Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Política educativa

Debate de actualidade sobre a situação dos compromissos do Governo em matéria de política educativa

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Ainda ontem, em reunião da Comissão de Educação e Ciência, a requerimento do Partido Comunista Português, a Ministra da Educação veio, de facto, assumir que não vai cumprir os compromissos assumidos com as estruturas sindicais de professores.
Veio dizer-nos, até com alguma leviandade, que o acordo de princípios havia sido «sacrificado no altar» deste Orçamento do Estado, que corta a eito nos direitos de todos os trabalhadores e não excepciona, obviamente, os professores.
Mais grave é este sacrifício na medida em que, há bem poucos meses, o Governo utilizava precisamente esse acordo para dizer que era necessário acalmar os ânimos na luta dos professores, para dizer que havia cedido num conjunto de matérias e que era também necessário que as estruturas sindicais cedessem noutras tantas.
Curiosamente, o mesmo partido e o mesmo Governo que utilizaram esse acordo de princípios para, supostamente, chegar a uma plataforma de entendimento, retiraram-se desse compromisso, na parte que lhes cabia cumprir, através do Orçamento do Estado.
Progressão nas carreiras, contratação de professores contratados, contagem do tempo de serviço, reposicionamento nos escalões correspondentes, todos estes compromissos assumidos com as estruturas sindicais dos professores «foram por água abaixo» com este Orçamento do Estado.
Mas a Ministra também revelou neste debate que, quando assinou este acordo, tinha perfeita consciência de que estava a agir de má fé, de que estava preparada para trair, no primeiro momento, o compromisso que havia acabado de assinar.
A quebra deste acordo unilateralmente, por parte do Governo, vem precisamente retirar o Governo das únicas questões com que se havia comprometido. Mas é essencialmente pela via do Orçamento do Estado que este acordo de princípios é agora quebrado.
Por isso mesmo, por ser um acordo que é quebrado por via do Orçamento do Estado, Sr. Deputada do Partido Socialista, digo-lhe: não sei quanto aos outros partidos mas o PCP tudo fará — e não deixará espaço para que os outros partidos não se pronunciem sobre isso — para que, em sede de discussão do Orçamento do Estado, esses constrangimentos sejam retirados, para que o Governo possa, pelo menos, cumprir o acordo de princípios que assumiu com as estruturas sindicais e com os professores, nomeadamente a contagem do tempo de serviço, a admissão e a realização de concursos para contratação de professores em 2011, designadamente, a progressão na carreira.
E esses constrangimentos, que são obviamente impostos a todos os trabalhadores da função pública, serão alvo de propostas várias do PCP para que sejam resolvidos aqui.
O PS pode acusar os restantes partidos de não trazerem propostas, mas as propostas do PCP aqui estarão. Veremos o que dirá o PS sobre elas.
Mas é preciso chamar aqui também à responsabilidade o PSD. O que diz o PSD sobre o congelamento das carreiras? O que diz o PSD sobre as progressões? O que diz sobre os cortes salariais?
O que diz o PSD sobre as contratações para a função pública?
O PSD apadrinha, instiga e até estimula o Governo a ir mais longe, a cortar mais! Mas, depois, aqui, vem fazer-se de paladino do bom senso na educação, dos professores. Ainda ontem, na Comissão de Educação, se fazia de defensor dos professores. Mas, curiosamente, nas costas, nos
corredores, instiga, estimula este Governo do Partido Socialista e de Sócrates a ir ainda mais longe nos cortes.
Este é apenas um reflexo. Quebrar o acordo de princípios é um reflexo.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
As intervenções entretanto produzidas merecem-nos ainda duas notas sobre este debate e sobre o estado actual da escola pública.
A realidade, de facto, em nada se coaduna com o discurso da tranquilidade, da serenidade e da qualidade do Governo e do Partido Socialista. Se observarmos as escolas, nomeadamente no início do ano lectivo, deparamo-nos com tudo menos com essa suposta tranquilidade: escolas que não abriram a tempo, escolas que os próprios pais não permitiram que abrissem por não terem as condições mínimas de segurança para os seus filhos, escolas e turmas sem professores, o que se mantém ainda hoje.
Sr. Ministro e Srs. Deputados do Partido Socialista, essa é a realidade que se vive no dia-a-dia da escola pública e que se vive com alguma intensidade.
Nas escolas há necessidades permanentes que continuam por suprir, é verdade, mas há outras, como já aqui foi dito, que, embora permanentes, são resolvidas com recurso à maior das precariedades e da exploração: psicólogos nas escolas que não são sujeitos a concurso para contratação desde 1997; professores contratados ano após ano após ano…
A hipocrisia dos partidos que aqui hoje denunciaram isso mede-se pelo sentido de voto que deram à proposta do PCP para a contratação desses professores, votada realizada ainda
este ano. PSD, PS e CDS votaram contra a contratação dos professores, em caso de abertura de disciplinas, durante mais de três anos consecutivos.
Sr. Ministro, patriótico não é vender os direitos dos trabalhadores portugueses, não é destruir ou vender a escola pública aos pedaços a outros interesses. Patriótico é dizer que os interesses e os direitos dos portugueses — dos professores, dos estudantes, dos pais e dos funcionários das escolas — não se vendem.
Patriótico é garantir que, hoje e no futuro, o País terá uma escola pública, gratuita, democrática e de qualidade para todos e não apenas para quem a possa pagar.

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