Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

Petição solicitando a avaliação da realidade do aborto em Portugal

(petição n.º 157/XI/2.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A consagração, no quadro legal português, da despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) constituiu uma conquista de décadas de luta em defesa dos direitos das mulheres e representou um grande avanço civilizacional na garantia e no reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos.
Não obstante a ofensiva ao Serviço Nacional de Saúde, a fragilidade dos cuidados de saúde primários, o encerramento de serviços de proximidade e de maternidades, o encaminhamento para entidades privadas, quando há capacidade no SNS, ou a não adequada implementação da educação sexual, fazemos um balanço muito positivo nestes cinco anos de aplicação da lei. A luta de muitas gerações de mulheres pôs fim à inaceitável criminalização, a um flagelo social e a um problema de saúde pública, que, para além de problemas de saúde gravíssimos, custou a vida a demasiadas mulheres.
No entanto, as forças conservadoras e reacionárias nunca aceitaram o resultado do referendo e claramente tentam reverter a lei. Durante cinco anos, foram inúmeras as mistificações e as demagogias para tentarem criar entraves à aplicação da lei, ignorando as consequências do aborto clandestino que até 2007 vigorava em Portugal e deturpando os dados dos relatórios anuais da Direção-Geral de Saúde.
Dos dados oficiais relativos ao ano de 2011 destaca-se que o maior grupo de mulheres que recorreram à IVG estão em situação de desemprego, seguido das trabalhadoras operárias e das que trabalham na agricultura, das estudantes e das trabalhadoras não qualificadas, o que revela as dificuldades económicas e os baixos salários com que as famílias sobrevivem.
51,8% das mulheres que fizeram interrupção da gravidez tinham já cerca de um a dois filhos, cerca de 75% das mulheres fizeram a interrupção da gravidez pela primeira vez, contrariando a tese de que há uma grande reincidência na realização de IVG.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Portugal é o quinto país da União Europeia com menor taxa de interrupções da gravidez por 1000 mulheres em idade fértil e está abaixo da média da União Europeia no que respeita à realização de interrupções da gravidez por 1000 nados vivos.
Sem qualquer vergonha e pudor, estas forças reacionárias tentam associar o número de interrupções voluntárias da gravidez por opção da mulher à redução da natalidade no País, aliás um dos aspetos que motivou o voto contra do PCP em relação ao relatório final desta petição.
É evidente que, a não vigorar esta lei, estas mulheres seriam forçadas a recorrer ao aborto ilegal e clandestino sem quaisquer condições.
É uma hipocrisia considerar que a IVG é responsável pela baixa natalidade, ignorando todas as condições económicas e sociais que levam os casais a adiar a decisão de ter filhos ou a optarem por terem um só filho. O desemprego, a precariedade, os baixos salários, as dificuldades no acesso à habitação, o desrespeito pelos direitos da maternidade e paternidade, os cortes no abono de família e noutros apoios sociais e bem recentemente a redução do valor do subsídio de maternidade são, de facto, os fatores que contribuem para a baixa taxa de natalidade em Portugal.
A proposta já anunciada de cobrar taxas moderadoras na realização da IVG é inaceitável. Tudo faremos para impedir que avance, pois representará um retrocesso, dificultando o acesso das mulheres aos cuidados de saúde, com um sério prejuízo para a sua vida sexual e reprodutiva. A IVG é um ato médico e, como tal, deve ser assegurado pelo SNS, garantido a todas as mulheres independentemente da sua condição económica.
Para o PCP, o cumprimento desta lei é indissociável do papel insubstituível do SNS na promoção do conjunto dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, designadamente a garantia de cuidados médicos qualificados na gravidez; o acesso à educação para a saúde e sexualidade; acessibilidade às consultas de planeamento familiar e gratuitidade dos métodos contracetivos; a garantia de apoio nas situações de infertilidade e o reforço dos direitos da maternidade e paternidade.
Mesmo para terminar, Sr. Presidente, dizemos que, deste modo, não podemos acompanhar, de todo, os pressupostos desta petição, porque pretendem andar para trás e voltar aos tempos do aborto ilegal, afrontando os direitos das mulheres e a sua dignidade enquanto seres humanos.

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