Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Política no sector dos transportes

Debate de actualidade sobre política no sector dos transportes

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Relativamente a estas medidas de corte de 15% nos custos das empresas, o Governo vem falar muitas vezes na sustentabilidade das empresas, como se esta argumentação chantagista do género «é melhor despedirmos estes, porque, senão, vão estes e os outros» colhesse e colasse com a realidade, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e Sr. Secretário de Estado dos Transportes!
Quando os senhores falam em sustentabilidade das empresas, é preciso lembrar que o Governo continua a «não mexer uma palha» nos custos para as empresas, ao nível, por exemplo, dos combustíveis.
É preciso lembrar que o Governo continua a «não mexer uma palha» no que diz respeito aos necessários investimentos e à comparticipação do PIDDAC, que, para toda a rede ferroviária,
teve 8 milhões de euros. É uma vergonha, Srs. Membros do Governo, vir anunciar medidas destas, falando em sustentabilidade, e, ao mesmo tempo, minar, como os sucessivos governos têm vindo a fazer, ano após ano, a dita sustentabilidade das empresas do sector empresarial do Estado!
Sejamos claros, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: o que está em causa não é racionalização alguma; o que está em causa é o objectivo de preparar estas empresas para a privatização, com o Estado a pagar dezenas de milhões de euros em liquidações de empregos, para que os privados possam assumir-se com menores custos e impor a precariedade absoluta e os seus planos de baixos salários.
É esta a estratégia de abrir caminho à entrada dos privados neste sector, nomeadamente numa área onde, por exemplo, no transporte aéreo e no transporte ferroviário, assistimos já a
importantes movimentações dos interesses privados e dos grupos económicos das transnacionais.
É verdadeiramente isto que está em causa: uma política de classe para baixar salários, para ameaçar e chantagear o futuro dos trabalhadores do sector, mas também abandonando à sua sorte milhares e milhares de portugueses do interior do País e suprimindo centenas de quilómetros de caminho-de-ferro, suprimindo serviços e horários, mesmo nas áreas metropolitanas. Quando ouvimos a argumentação de que há pouca procura, de que as pessoas são poucas, não merecem o comboio, não merecem o transporte público, perguntamos: então e o corte de serviços ferroviários na Grande Lisboa e no Grande Porto? Então e o corte de circulações no transporte fluvial, na linha do Seixal para Lisboa, na Transtejo, na zona onde a linha tem tido exactamente maior procura na hora de ponta da manhã?! É uma inconsistência absoluta que deixa à evidência o verdadeiro propósito deste Governo e desta política de direita, em que PS e PSD convergem, que é a destruição do serviço público e a abertura do caminho à privatização.
Srs. Membros do Governo, esta é uma política inaceitável, que está a conduzir o País ao desastre, que vai tornar pior a acessibilidade dos portugueses ao transporte público e ao serviço público, que vai pôr mais pessoas (aquelas que podem), e ainda mais do que antes, a utilizar o transporte individual, com terríveis consequências para a própria dívida externa do País e para a factura energética da nossa economia.
Srs. Membros do Governo, deixo uma última nota para referir que quando ouvimos dizer — e ouviremos, certamente, neste debate — que é preciso aumentar o preço dos transportes porque desde 2008 não havia aumentos, queremos aqui reafirmar com muita clareza o seguinte: desde 2008 o preço dos combustíveis baixou — nesta altura, estamos a retomar o mesmo caminho de subida do preço dos combustíveis —, mas a verdade é que quando baixou o preço dos combustíveis não baixaram as tarifas; as tarifas mantiveram-se altas e as pessoas foram penalizadas. E agora, com os salários reduzidos e as reformas congeladas, um aumento do tarifário de 3,5% a 4,5% é verdadeiramente criminoso do ponto de vista social e mesmo em
termos económicos.
Não podemos, pois, aceitar esta política que, com a bênção do PSD, o Governo quer impor.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
Bem podem o Governo e o PS falar em investimento nos transportes, em critérios de financiamento e em documentos de trabalho, mas, na verdade, não existem.
Tenho comigo o extracto da acta da reunião da Administração da CP do dia 7 de Dezembro, que delibera contratar um consultor para a concessão a privados das linhas suburbanas — presumo que o Sr. Secretário de Estado não o vai negar. Trata-se de um trabalho de dois meses pago por 250 000 €.
É um documento oficial, uma certidão da CP, ou seja, é a fase visível de uma política de desmantelamento do interesse nacional e do interesse público.
Sr. Secretário de Estado, esta situação é indesmentível e é, evidentemente, merecedora da maior crítica e do maior repúdio. Demonstra a política do Governo que prevê 8 milhões de euros em PIDDAC para a rede ferroviária, ao mesmo tempo que a administração da CP prevê 26 milhões de euros para pagar despedimentos. Esta é a imagem concreta da política que o Governo tem para os transportes e para a sua dita «sustentabilidade».
Diz o Sr. Deputado do PS que tem consciência de que as medidas apontadas pelo Governo não são simpáticas. Está enganado, Sr. Deputado, são muito simpáticas para os grupos económicos, para as multinacionais do sector — a Arriva, a Transdev, a Ferrovial, a Deutsche Bahn — e
também para o Deutsche Bank e para os grupos financeiros que apoiam este tipo de privatizações. Para o grande capital os senhores são umas «Miss Simpatia», mas para os trabalhadores e para a população são verdadeiros carrascos ao imporem sacrifícios sempre aos mesmos do costume. Não há dinheiro para investir nas oficinas de motores da TAP e nos alargamentos, na capacidade produtiva da Empresa de Manutenção de Equipamentos Ferroviários (EMEF)…
Como estava a dizer, para estes investimentos necessários em bens transaccionáveis, na produção nacional e na capacidade da nossa economia não há dinheiro, mas há dinheiro para despedir e para entregar aos privados sectores fundamentais da nossa economia.
O Sr. Secretário de Estado veio dizer que nada está decidido. Colocamos-lhe o mesmo desafio do mês passado: assuma o Governo o compromisso de dizer que não vai haver encerramentos de linhas, de serviços, de postos de trabalho, que não vai haver despedimentos às centenas ou aos milhares, que não vão ficar milhares de pessoas sem comboio. A este desafio os senhores recusaram-se responder.
Sabemos muito bem como se resolve este tipo de problemas e esta ofensiva que está a ser lançada pelo Governo: é com a luta dos trabalhadores, das populações, dos utentes que está a ser dinamizada e com a qual o PCP, como sempre, está firmemente solidário.

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • EMEF
  • Ferrovia
  • Ferroviário
  • Transportes