Intervenção de

Política Orçamental - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Relatório de Orientação da Política Orçamental e, na generalidade, da proposta de lei n.º 77/X — Aprova as Grandes Opções do Plano para 2007

 

Sr. Presidente
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados e Sr.as Deputadas:

O Governo apresentou, mais uma vez, o documento Grandes Opções do Plano para lá do prazo estabelecido e numa formulação inaceitável.

Poupo a Câmara às críticas fundamentadas do Conselho Económico e Social sobre o documento.

As GOP continuam a ser o que foram em 2005 e em todos os anos anteriores: um amontoado avulso de programas, de medidas, de projectos e de acções dos diversos ministérios, uma amálgama entre medidas de política e declarações de intenções, que, em geral, nem chegam a ser boas intenções.

O consenso dos grupos parlamentares relativamente ao desajustamento, à desadequação do actual modelo das GOP — e o PCP está inteiramente à vontade para o afirmar, porque já em Fevereiro apresentou um projecto de resolução visando o estabelecimento de nova metodologia para a elaboração das GOP— não pode servir de álibi para o lastimável documento que o Governo apresentou como Grandes Opções do Plano.

Isto porque, até que a metodologia e o modelo das GOP sejam alteradas, o Governo, este ou qualquer outro, está obrigado a cumprir o que está determinado constitucional e legalmente.

Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

 Como no mistério cristão da Santíssima Trindade, são cinco as opções enunciadas nas GOP, mas uma só, única e verdadeira: a consolidação orçamental!

Definida no Capítulo I como o primeiro dos quatro eixos prioritários de actuação do Governo em 2007, reaparece no ponto 4 da 1.ª Opção, e é esta a primacial e única Opção do Governo, que determina todas as outras e à qual todas as outras se subordinam.

A 1.ª Opção fala de crescimento sustentado e «sustentado» significa o crescimento possível no quadro do cumprimento dos critérios do Pacto de Estabilidade, isto é, da consolidação orçamental.

A 2.ª Opção fala de coesão social e de redução da pobreza no contexto de políticas de educação, mercado de trabalho, protecção social, saúde e cultura, onde a despesa pública em meios e recursos humanos tem um sentido: a redução da despesa orçamental, considerada a questão estrutural da consolidação orçamental.

A 3.ª Opção fala em melhorar a qualidade de vida e de reforçar a coesão territorial, acrescentando que tal se faz num quadro sustentável de desenvolvimento, o que significa, mais uma vez, o desenvolvimento possível, nos estritos limites da contenção do défice orçamental.

A 4.ª Opção fala de justiça e segurança, funções de soberania a reformar e reorganizar, ainda no contexto do dito «enfrentamento» das «causas do crescimento estrutural da despesa». A elevação da qualidade da democracia e a modernização do sistema político que esta Opção integra são apenas os acessórios destinados a progredir nas medidas administrativas de bipartidarização forçada do regime democrático, isto é, de redução drástica da qualidade da democracia.

A 5.ª Opção, sobre política externa e política de defesa nacional, é ainda e também, como se refere explicitamente ao falar da acção governativa em 2005/2006, fundamentalmente, uma questão no âmbito da consolidação orçamental!

As GOP são, assim, um percurso tautológico de como todas as políticas governamentais podem contribuir para o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento

E o espantoso é que, depois de tudo isto, ainda tenha havido um Ministro a dizer, sem se rir, numa audição: «tivemos em anos passados uma verdadeira obsessão pelo défice». «Tivemos», Srs. Membros do Governo?!

Mais uma vez, neste tipo de documento, são afixadas as boas intenções de reforçar a coesão social e a coesão territorial. Mas também, mais uma vez, é um mero exercício de retórica.

Em primeiro lugar, porque esses objectivos estão completamente sobredeterminados pelas políticas de consolidação orçamental, pelo prosseguimento de políticas de competitividade, centradas nos custos da mão-de-obra, por políticas de investimento, onde a viabilidade dos projectos é aferida pela medida dos lucros do capital financeiro, pela continuação do desarmamento do Estado dos meios e instrumentos necessários a políticas capazes de atenuar desigualdades sociais e assimetrias regionais.

O que são senão palavras ocas a opção de reforçar a coesão social e de reduzir a pobreza, quando não há uma palavra sobre políticas salariais e baixos salários, sobre políticas de redistribuição de rendimentos?

Repetimos: a não abordagem pelas GOP do problema central dos baixos salários da generalidade dos trabalhadores portugueses torna, depois, as referências a questões como a pobreza, a exclusão social, o trabalho infantil, o abandono e o insucesso escolares, a formação e a qualificação da mão-de-obra, meros exercícios de retórica, quando não puro farisaísmo político, e do pior!

Como é possível que o combate ao problema n.º 1 do País, o desemprego — questão central, a par dos baixos salários e dos problemas da pobreza —, não seja uma efectiva e real Opção do Governo?! Não seja, como destaca o Conselho Económico e Social, nestas GOP, um eixo prioritário da acção governativa para 2007?!

O problema da redistribuição de rendimentos ganha uma dimensão política extraordinária quando a informação actualizada afixada pelo Banco de Portugal mostra que os bancos portugueses tiveram, em 2005, um aumento médio de lucro de 71,5% e pagaram uma taxa efectiva de IRC de 13,5%!

Também o objectivo da coesão territorial surge, mais uma vez, como uma invocação retórica de um problema que se reconhece existir, mas que a dura realidade da globalização impede que tenha a resposta necessária nas políticas e na alocação espacial dos investimentos públicos.

Bastaria a política, em curso, de redução e encerramento de serviços públicos, decorrente da consolidação orçamental e do PRACE, bastaria a política de privatização e liberalização de empresas públicas com um papel estruturante no território, para estarmos, de facto, perante a Opção da «descoesão territorial».

Mas a situação é pior, porque o Governo não avança com efectivas medidas para a correcção das assimetrias.

Olhemos para a listagem das Prioridades para o Investimento Público em 2007. Atente-se nos critérios e orientações do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), que vão presidir à aplicação dos fundos comunitários entre 2007 e 2013. Estamos, mais uma vez, perante políticas de reprodução ampliada das assimetrias regionais.

Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Algumas vezes, Deputados do PS e ministros do actual Governo clamam, como «virgens ofendidas», pelas acusações de prosseguirem as políticas de direita e da direita, pelas acusações de que perfilham orientações neoliberais. O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, assumindo esses queixumes, tornou-se um verdadeiro especialista da ideologia que pretende convencer-nos de que as políticas de direita são políticas de esquerda e, ainda, que tais políticas, em linha com o melhor benchmarking da União Europeia, são as únicas possíveis, inevitáveis e justas, perante a dita globalização e a impotência dos Estados sob a chantagem das multinacionais!

Há não muitos anos um homem de esquerda, mas não comunista, escrevia que a cartilha neoliberal das «novas tábuas da lei» continha seis mandamentos: três imperativos categóricos — a mundialização, a revolução científica e tecnológica e a competitividade — e três receitas para concretizar — a total liberalização dos mercados, a desregulamentação dos mecanismos de direcção e orientação da economia e as privatizações.

Todos estes mandamentos estão presentes nas GOP e conduzem o País ao barranco.

Posto perante a lâmpada acesa, de olhos bem abertos, o PS não vê. Não porque seja cego, mas porque sofre da cegueira ideológica neoliberal. Nada vê à sua frente que não sejam os interesses do grande capital, nacional e transnacional, e porque também lhe falta coragem política para enfrentar esses interesses.

Sabemos que a vida não está fácil. Sabemos do preço do petróleo, da subida da taxa de juro, do alargamento da União Europeia, que não foi acautelado, do comércio dos países emergentes.

Mas, com isto tudo e muitas outras coisas, gostaria de perceber o que obriga a política do Governo a privatizar a TAP e a ANA; o que obriga a política do Governo a ser cúmplice da fuga legal aos impostos dos sectores financeiros; o que impede o Governo de apresentar nos órgãos da União Europeia uma proposta de medidas para combater a chantagem do leilão contra os trabalhadores e os Estados do capital multinacional, ou o que impede o Governo de apresentar a proposta do fim dos offshore, sede das economias ilícitas e criminosas da droga, do tráfico de armas, da lavagem de dinheiro, da evasão fiscal.

A globalização e as multinacionais têm as costas largas na desresponsabilização das políticas que continuam a beneficiar os mesmos de sempre. Mas são opções políticas as grandes opções que se fazem!

 

 

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