Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Petição solicitando que se legisle no sentido de reformular a forma de pagamento das compensações devidas aos advogados inscritos no sistema de acesso ao direito e aos tribunais

(petição n.º 44/XII/1.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Começo a minha intervenção com uma declaração para explicar que sou advogado, com inscrição em vigor, apesar de entender que não há aqui qualquer conflito de interesses, porque não participo no sistema de acesso ao direito já há vários anos. Mas julgo que esta declaração contribui para a transparência do debate e da intervenção que vou fazer.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Nesta matéria justifica-se plenamente aquela afirmação popular de que há muitas «desculpas de mau pagador», porque os atrasos no pagamento aos advogados que participam no sistema de acesso ao direito pode quase dizer-se que são estruturais, tendo em conta a repetição e a recorrência com que essas situações se verificam.
A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que esses atrasos que sucessivamente se vão verificando justificam muitas vezes, também, aquilo que são intenções políticas de alteração ao regime do pagamento dos advogados.
A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é porque, se considerarmos aquilo que verdadeiramente está em causa, podemos fazer uma avaliação que não é muito abonatória dos investimentos que os sucessivos governos dizem que vão fazendo no sistema de acesso ao direito.
E eu gostava de pôr esta questão, do ponto de vista orçamental, nos seus devidos termos, desde logo e em primeiro lugar, o Governo do PSD e do CDS propõe-se gastar, em 2012, menos cerca de 20% do que aquilo que gastou o governo anterior, ou pelo menos aquilo que ficou inscrito no Orçamento do Estado.
Ora, considerando que há um montante significativo de dívidas aos advogados este corte será ainda mais profundo e, do ponto de vista orçamental, há um outro dado que põe esta questão também nos seus devidos termos: o Governo do PSD e do CDS pretende gastar, a pagar aos advogados que participam no sistema de acesso ao direito, menos do que gasta com o arrendamento de imóveis e, portanto, é legítima a pergunta que se impõe fazer e que é a de saber se o Governo considera que o cumprimento de um direito fundamental dos cidadãos de acesso à justiça vale menos do que o arrendamento dos imóveis que o Ministério da Justiça tem à sua responsabilidade.
Mas há aqui uma questão essencial que tem que ver com a formulação legal — e que no fundo é a pretensão que os peticionários apresentam — relativamente ao pagamento dos advogados. Na nossa perspetiva, julgamos que o problema não está tanto na formulação legal do regime; o problema está no facto de este Governo e governos anteriores darem ou não cumprimento a esse regime. Isto porque aquilo que já hoje o enquadramento legal prevê para esta questão é que (e vou ler o que consta da portaria em vigor) «O pagamento da compensação devida aos profissionais forenses deve ser processado até ao termo do mês seguinte àquele em que se verifica o facto determinante da compensação.»
Portanto, não é por falta de enquadramento legal que os advogados têm os honorários em atraso; é por desrespeito por parte do Governo daquilo que é o cumprimento de uma obrigação legal! E esta questão, Sr.as e Srs. Deputados, nem pode ser ultrapassada com a formulação legal que temos hoje em vigor, nem poderia ser ultrapassada com a solução que os peticionários nos propõem.

O PCP entende, de facto, que a solução que os peticionários propõem é ela própria insuficiente para resolver este problema, porque ela própria admite a possibilidade de não haver dinheiro para pagar aos advogados e, portanto, recorrer-se a uma instituição bancária ficando o Estado a pagar o capital e os juros que, eventualmente, viessem a ser contratualizados com uma instituição financeira.
Ora, essa solução, para o PCP, também não é boa solução, porque a boa solução é o Estado pagar a tempo e horas, porque para isso ficam inscritas as verbas no Orçamento do Estado e porque é essa a obrigação que o Governo tem, pagar a tempo e horas aos advogados que participam num sistema que visa garantir aos cidadãos o cumprimento de um direito fundamental — e só essa é a solução admissível! Essa é a solução que já atualmente a lei prevê e, portanto, pela parte do PCP, continuaremos empenhados e insistiremos na necessidade de obrigar o Governo a cumprir as suas obrigações, a cumprir a lei, porque é isso o mínimo que se pode fazer num Estado de direito democrático.

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