Intervenção de

Política de saúde - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Interpelação n.º 15/X, sobre a política de saúde

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Continua a dizer que o que foi entregue ao Governo foi uma versão preliminar do relatório da comissão de financiamento e, portanto, isso supõe, pelo que peço que o confirme, que a versão que se conhece não é a definitiva.

Ora, o que acontece é que as pessoas que participaram na comissão não têm dito isso. Têm dito que acabaram o seu trabalho e entregaram-no ao Governo, como lhes foi pedido... A não ser que também esteja a haver uma leitura qualquer do Governo semelhante àquela que houve naquele relatório preliminar da comissão das urgências..., porque pode haver algumas páginas que convenha não estarem no relatório final. Pode ser essa a questão.

De qualquer forma, indo à questão de fundo, Sr. Ministro, o que não percebo é por que é que o Governo está a demorar tanto a divulgar o relatório e a discuti-lo, dizendo a opinião que tem em relação aos vários aspectos que dele constam.

Nós sabemos que uma coisa é o que a comissão técnica concluiu e outra coisa é o que o Governo vai decidir. Isto está claro! Mas vamos então ouvir o que o Governo tem a dizer sobre as propostas da comissão técnica.

A comissão técnica assenta o seu raciocínio, ligando o financiamento do Serviço Nacional de Saúde à situação do défice público, o que é, aliás, o que faz a política do Governo. A despesa com a saúde está dependente do sacrossanto défice público, prejudicando, assim, em muitos aspectos, as populações.

A comissão técnica diz que o caminho é o de que o Estado se vá cingindo a ser financiador e regulador e que a prestação seja cada vez mais delegada e contratualizada. E eu gostava muito de saber se é essa a opção do Governo, discutindo o relatório da comissão técnica.

A comissão técnica fala numa despesa em relação ao PIB na saúde superior à média europeia, mas não fala (e penso que esse dado é relevante) na despesa per capita com saúde do nosso Orçamento. E essa é inferior à média europeia. Ora este é um critério muito relevante de avaliação desta questão.

A comissão técnica, por isso, já entregou o relatório, já propôs - e eu gostava de saber se o Sr. Ministro também entende como a comissão técnica que o Serviço Nacional de Saúde deve assegurar um seguro básico, isto é, digo eu, um «pacote mínimo garantido» de cuidados de saúde, sendo que o que estiver fora desse pacote tem de ser assegurado pelos próprios. Pergunto se o Governo tem esta opção.

A comissão técnica diz que as medidas a avançar devem traduzir-se, por isso, na definição das intervenções asseguradas pelo seguro público, isto é, «pacote mínimo garantido».

A comissão técnica fala na revisão do regime das taxas moderadoras. Nessa parte o Governo tem vindo a dizer que não vai mexer até ao fim da legislatura. Já está esclarecida. Mas fala também na actualização do valor das actuais taxas moderadoras, pelo que gostaria que o Sr. Ministro nos dissesse se está de acordo ou não com esta opção de financiamento do Serviço Nacional de Saúde.

A comissão técnica fala ainda da redução dos benefícios fiscais associados à saúde, pelo que gostaria de saber se o Governo (e em que condições) está ou não de acordo com esta redução.

Por fim, a comissão técnica fala também do desaparecimento ou da retirada do esforço orçamental dos subsistemas públicos, da sua eliminação em matéria de Orçamento do Estado, passando o seu financiamento na totalidade para os utentes. Ora, eu gostava de saber se o Governo está de acordo com esta opção ou não.

Portanto, temos de discutir o relatório, mesmo não concordando com ele. E o que parece é que o Governo teima em fugir a esta discussão, o que faz supor que algumas das medidas que aqui vêm propostas podem estar nos planos deste Governo...! E é este o esclarecimento que temos de ter neste debate.

Já agora, o Sr. Ministro disse que a esquerda conservadora - que não sei bem quem é..., aliás, se não fosse a parte da esquerda, ainda pensava que estava a referir-se ao PS, porque, falando em esquerda, já começo a ter dificuldade em encaixar o PS nesta matéria - já não fala dos custos dos medicamentos.

Ó Sr. Ministro, não fala a esquerda conservadora mas fala a comissão técnica, que diz que é no sector do medicamento que a participação dos utentes é relativamente elevada, o que se deve, por um lado, a taxas de comparticipação comparativamente baixas, com poucas isenções de pagamento e, por outro, a níveis de utilização de fármacos relativamente elevados.

Cá está! Afinal, até a comissão técnica fala do elevado custo dos medicamentos no nosso país, e o Sr. Ministro estava ansioso por ouvir isso!...

Finalmente, gostaria de referir-me ainda à questão dos encerramentos (mas não para falar de qualquer caso em concreto) de serviços de saúde, SAP, maternidades, para chamar a atenção para a forma pouco séria, Sr. Ministro, desculpe-me que lhe diga, como o Governo tem estado a abordar esta questão.

O Sr. Ministro disse aqui, em relação aos quatro partos que ocorreram em ambulâncias, da exmaternidade da Figueira da Foz, que havia 1,5 a 2,5 por 1000 partos fora da maternidade, todos os anos, a nível nacional. Foi o dado que deu. Mas isso é bom, Sr. Ministro? Isso é um dado positivo ou é um dado negativo, um dado que pretendemos baixar? Então por que é que o Sr. Ministro justifica os quatro nascimentos que ocorreram em ambulâncias com o facto de haver ainda mais nascimentos noutros sítios fora das maternidades em todo o país?!... Isso é positivo? Ou seria mais positivo que estes quatro partos tivessem ocorrido num sítio apropriado e devidamente acompanhados?!

Depois o Sr. Ministro utilizou uma comparação absolutamente (desculpe-me dizer-lhe) absurda, que é em relação à primeira semana do funcionamento do Centro de Saúde de Vendas Novas, após o encerramento. Mas agora fazem-se balanços ao fim da primeira semana, Sr. Ministro?! É um balanço de uma semana e esse é o balanço que o Sr. Ministro quer apresentar? Disse que duplicou o número de primeiras consultas. Pergunto: de quanto? De quatro para oito? De cinco para dez? Qual é a ordem de grandeza desse número? Seria muito importante que nos respondesse a esta questão!

Para terminar, chamo a atenção para o inquérito que o Ministério da Saúde pôs no portal do Ministério da Saúde, sobre o encerramento dos Serviços de Atendimento Permanente.

Esse inquérito colocava a questão seguinte: «Havendo 68 centros de saúde com Serviço de Atendimento Permanente com menos de 10 utentes entre as 24 horas e as 8 horas, sendo que mais de metade tem menos de cinco visitas no mesmo período e custa ao erário público entre 30 a 40 milhões de euros anuais, que soluções preferiria?» - e depois vinham as opções: «manter a situação; aproveitar as verbas para melhorar a acessibilidade e o atendimento; utilizar as verbas poupadas na promoção da saúde».

Ora, aqui está um bom exemplo da forma capciosa como o Governo conduz este debate. Porque podiam fazer-se outras perguntas. Podia, por exemplo, fazer a pergunta assim, Sr. Ministro: primeira opção: «Está de acordo com a manutenção destes Serviços de Atendimento Permanente?» Segunda opção: «Está de acordo em fechar os Serviços de Atendimento Permanente para poupar o dinheiro aí gasto sem qualquer ganho de saúde?» Terceira opção: «Está de acordo com o fecho dos SAP, mesmo que os atendimentos urgentes passem a ser feitos a muitos quilómetros, com risco para a vida e para a saúde dos cidadãos? »

Fizesse o Governo estas perguntas e logo veria que os resultados, apesar de tudo escassos, deste inquérito, seriam bem diferentes daqueles que apresenta.

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