trabalham, mas admite-se o aumento da dívida pública bem acima do permitido no Pacto.

E aqui é também, e de novo, o património público que vai estar em causa e que vai pagar esta obsessão.

A privatização da TAP, da ANA, da Portucel e de tantas outras que fazem parte da carteira de empresas a liquidar pelo Governo não vai ser feita por razões económicas nem financeiras, por razões que tenham a ver com prejuízos ou situações deficitárias. Vai ser feita exclusivamente para diminuir a dívida e, simultaneamente, para permitir colocar interesses estratégicos do País nas mãos de grandes grupos económicos privados! Mesmo que, Sr. Ministro, todos saibamos, começando por si, que, no futuro, a perda dos dividendos dessas empresas vá contribuir para diminuir receitas do Estado e aumentar, mais uma vez, o défice orçamental!

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo:

Não obstante as incertezas externas, e apesar da confiança dos agentes económicos funcionar como uma mola, que num mês cresce para no mês seguinte diminuir, o Governo tem aproveitado todas as oportunidades possíveis para tentar fazer passar a ideia de que o crescimento económico do País é uma firme realidade. Bastou o Governador do Banco de Portugal fazer o frete ou o favor de antecipar revisões positivas de uma décima para que o Governo embandeirasse em arco!

Esqueceu-se o Governo de lembrar que, mesmo assim, esse crescimento não atinge ainda o valor previsto para 2006! Esqueceu-se ainda o Governo de confirmar os efeitos no crescimento que terá o encerramento da Opel, informação que se comprometeu a enviar, o que até hoje ainda não fez! Esqueceu-se também o Governo de dizer que, mesmo que o crescimento venha a ser ligeiramente superior a 1%, será sempre absolutamente medíocre, porque, primeiro, continuaremos a afastar-nos da média da riqueza produzida na União Europeia, porque, segundo, será incapaz de produzir um só emprego líquido e porque, terceiro, não irá produzir acréscimo de actividade suficiente para gerar receitas fiscais capazes de combater, de forma adequada, o défice orçamental.

O Governo tenta, assim, distrair o País com o epifenómeno de crescer mais uma décima ou menos uma décima, acima ou abaixo de 1%, usando e abusando da comunicação social, como se se tratasse de um amplificador de propaganda! O Governo quer entreter o País para que o País não repare que, com crescimentos destes, o desemprego em Portugal pode em breve superar a média europeia.

Para que o País não repare que, com crescimentos destes, os cortes nas despesas sociais vão ter de prosseguir para que o Governo continue a obedecer a Bruxelas! O Governo quer entreter o País para que este não repare que a sua política de consolidação orçamental tem um sentido único e essencial — o do corte nos direitos e nos salários, nas reformas e nas prestações sociais. O sentido único do sacrifício dos que trabalham, do combate ao défice pela diminuição dos investimentos essenciais à formação dos portugueses e ao desenvolvimento do País. Enfim, o sentido essencial da injustiça fiscal que mantém intocáveis os grandes benefícios e privilégios fiscais!

 

 

 

 

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